STF defende liberdade de expressão em universidades
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) transformou a sessão desta quarta-feira (31/10) em um grande ato em defesa da autonomia universitária e, em especial, das liberdades de expressão, de cátedra e de reunião. Os ministros ainda se posicionaram fortemente contra excessos de agentes do Estado.
Com fortes discursos a favor do livre pensamento, o STF referendou liminar da ministra Cármen Lúcia, que havia suspendido a eficácia das decisões judiciaise administrativas que permitiram as operações de busca e apreensão nas universidades às vésperas do segundo turno das eleições sob a justificativa de coibir atos políticos. Ministros reforçaram que as escolas de ensino superior são laboratórios de ideias livres.
Os ministros discutem a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 458, apresentada pela Procuradoria-Geral da República, após os episódios registrados em ao menos universidades de nove Estados, que foram alvos de operações policiais autorizadas pelos Tribunais Regionais Eleitorais sob argumento de coibir propaganda eleitoral irregular.
Na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, uma faixa onde estava escrito “Direito UFF – antifascista” foi retirada por determinação da Justiça Eleitoral. Em Campina Grande (PB), ações de buscas nas universidades federal e estadual retiraram faixas que diziam “Mais livros, menos armas”.
A discussão envolve o artigo 37 da Lei 9507/1997, que veda a realização de propaganda eleitoral em bens públicos.
Relatora da ação, Cármen Lúcia ressaltou a necessidade de o STF exercer seu papel de guardião da Constituição e assegurar a liberdade de expressão e de reunião nas universidades. Na avaliação da ministra, princípios constitucionais foram feridos.
“A única força legitimada para invadir as universidades é das ideais, livres e plurais. Qualquer outra que ali ingresse é tirana, e tiraria é o exato contrário da democracia”, frisou.
A ministra criticou as decisões judiciais e afirmou que em alguns casos a polícia realizou operações de busca e apreensão nos estabelecimentos de ensino sem sequer apresentar a ordem judicial que havia a determinado.
“As práticas narradas na inicial contrariam a Constituição, contrariam o Brasil como Estado constitucionalmente formalizado como Democrático de Direito. Relembro Ulysses Guimarães, que afirmou que traidor da Constituição é traidor da pátria”, disse.
A ministra afirma que “constitucionalmente mais graves do que as práticas em questão, é a sinalização no que nela se contém”. “O direito tem a força da autoridade. O uso legítimo da força estatal é somente a que está nos estritos limites do direito e da lei”.
“Não há direito democrático sem respeito às liberdades, não há pluralismo na unanimidade, pelo que contrapor-se ao diferente e à livre manifestação de todas as formas de pensar, de aprender, apreender e manifestar uma compreensão do mundo é algemar liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia. Impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a manifestação plural de pensamento, é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores. A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais, qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia”, reforçou a ministra.
O ministro Alexandre de Moraes fez duras críticas às decisões que proibiram a realização de aulas que haviam sido convocadas.
“Essas decisões atentaram contra a liberdade de reunião. Como uma decisão judicial pode proibir a ocorrência de uma aula que vai ocorrer ainda? A Constituição na liberdade de reunião é muito clara. Decisões que proibiram palestras, aulas que iriam ocorrer. Fere a liberdade de reunião, fere a liberdade de manifestação, de expressão, com censura prévia, fere a liberdade de cátedra. Se um professor, o expositor quer falar sobre o fascismo, o comunismo, o nazismo, ele tem o direito de falar. E os alunos, as pessoas têm direito de escutar e realizar um juízo crítico e eventualmente repudiar aquilo que está sendo dito. Não é a autoridade pública que vai fazer um filtro paternalista e antidemocrático”.
O ministro ressaltou que os juízes devem ter cuidado ao tomar decisões baseadas no artigo 37 da legislação eleitoral.
“A interpretação do referido dispositivo deve sempre ser realizada de maneira absolutamente restritiva, pois é cerceadora do debate político e, entendo, como já me manifestei diversas vezes no TSE, inclusive, existir a necessidade de refletirmos sobre o caráter paternalista da norma, que parece não confiar plenamente na opção crítica do eleitor”, disse.
Ressaltou, ainda, que o debate é saudável para o amadurecimento da sociedade. “Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os governantes ou candidatos ao mais alto cargo da República”, frisou.
Gilmar Mendes comparou as ações da polícia nas universidades à Alemanha da década de 1930.
