Misoginia de Bolsonaro preocupa sua campanha
Foto: Cleber Caetano/Divulgação/PR
A campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro teme que as ofensas do deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos-SP) à jornalista Vera Magalhães, colunista do GLOBO e da rádio CBN, além de apresentadora da TV Cultura, mine os esforços para reduzir a rejeição do titular do Palácio do Planalto entre as mulheres, que correspondem a mais da metade do eleitorado. Também há preocupação que o episódio, ocorrido após debate entre candidatos ao governo de São Paulo, na terça-feira, contamine a candidatura do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) no maior colégio eleitoral do país. O assunto viralizou nas redes sociais. Em uma demonstração da mobilização para contornar o desgaste, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, que defendeu o ataque do pai à mesma jornalista durante debate promovido pela Band no mês passado, mudou o tom nesta quinta-feira.
Em seu Twitter, Eduardo afirmou que a postura do parlamentar foi “lamentável”. “O que ocorreu ontem (anteontem) após o debate dos candidatos ao governo de SP é lamentável por muitos motivos. Em primeiro lugar, não há justificativa para provocar uma jornalista e tentar constrangê-la gratuitamente no seu local de trabalho, sem que ela tenha dado qualquer motivo para isso”.
O deputado deixou clara sua preocupação com os prejuízos políticos que a ação de Douglas Garcia pode causar. “Atitudes inconsequentes visando os holofotes e a autopromoção, além de erradas em si mesmas, podem pôr a perder um trabalho de meses, reforçar estereótipos e trazer prejuízos para todo um grupo político. Neste caso, a direita”, escreveu.
De acordo com a colunista Bela Megale, do GLOBO, a principal preocupação na campanha de Bolsonaro é que o episódio ajude a consolidar a rejeição do presidente que, segundo as pesquisas, está na casa dos 50%.
Integrantes da equipe chegaram a sugerir que o presidente publicasse uma nota nas redes sociais sobre o episódio defendendo a liberdade de imprensa, mas até o momento ele preferiu o silêncio. Auxiliares do presidente avaliam que a manifestação de Eduardo Bolsonaro ajudaria a estancar as críticas.
Na campanha de Tarcísio, a leitura é que o episódio traz para perto um lado negativo do bolsonarismo que ainda não havia “colado” nele. Douglas Garcia foi ao debate após pedir e receber uma credencial da equipe do ex-ministro. Para estancar a crise, o candidato do Republicanos entrou em campo condenando publicamente a agressão.
Durante comício com Bolsonaro em Presidente Prudente (SP) ontem, Tarcísio disse que o correligionário deve ser “punido severamente” pelo ataque feito à jornalista, de acordo com o g1.
— Eu não posso falar pelo partido, mas eu acho que esse tipo de atitude tem que ser punida severamente. Inclusive pela Alesp (Assembleia de São Paulo)— afirmou.
Durante a madrugada, o ex-ministro de Bolsonaro publicou um tuíte em que diz “lamentar profundamente e repudiar veementemente a agressão sofrida pela jornalista Vera Magalhães enquanto exercia sua função de jornalista durante o debate”. Afirmou ainda que a atitude é “incompatível com a democracia e não condiz com o que defendemos em relação ao trabalho da imprensa”.
Adversário de Tarcísio na corrida eleitoral, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), ironizou o pedido de desculpas do ex-ministro a Vera Magalhães. Em sua conta no Twitter, o tucano publicou um vídeo de apoio de Douglas Garcia a Tarcísio. E afirmou que o candidato do Republicanos só veio a público pedir desculpas porque o “ódio destilado” pelo deputado estadual “pegou mal” desta vez.
Opositores de Bolsonaro na corrida eleitoral repudiaram o episódio. “Debates deveriam ser notícia pelas propostas, não por ataques contra mulheres jornalistas, promovidos por quem vive do ódio e não gosta da democracia”, disse o ex-presidente Lula.
O candidato do PDT, Ciro Gomes, afirmou que os ataques chegaram ao “ponto máximo” e a candidata do MDB prestou sua solidariedade a Vera Magalhães, e chamou o caso de “barbaridade”, pedindo providências da Polícia Civil de São Paulo, da Alesp e do partido Republicanos.
Na terça-feira, mesmo dia das ofensas proferidas por Douglas Garcia, a propaganda eleitoral de Bolsonaro na TV foi dedicado ao público feminino, com participação da primeira-dama, Michelle, e críticas ao tratamento dado às mulheres por Lula.
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A peça contrapõe duas declarações de Lula: a de que, em seu governo, mulheres eram tratadas com respeito, e a de que “quer bater em mulher, vá bater noutro lugar, mas não dentro da sua casa”.
Em um outro programa, Bolsonaro é apresentado como o “cara que criou mais de 70 leis para proteger as mulheres”. Diz ainda que o presidente “acredita na força delas”. O narrador afirma que em 2021, mais de 1,3 milhão de vagas de trabalho foram ocupadas por elas.
A primeira-dama tem sido presença frequente na campanha. Ontem, viajou para Natal, onde participou do evento “Mulheres pelo Brasil”, ao lado de Bolsonaro. Lá, disse que a mulher é “ajudadora do esposo”:
— Aqui tem um homem talvez um pouco mais técnico, mas aqui tem uma mulher espiritual. Então eu acho que se completa, né? Tem que ser assim, né, minhas amadas? A mulher ajudadora do esposo. É a gente que aguenta, né?
Apesar do esforço para mudar o discurso em relação às mulheres, o próprio presidente tem escorregado. Em entrevista a um podcast voltado para o público evangélico nesta semana, ele até ensaiou um mea culpa, mas acabou minimizando o discurso machista. Bolsonaro admitiu ter “pisado na bola” ao atribuir o nascimento de sua única filha mulher a uma “fraquejada”, mas, ato contínuo, disse que comportamento é comum entre o sexo masculino:
— É comum nós homens falarmos… Vai nascer uma criança. Vai ser consumidor ou fornecedor? Brincadeira entre homens. Eu não falo mais isso para ninguém.