Pesquisas eleitorais viram negócio grande e suspeito
Quase quatro em cada dez pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre janeiro e junho deste ano foram pagas com recursos das próprias empresas responsáveis pelos levantamentos, revelam dados da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) obtidos com exclusividade pelo GLOBO. Entre os institutos que financiam suas sondagens eleitorais, há empresas de terraplanagem, organização de rodeios e até vaquejadas, além de pesquisa a preço de R$ 0,01.
Uma vez que as empresas de pesquisa não precisam submeter nota fiscal para sondagens autofinanciadas, não é possível rastrear de onde saem os recursos que bancam aquele serviço. A falta de transparência abre brechas para que essas firmas possam ajudar campanhas políticas ao divulgarem pesquisas que beneficiem certos candidatos, alertam especialistas do setor.
Entre as empresas que atuam no setor está a MBO Publicidade, Marketing e Pesquisa, do Maranhão. As pesquisas de mercado e opinião dividem espaço com a organização de vaquejadas e rodeios, terraplanagem, obras urbanísticas, limpeza e edição de música. A MBO tem como característica registrar pesquisas de baixo custo — consideradas por especialistas como não realistas: geralmente custam entre R$ 3,5 mil e R$ 7,5 mil. Ao todo, a empresa diz ter gastado R$ 68,5 mil com nove levantamentos, sendo R$ 59 mil do próprio bolso. Seu único cliente é uma empresa maranhense que vende soja.
“Ibop” a um centavo
Outra empresa que levanta suspeitas é a Ibop, um quase homônimo do antigo e renomado Ibope, cujos ex-executivos fundaram o instituto Ipec. A logomarca, inclusive, simula uma letra “E” ao final da palavra.
No Twitter: Bolsonaristas criticam Bebel Gilberto por dançar sobre a bandeira do Brasil em show nos EUA
O telefone da empresa que consta do cadastro na Receita Federal pertence ao engenheiro Natan Osorio, lotado no gabinete do senador Jorginho Mello (PL), pré-candidato do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao governo de Santa Catarina.
Procurado, Osorio afirmou que “desconhece a informação” e que está “surpreso” em ver seu telefone associado ao instituto.
A Ibop fez uma pesquisa em fevereiro deste ano cujo valor foi de R$ 0,01. O levantamento utilizou como metodologia a pesquisa quantitativa telefônica, considerando um universo de 1.068 entrevistados. Uma das perguntas questiona se o eleitor teve conhecimento da filiação do presidente Jair Bolsonaro ao PL. Além disso, o único cenário de segundo turno testado foi entre Jorginho Mello e Carlos Moisés (Republicanos). O GLOBO não conseguiu contato com o dono da empresa.
Disputa no Rio: Castro é ‘governador da morte’ e Freixo da ‘inexperiência’, diz Rodrigo Neves em oficialização de chapa com Paes
Por nota, o senador diz que “desconhece o citado instituto de pesquisa.”
As pesquisas bancadas com recursos próprios movimentaram R$ 4,7 milhões só este ano. Nesse montante, porém, há levantamentos cobrando valores bem abaixo do mercado.
— A quem interessa fazer trabalho por conta própria? Qual o interesse dessas pesquisas? — questiona Natallia Lima, especialista em direito eleitoral. — O financiamento de campanhas políticas por empresas privadas é proibido no Brasil. Assim, as pesquisas pagas com recursos próprios podem estar servindo para financiar, de forma irregular, campanhas de políticos. Precisa ser investigado.
Em Sergipe, uma empresa gastou R$ 2 mil do próprio bolso para entrevistar presencialmente 1,6 mil pessoas em 75 municípios. O valor inclui despesas com transporte, alimentação, hospedagem e a remuneração dos entrevistadores. Outro instituto, contratado por um terceiro, cobrou R$ 80 mil para 1,5 mil entrevistas presenciais em 35 cidades — 40 vezes mais.
Em média, as empresas autofinanciadas gastaram R$ 16,85 por entrevista, revelam os cálculos da Abep. Já os levantamentos com contratantes e nota fiscal registraram custo médio de R$ 37,10.
