Algumas provas contra Flavio Bolsonaro sobreviveram ao STJ

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A decisão da Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que anulou provas da investigação da “rachadinha” contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) devolveu a apuração ao seu estágio inicial.

Todos os atos realizados com autorização do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, devem ser descartados, de acordo com a decisão. As medidas tomadas sem necessidade de decisão judicial, mas por iniciativa de promotores de primeira instância, também estão sob risco.

Contudo, há documentos importantes juntados no início da apuração que permanecem válidos mesmo após a decisão dos ministros do STJ. Eles foram obtidos, em sua maioria, pela equipe do então procurador-geral do Rio, Eduardo Gussem, quando Flávio ainda era deputado estadual. Neste período, o foro foi respeitado.

Essas provas ainda válidas também permitem a recuperação de parte das evidências contra o senador e que embasaram a denúncia no caso da “rachadinha”. Outras, porém, não podem ser apreendidas de novo.

Flávio é acusado de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de seus ex-funcionários em benefício próprio. A prática, conhecida como “rachadinha”, consiste na exigência feita a assessores parlamentares de entregarem parte de seus salários ao parlamentar.

O filho do presidente foi denunciado à Justiça em novembro de 2020 sob a acusação de organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Os promotores de Justiça apontaram o policial militar aposentado Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro e então assessor de Flávio, como operador do esquema.

Segundo a denúncia, a prática ocorria em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde exerceu o mandato de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019. Quando o escândalo veio à tona, no final de 2018, Flávio estava eleito para uma cadeira no Senado.

Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ entendeu que o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, não tinha poderes para supervisionar a investigação contra o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Foi o magistrado que determinou as quebras de sigilos bancário, fiscal e telemático, buscas e apreensões e a prisão de Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro do esquema.

Os ministros determinaram que todas as decisões do magistrado sejam anuladas, o que invalida também as provas obtidas a partir dessa autorização.

O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) ainda aguarda a notificação do STJ para avaliar as possibilidades de recursos. O caso agora também depende de decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) para ter sua viabilidade definida.

O principal processo no Supremo é um recurso do MP-RJ questionando justamente o foro especial concedido a Flávio pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e confirmado agora pelo STJ. O caso está parado há mais de um ano no gabinete do ministro Gilmar Mendes.

Todas as provas obtidas com autorização de Itabaiana foram anuladas.

Principais provas da investigação, os dados fiscais e bancários já haviam sido anulados em março pelo STJ. Os ministros consideraram, na ocasião, que a decisão do magistrado de primeira instância não tinha fundamentação suficiente.

Foi a partir dos dados bancários que os investigadores identificaram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do hoje senador, que somavam R$ 2,08 milhões.

Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões, recursos que os promotores afirmam ter sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.

O MP-RJ ainda identificou a partir dos dados bancários um depósito de Queiroz de R$ 25 mil na conta de Fernanda Bolsonaro, uma semana antes de a mulher do senador quitar a entrada de um apartamento adquirido pelo casal.

Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas bancárias do casal não registram pagamentos de impostos e serviços quitados.

Eles apontam depósitos de R$ 159 mil na conta de Flávio sem origem identificada entre 2014 e 2018.

Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil.

Itabaiana também foi o responsável por autorizar a busca e apreensão realizada em dezembro de 2019. O resultado da operação, porém, agora se torna nulo em razão da decisão do STJ.

Nas buscas, os agentes recolheram celulares de investigados que continham mensagens que corroboram, para os promotores, o esquema da “rachadinha”.

Entre os arquivos há mensagens trocadas pela ex-assessora Luiza Souza Paes e seu pai.

“Agora deu ruim”, disse ela em mensagem de áudio ao ver a notícia sobre a movimentação financeira de Queiroz.

Também foi apreendido na casa de Luiza um computador com uma planilha de planejamento financeiro indicando o salário recebido da Alerj como R$ 800, embora seu contracheque fosse mais que o dobro disso no período em que esteve empregada lá.

O MP-RJ aponta o arquivo como mais uma prova de que a ex-assessora retinha apenas uma “mesada” dos vencimentos enquanto repassava a maior parte para Queiroz.

As trocas de mensagens também indicaram, para o MP-RJ, o envolvimento do advogado Frederick Wassef na operação para esconder Queiroz em Atibaia. Os dados mostram conversas da mulher do ex-assessor de Flávio, Márcia Aguiar, descrevendo as limitações impostas ao marido no período em que estava com o “anjo” —como se referiam ao advogado.

Documentos apreendidos nas buscas também deverão ser descartados. O principal deles é um comprovante de transferência encontrado na casa da ex-assessora Flávia da Silva.

O papel tem uma anotação que indica, segundo o MP-RJ, a retenção de uma “mesada” pela funcionária fantasma enquanto repassava a maior parte a Queiroz.

“Comecei a tirar R$ 1.400”, diz a anotação.

Outra importante prova anulada são os dados telemáticos quebrados por autorização de Itabaiana. As informações permitiram que os investigadores mostrassem, a partir do tráfego de dados de antenas, que os ex-assessores de Flávio só usavam seus celulares em locais distantes da Assembleia.

Elementos importantes ainda estão preservados pelas decisões judiciais atualmente em vigor.

