Bolsonaro comete dez vezes mais pedaladas que Dilma
Foto: Cristiano/Agência O Globo
Diferentes indicadores começam a mostrar uma piora na percepção de risco fiscal no Brasil. Desancoragem da meta de inflação, alta do dólar, queda da Bolsa e piora do risco-país são alguns deles.
Segundo economistas e analistas políticos, a deterioração das expectativas é uma reação ao avanço, no Congresso, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que gera R$ 41 bilhões de gastos excepcionais até o final de 2022, com chances de serem prorrogados nos anos seguintes.
A avaliação é que a medida é eleitoreira e populista. Simula um estado de emergência para liberar a distribuição de benefícios a três meses da eleição, na tentativa de reverter o mau desempenho do presidente Jair Bolsonaro (PL) na corrida à reeleição neste ano.
“O governo brasileiro passou três anos falando em modelo liberal para a economia e em responsabilidade fiscal, sem mencionar preocupação com pobreza, desigualdade ou vulneráveis. A inflação já vinha corroendo a renda e famílias já estavam ficando sem comida, mas só agora, na eleição, vem uma PEC que eleva gastos sociais”, afirma o cientista político Hussein Kalout, conselheiro consultivo internacional do Conselho Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e pesquisador da Universidade Harvard, nos EUA.
“É uma falácia dizer que o governo está se preocupando com os mais pobres, o único objetivo dessa medida, que cria um estado de emergência onde não existe, é o populismo eleitoreiro.”
Segundo Kalout, os investidores percebem as inconsistências e estão reagindo porque o Brasil não consegue entregar os três elementos básicos para o bom funcionamento da economia: credibilidade, estabilidade e previsibilidade.
Roberto Dumas Damas, professor do Insper, destaca que há um indicador claro dessa leitura: o descolamento entre a meta de inflação para o ano que vem e as projeções do mercado para o mesmo período. Quanto maior a diferença, conhecida como desancoragem, maior é a percepção de risco fiscal diante de uma piora das contas públicas.
Enquanto o Banco Central trabalha para cumprir a meta de inflação de 3,25%, o mercado já projeta uma alta de preços de 5,5%. A desancoragem, portanto, é de 69%. “A desancoragem nunca ficou tão alta para um ano posterior, nem na época de Dilma Rousseff”, diz Dumas Damas.
No pior momento de desconfiança em relação ao futuro fiscal do governo da ex-presidente Dilma (PT), entre fevereiro e março de 2016, a desancoragem foi a 33%. Na época, a meta de inflação era de 4,5% para o ano seguinte, contra uma projeção que chegou a 6%.
A PEC já foi aprovada no Senado e tem uma tramitação conturbada na Câmara. Na noite de terça-feira (5), a pressão para agilizar a tramitação na comissão especial terminou em bate-boca.
O pacote prevê a liberação de R$ 26 bilhões para a ampliação temporária de R$ 200 no Auxílio Brasil e a concessão do benefícios para quem está na fila. Libera um vale de R$ 1.000 para caminhoneiros autônomos, ao custo de mais R$ 5,4 bilhões.
Também prevê R$ 3,8 bilhões para subsidiar o etanol e outros R$ 2,5 bilhões para ajudar os estados a custear o transporte coletivo a idosos.
Prevê auxílio para taxistas (R$ 2 bilhões), aumento do valor do Auxílio Gás (R$ 1 bilhão) e reforço orçamentário do programa Alimenta Brasil (R$ 500 milhões). As medidas valeriam até o fim do ano.
“Com essa PEC, estão armando um bomba para o próximo governo”, diz o professor do Insper. “Uma boa parte das bondades da PEC acaba em 31 de dezembro, mas como o presidente eleito, seja Lula ou Bolsonaro, vai dizer: lembra daqueles R$ 200, do vale caminhoneiro, do vale gás? Então, não vai ter mais. É muito difícil acreditar nisso. Muita coisa vai ficar perene.”
Nesta quarta-feira (6), dólar e Bolsa, indicadores de curto prazo do ânimo de investidores, se mantiveram pressionados. O dólar teve alta de 0,64%, indo a R$ 5,42. O aumento recorrente do dólar tem o efeito colateral de piorar o cenário para a inflação.
A Bolsa fechou ainda abaixo dos 100.000 pontos. Porém, virou na última hora do pregão, com alta de 0,43% graças à ata do Fed, o banco central dos EUA, que moderou o pessimismo de investidores.
Os mercados de moedas e ações têm refletido com força o temor de retração da economia global e a expectativa de juros mais altos nos EUA. No entanto, a leitura dos economistas no Brasil é que Legislativo e Executivo, ao liberarem a gastança eleitoral, estão contribuindo para a piora dos indicadores financeiros nacionais.
“É difícil separar os efeitos, mas, usando a linguagem dos economistas, eu diria que é razoável supor que parte desse pessimismo no mercado local tem relação com o quadro de piora fiscal no Brasil”, diz Daniel Couri, diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão vinculado ao Senado.
Em relatório preliminar sobre a PEC, divulgado nesta quarta, a IFI faz um questionamento à proposta.
“A PEC carece de estimativas e estudos que embasem o valor proposto”, diz o texto. “Para que se tenha noção da importância da medida, em termos fiscais, o Auxílio Brasil passaria a custar 1,5% do PIB, em termos anualizados, mais de três vezes a média histórica do antigo Bolsa Família.”
Couri não tem dúvidas de que o pacote “aumenta o risco para as contas públicas no médio prazo e sinaliza falta de compromisso com a disciplina fiscal.”
Outro indicador que segue piorando é o risco-país medido pelo CDS, o Credit Default Swap, um tipo de contrato que protege contra o calote de crédito.
Os contratos de CDS para cinco anos estão cotados em 303,9 pontos neste momento, é a maior alta desde os 309 pontos registrados em 25 de maio de 2020, quando a percepção de risco de calote cresceu no início da pandemia.