“A presença da polícia nas universidades traz memórias extremamente tristes na história mundial. Basta lembrar a grande queima de livros realizadas em diversas cidades da Alemanha em 1933 em perseguição a autores que se opunham ao regime nazista”, disse.
“É inadmissível que justamente num ambiente em que deveria imperar o livre debate de ideias se proponha um policiamento político ideológico da rotina acadêmica”, completou.
Em seu voto, o presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que a relatora “lembrou todos os precedentes desta Corte no sentido de garantir a liberdade de expressão e quanto ao cabimento da medida, citando os precedentes existentes.”
Roberto Barroso afirmou que os atos confundiram liberdade de expressão com propaganda eleitoral, sendo que a ideia de que a democracia é plural na sua essência é compartilhada por todos.
“Nós não consideramos razoável ou legítimo cenas de policiais irrompendo em salas de aula para impedir a realização de palestras ou retirada de faixas que remetem a manifestação de alunos, cenas como a apreensão de discos rígidos, de computadores, ainda que sejam de docentes e discentes. São atos inequivocamente autoritários e incompatíveis com o país que nós conseguimos criar felizmente e remetem a um passado que não queremos que volte”, disse o ministro.
Presidente do TSE, a ministra Rosa Weber afirmou que a decisão não limita os poderes da Justiça Eleitoral para atuar em espaços públicas. “A liminar submetida a referendo, longe de invalidar ou tornar sem eficácia qualquer dispositivo da legislação eleitoral, reafirma a Constituição como norte a ser observado por qualquer exegese (trecho) válida da lei. Não apenas da lei eleitoral, mas de todo direito produzido em estado que se firma democracia constitucional, onde a liberdade é sempre o valor primaz”.
Edson Fachin argumentou que a liberdade de pensamento é o pilar da democracia. “E este STF tem reiteradas vezes sublinhado que a liberdade de pensamento goza de estado preferencial no estado Democrático de Direito. Em nenhuma das decisões há referência do exercício da liberdade de expressões das universidades. Não há qualquer referência ao livre ambiente de ideias e contexto em que tais atos tenham sido proferidos”.
“No Brasil, quase tudo está por se fazer. Nosso futuro depende do espírito de criação dos órgãos de pensamento, principalmente dos jovens. E não há criação sem liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar. Se há lugar que deve ser o mais livre possível, esse lugar é a universidade”, ressaltou Ricardo Lewandowski.
Celso destacou que o STF tem compromisso irremediável com as liberdades individuais no país. “O alto significado que o direito de reunião assume na sociedade democrática teve o primeiro precedente firmado em abril 1919 e foi acentuado em tempos mais recentes no julgamento da ADI 1969, quando o STF declarou inconstitucional decreto editado pelo governador do DF que vedava manifestação em determinados locais públicos”, relembrou.
O decano afirmou que as universidades são espaços por excelência do debate e da persuasão racional. “O desrespeito ao direito de reunião por parte do Estado e seus agentes traduz compreensão de gesto de arbítrio e inquestionável transgressão das liberdades”, frisou.
A maioria dos magistrados, entretanto, rejeitou a proposta do ministro Gilmar Mendes para determinar a retirada do ar da postagem da deputada estadual de Santa Catarina Ana Caroline que pediu para alunos denunciarem professores que fizessem “manifestações político-partidárias ou ideológicas”.
A relatora preferiu não seguir a sugestão do colega sob o argumento de que não há nos autos do processo nenhuma referência a esse caso e por ter “profundo receio de antes do exame específico da matéria introduzir no voto um dado que pode conduzir à censura, ainda que o objetivo seja resguardar a liberdade”.
Defesa dos juízes
O advogado Alberto Pavie usou a tribuna em nome da Associação dos Magistrados Brasileiros, amicus curiae no processo, para defender as decisões dos juízes eleitorais que, segundo ele, foram fundamentadas e não violaram garantias individuais.
No caso da Universidade Federal Fluminense, por exemplo, ele explicou que a bandeira retirada pela Justiça protestava contra “fascista” e não contra o fascismo, o que indica que tinha alvo certo, no caso, Bolsonaro.
A decisão da Justiça Eleitoral de Mato Grosso do Sul, disse, determinou a não realização de uma aula pública porque o título não era apenas “esmagar o fascismo”, mas “esmagar o fascismo representado pelo candidato Jair Bolsonaro”.
Do Jota