Segundo João Francisco Meira, coordenador do Conselho de Opinião Pública da Abep e diretor do instituto Vox Populi, esse fenômeno de pesquisas autofinanciadas e suspeitas já havia sido observado nas eleições municipais de 2020.
— Agora, volta a se repetir. Pesquisa é uma atividade profissional, demanda recursos, que não são pequenos. A gente estranha que haja tantas empresas com recursos para bancar a realização de pesquisas de forma gratuita. É como abrir um restaurante para servir comida de graça — contesta Meira, que também é doutor em ciência política.
O especialista ainda chama a atenção para o alto número de pesquisas feitas por não associados da Abep: ao todo, 428. Não estão, portanto, comprometidas com o Código de Ética da associação ou sujeitas a um processo de auditoria interna.
Confiança bolsonarista
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, críticos das pesquisas eleitorais que apontam a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial, têm demonstrado empolgação com a entrada de um novo instituto no mercado. A Equilíbrio Brasil, que divulgou as primeiras pesquisas no último mês, traz resultados mais otimistas para o clã Bolsonaro — compartilhados até mesmo por Karina Kufa, advogada do presidente.
Em Minas Gerais, seus dados mostram vantagem para Bolsonaro ante o petista, o oposto do cenário identificado por outros levantamentos de empresas tradicionais no mercado. Outra, em São Paulo, aponta uma menor distância entre o candidato bolsonarista ao governo estadual, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o petista Fernando Haddad. Ambas foram bancadas pela empresa por R$ 90 mil. No site do TSE, no entanto, não há informações sobre em quais bairros a pesquisa foi feita, o que é exigido pela Corte.
Focada em gestão empresarial, a Equilíbrio Brasil foi fundada em 1978, mas só recentemente criou páginas nas redes sociais para divulgação das pesquisas. Décio José Bernarde, sócio, foi procurado e não quis se manifestar.
A advogada Flávia Ferronato, comentarista de um canal noticioso bolsonarista, diz que o seu grupo foi convidado pela Equilíbrio Brasil para acompanhar as pesquisas em prol de uma “maior transparência e credibilidade nos números”.
Investigações de fraudes cabem a partidos, candidatos ou MP Eleitoral
Embora as pesquisas eleitorais fiquem armazenadas no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Corte não tem o dever de fiscalizar os resultados ou verificar a autenticidade das informações prestadas por cada empresa.
Segundo a advogada eleitoral Natallia Lima, a competência para investigar possíveis fraudes é de partidos políticos, candidatos, coligações e do Ministério Público Eleitoral (MPE) — o último, no entanto, depende de uma denúncia para apurar supostas irregularidades
Na prática, partidos e candidatos raramente tentam contestar alguma pesquisa, salvo quando o resultado desagrada determinado grupo político, afirma a especialista. Isso explica o fato de haver uma série de institutos que não divulgam o detalhamento de bairros e municípios, mesmo sendo uma exigência prevista em lei e com penalidade de R$ 50 mil a R$ 100 mil, segundo Natallia. Esses dados são importantes para saber se o levantamento esteve nos locais corretos ou deu preferência a pesquisas em determinada região.
O registro de pesquisas perante a Justiça Eleitoral é feito todo de modo eletrônico, pela própria empresa ou entidade, que assume a responsabilidade pelos dados fornecidos e disponíveis na internet, informou, em nota ao GLOBO, o TSE.
A legislação eleitoral não estipula pré-requisitos para que uma empresa esteja habilitada a fazer pesquisas eleitorais no Brasil. Isso explica a existência de institutos recém-criados ou que dividam a sua apuração estatística com atividades sem qualquer relação com o tema.
Da mesma forma, não há grandes percalços para se registrar um levantamento eleitoral no site do TSE: basta preencher informações protocolares, como endereço e número de telefone, e ter um estatístico responsável técnico.
— A legislação é muito falha a respeito da exigência da qualificação para esse registro. O que o TSE disponibiliza é um sistema de registro que obedece estritamente ao que está escrito na lei e em algumas resoluções. Mas a Corte não tem o poder de fiscalização. É preciso que haja uma parte interessada cobrando investigação — diz João Francisco Meira, coordenador do Conselho de Opinião Pública da Abep. (Bianca Gomes e Guilherme Caetano)
Globo