O principal deles é o relatório do Coaf que gerou a investigação contra o senador e Queiroz. Ele descreve saques e depósitos na conta do ex-assessor entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 que somam R$ 1,2 milhão.

Os dados já indicavam, na origem da apuração, características do esquema da “rachadinha”. Já era possível identificar que os depósitos ocorriam em datas posteriores e próximas ao de pagamento de salários na Alerj. Também é possível ver que Queiroz sacava boa parte do valor que entrava, sugerindo que sua conta era apenas uma passagem.

Há ainda outros cinco relatórios do Coaf com informações adicionais.

Também estão preservadas as mensagens entre Queiroz e Danielle Mendonça da Nóbrega, ex-mulher do miliciano Adriano da Nóbrega, no ano passado.

Elas foram obtidas na Operação Intocáveis, outra investigação que apurava a atuação da milícia em Rio das Pedras, comandada por Adriano. O celular de Danielle foi apreendido na ocasião.

Em março de 2017, Queiroz diz a Danielle que enviará seu informe de rendimentos da Assembleia Legislativa do Rio. Em janeiro de 2018, pede para que a ex-assessora lhe informe a quantia depositada naquele mês para ele “prestar a conta”.

Neste período, em 2017 e 2018, os dois também falam sobre envio de cópia da declaração do Imposto de Renda de Danielle para Queiroz.

O MP-RJ avalia que essas mensagens indicam que ela era uma funcionária fantasma com participação na “rachadinha”. Além disso, mostraria que Queiroz informava sobre os desvios “a outros integrantes da organização criminosa”.​

A confissão de Luiza Souza Paes foi feita após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entender que o caso não deveria ser mais conduzido por Itabaiana. Em razão disso, ela prestou depoimento a promotores que atuavam com autorização do então procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, a quem cabe investigar casos de foro em segunda instância.

Ela confirmou que recebia sem trabalhar e repassava a maior parte de seu salário a Queiroz. A ex-assessora não mencionou o envolvimento do senador no caso.

Luiza esteve lotada por um ano no antigo gabinete do senador e depois foi para a TV Alerj, ligada à presidência da Casa. Por todo o período, repassou os recursos a Queiroz.

A única versão oficial de Queiroz para a movimentação financeira em sua conta bancária também segue válida. Ela foi oferecida espontaneamente ao Ministério Público sem a intervenção de Itabaiana.

Nela, o ex-assessor confirmou que recebia parte do salário de alguns colegas de gabinete. Contudo, disse que o objetivo era, com esse dinheiro, remunerar funcionários informais de Flávio em bases eleitorais. Ele disse que o senador não tinha conhecimento da prática.

Ainda está preservada uma das poucas provas que vinculam uma movimentação financeira de Fabrício Queiroz em benefício de Flávio Bolsonaro. Trata-se de um vídeo que mostra Queiroz quitando na boca da agência do Itaú na Alerj boletos das mensalidades escolares das filhas do senador, que somavam R$ 6.942, com dinheiro vivo.

As imagens foram solicitadas aos bancos em dezembro de 2018, sem a participação de Itabaiana, quando a apuração ainda era tocada por procuradores do MP-RJ que atuam na segunda instância. Por esse motivo, é baixo o risco de a prova ser afetada pela discussão sobre o foro em que o caso deve correr.

Foram anulados, porém, os dados que vinculavam as imagens à operação financeira em favor de Flávio Bolsonaro. Esses dados mostram que o pagamento, em 1º de outubro de 2018, foi feito em dinheiro vivo. Contudo, essa, como outras provas, podem ser recuperadas

O material apreendido em dezembro de 2019 não tem como ser revalidado, como as mensagens de celulares, arquivos e documentos que, para os promotores, corroboram a “rachadinha”.

Isso porque exigiria que as evidências fossem devolvidas aos seus donos e apreendidas de novo numa nova operação, com nova decisão judicial. A probabilidade dos investigados resgatarem e manterem provas contra si é considerada nula.

Informações de bancos de dados estáveis, porém, são recuperáveis a partir de nova decisão judicial. Neste caso, o MP-RJ deve pedir a autorização ao Órgão Especial do TJ-RJ, foro definido pelo STJ para o senador.

É possível pedir quebras de sigilos bancário e fiscal de novo a partir de dados do relatório do Coaf que originou a investigação e outras provas ainda válidas.

A recuperação de provas é viável, mas passível de novos questionamentos, o que deve gerar novas discussões processuais que atrasam as investigações e uma eventual ação penal.

A defesa do senador questiona a legalidade da Promotoria solicitar dados que, na prática, já conhece a partir de uma decisão considerada ilegal. O debate deve se arrastar pelo Judiciário caso se opte por essa saída.

Os advogados de Flávio também apontam supostas ilegalidades no relatório do Coaf que originou a investigação. Eles afirmam ter indícios de que dados do documento foram compartilhados de forma irregular pela Receita Federal.

Não há provas das irregularidades, mas a defesa vem tentando buscar evidências para tentar anular o documento que inaugurou a investigação.

Se isso ocorrer, aumentam as dificuldades para retomar a investigação. Restariam apenas as mensagens entre a ex-mulher de Adriano da Nóbrega e Queiroz, bem como as transações imobiliárias com características suspeitas.

Folha  

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