Bolsonaro cresceu nas redes sociais e acha que o mundo é só ali
É talvez um dos momentos mais surrealistas da campanha eleitoral brasileira. Sem dúvida, o mais escatológico. Ocorreu na Internet, crucial campo de batalha nesta eleição. Jair Messias Bolsonaro, claríssimo favorito no segundo turno, veterano deputado, explica ao vivo aos seus oito milhões de seguidores no Facebook que não participará do debate televisivo com que tradicionalmente se encerra a campanha. Convalescente da facada que sofreu no começo de setembro, esmiúça ao vivo – “numa live do Facebook” – os motivos da sua ausência. Diz que tem autorização médica para ir para o cara a cara, mas prefere não correr riscos. De repente, levanta a camiseta… E mostra a bolsa de colostomia enquanto diz: “O pessoal quer que eu vá ao debate, mas posso ter um problema com a bolsa, posso ter que voltar para o hospital, e tudo isso para debater com um poste“. Eis aí, em estado puro, o candidato que revolucionou a política do Brasil.
Bolsonaro levou um grau adiante o conceito de fazer política nas redes sociais. Evita intermediários. Esquiva críticas. Tem um controle quase absoluto sobre sua mensagem. Dá as costas aos debates e também aos comícios desde que um desequilibrado com simpatias esquerdistas o esfaqueou. Fala à mídia tradicional, apenas o necessário, e só para os veículos com afinidade e outros terrenos seguros.
Barack Obama foi o primeiro a vislumbrar o potencial da Internet para arrecadar dinheiro; na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi travou sua batalha no Twitter e fez vibrar centenas de milhares de pessoas em todos os cantos do país, participando de comícios simultâneos graças a um holograma; Donald Trump descobriu no Twitter uma alternativa aos sempre incômodos meios tradicionais; finalmente, o italiano Matteo Salvini descobriu o potencial das lives do Facebook. Agora, Bolsonaro levou a estratégia a uma nova fase: só se deixa ver na tela.
O ex-militar, que dedicou seu voto na destituição de Dilma Rousseff ao torturador da ex-presidenta, conseguiu fazer da necessidade uma virtude. Sem um partido poderoso ou aliados óbvios, e com apenas oito segundos de propaganda contra os partidos de longa data, ele planejou uma estratégia voltada para as redes sociais, um ecossistema que premia e potencializa o tribalismo, o radicalismo e o histrionismo. Um terreno fértil para difundir seu conservadorismo de extrema direita sem renunciar a distorções ou a mentiras flagrantes.
Usa diferentes canais, com discursos diferentes dirigidos a diferentes públicos, explica Francisco Carvalho de Brito, diretor do Internet Lab, consultoria de direito e tecnologia. “Bolsonaro usa o FB para divulgar sua agenda, para falar com suas bases, que não confiam na grande mídia. Quando quer moderar seu discurso, concorda em dar entrevistas para a televisão para enviar sinais aos mercados, às instituições … Ele usa o Twitter para responder rapidamente às questões (polêmicas) … Usa os grupos de WhatsApp como fã-clubes em que se pode fazer parte da sua rede … ”
Na reta final da campanha, o Facebook fechou 69 páginas e 43 contas vinculadas ao grupo empresarial Raposo Fernandes Associados por violar as regras sobre spam e deturpação, mas a tecnológica tem rejeitado o pedido de reduzir no Brasil o limite de pessoas às quais se pode enviar mensagens de WhatsApp de 20 para 5, como acontece na Índia. “É muito preocupante, caminhamos sobre o gelo porque as fake news são fabricadas em escala industrial, mas a checagem de informações é um processo que leva um longo tempo”, destacou esta semana Thiago Tavares, diretor da SaferNet, ONG que analisa as redes em busca de possíveis crimes, informa a France Presse.
A página oficial no Facebook de Bolsonaro tem oito milhões de seguidores (ainda longe de seus 49 milhões de votos no primeiro turno) na reta final de uma campanha em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, começou com 3,6 milhões e o militar aposentado, com 5,5 milhões. Um enorme salto para um político cuja primeira mensagem no Facebook teve apenas 70 curtidas.
O brasileiro estreou a página em um momento-chave. Em junho de 2013, as ruas (e as redes) explodiram. O aumento do transporte público em São Paulo (com Haddad prefeito) catalisou a indignação popular e levou milhões para as ruas convocados por outros brasileiros comuns, distantes de partidos, sindicatos e movimentos sociais. Alguns políticos tradicionais viram nas redes sociais a possibilidade de se reinventar e buscar relevância. Grupos sociais da direita também vislumbraram o filão. Com isso houve um vertiginoso crescimento de uma dinâmica que viu surgirem grupos como o ultraliberal e agressivo Movimento Brasil Livre (MBL), o questionamento das eleições vencidas por pequena margem por Dilma Rousseff em 2014, a sua destituição, novos protestos em massa … e em 2017, o salto de Bolsonaro para a arena, com cenas de multidões que o recebiam no aeroporto transmitidas pelas redes e visitas a quartéis.
O Movimento Brasil Livre foi um dos agitadores das grandes manifestações de 2015 contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. Essas foram as primeiras marchas da direita como tal desde o fim da ditadura em 1985. O ex-militar já ambicionava há três anos se candidatar nesta eleição presidencial. O MBL empreendeu uma guerra cultural em sintonia com os evangélicos e Bolsonaro. Desde a criação de sua página no Facebook, o favorito para presidir o maior país da América Latina utilizou esse canal a partir de janeiro de modo intensivo para difundir a agenda que defendia como deputado federal: a oposição ao projeto de lei que criminaliza a homofobia, sua proposta de voto em cédula para evitar uma suposta fraude nas urnas eletrônicas, a rejeição de uma Comissão da Verdade – que investigou os abusos cometidos pelo Estado durante a ditadura militar –, e assim por diante. Mas não descuida do Whatsapp, ao qual tanto deve. No ano passado, ele lhe dedicou até um projeto de lei, que buscava impedir que o aplicativo fosse tirado do ar pela Justiça.
Do El País