Extrema-direita avança na Europa e preocupa o Brasil
Foto: Marcos Corrêa/PR
A extrema-direita conseguiu resultados expressivos nos últimos dias na Europa. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán saiu como o grande vitorioso nas eleições neste fim de semana, apesar de a oposição ter costurado uma ampla aliança para tentar derrotar o líder populista. “Irmão” de Jair Bolsonaro, o húngaro usou seus mais de dez anos no poder para silenciar a imprensa independente, manobrou para controlar o Judiciário, encolheu o espaço da sociedade civil, reescreveu o passado e dominou o Legislativo.
Na França, a candidata de extrema-direita Marine Le Pen ganha terreno e se aproxima de Emmanuel Macron, faltando poucos dias para as eleições presidenciais. O atual chefe de estado continua com 26% das intenções de voto. Mas a representante da extrema-direita já soma 21%. E continua a ganhar terreno.
Num eventual segundo turno, as pesquisas apontam uma vitória de Macron, mas por uma margem mínima. Le Pen ficaria com 47% dos votos, contra 53% para o atual presidente.
Nas últimas eleições em 2017, depois de um debate no qual ela “explodiu” contra Macron, sua derrotada ficou consolidada com 66% dos votos para o atual presidente. Muitos consideravam Marine Le Pen como descartada do cenário político francês e incapaz de retornar.
Cinco anos depois, ela atinge seu melhor resultado nas pesquisas de opinião, depois de um longo processo de “desintoxicação” de seu partido. Seu segredo? Ser vista como uma candidatura “normal”. Neste ano, seu foco não é a imigração, mas o custo de vida.
Mas basta abrir seu programa eleitoral para descobrir frases como “a França para os franceses” e a proposta de um referendo sobre a imigração.
Pelo menos em público, Le Pen parece ter deixado o discurso racista para outro candidato da extrema-direita, Eric Zemmour. Se muitos acreditavam que os ultraconservadores estariam divididos, a entrada em cena do radical de extrema-direita deu à candidata Marine Le Pen uma aura de “moderada”.
Juntos, porém, os dois pretendentes ao governo da França contam com a simpatia de mais de 30% da população.
Os sinais precisam ser ouvidos com atenção, principalmente pela oposição democrática no Brasil. As democracias, no século 21, não morrem diante do desembarque de tanques no centro de Budapeste ou em Paris. Mas por meio de movimentos que usam justamente os instrumentos da democracia – o voto – para chegar ao poder, desmontar por dentro as instituições e abertamente questionar o sistema de direitos humanos.
Hoje, a democracia liberal é um privilégio de apenas 6% da população mundial. O processo vive seu momento mais dramático em 30 anos e os níveis de democracia retornaram ao que o mundo vivia em 1989. Mas essa deterioração pode não ter terminado.
Anestesiadas, oposições repetem modelos econômicos e sociais responsáveis por excluir milhões de pessoas e por gerar um exército de desiludidos.
Em Paris ou em Budapeste, a marcha da extrema-direita não perdeu força. Ao serem “normalizados”, esses movimentos ganharam a legitimidade das urnas que por tantos anos buscaram. Mas, acima de tudo, se consolidaram como parte incontornável do cenário político desses países. Dando o tom das campanhas eleitorais, definindo os temas da agenda de debates e alimentando a resiliência de um movimento ultraconservador que passou a ser a realidade em muitas sociedades.
O fuso horário europeu de alguns meses em relação às eleições no Brasil talvez seja uma oportunidade para que, no país, toda a oposição democrática examine em detalhe o que significa o avanço desses movimentos. E os riscos profundos para a democracia.