Ignorando provas, Bolsonaristas culpam petistas por 8/1

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Foto: André Mello

Ao vandalizarem as sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro mostraram a face mais radical de uma militância que se dividiu de um mês para cá. Enquanto extremistas foram presos, os contrários à tentativa de golpe precisaram se reposicionar. Apesar de criticarem a destruição, bolsonaristas não radicais — que participaram de uma pesquisa qualitativa conduzida pelo Instituto Travessia, em parceria com O GLOBO — isentam o ex-presidente de responsabilidade e acreditam, entre muitas notícias falsas, na versão de que infiltrados “petistas” estiveram envolvidos no quebra-quebra.

O grupo focal reuniu oito eleitores — quatro homens e quatro mulheres — na semana que marcou um mês dos ataques. Para participar, os eleitores precisavam ter votado no ex-presidente nos dois turnos da eleição do ano passado, pertencer às classes B e C e se declarar contrários às depredações em Brasília. Mesmo com o apoio a Bolsonaro e o antipetismo praticamente inabalados, o grupo também revela pontos fracos do ex-presidente: há amplo apoio à quebra de sigilos de cem anos estabelecidos por Bolsonaro, à transparência dos gastos dos cartões corporativos da Presidência e críticas à permanência do ex-presidente em Orlando, nos Estados Unidos.

Os participantes classificaram a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal como “vandalismo” e atribuíram a autoria a “fanáticos”. A repulsa vai ao encontro do entendimento da maioria da população. De acordo com pesquisa telefônica feita entre 10 e 11 de janeiro pelo Datafolha, 93% dos brasileiros são contrários aos ataques ocorridos em Brasília. Essa taxa cai para 86% entre os que votaram em Bolsonaro no segundo turno.

A tese de que havia “infiltrados” em meio aos invasores, amplamente sustentada em redes extremistas e não comprovada até hoje, tem aderência também entre os não radicais. O grupo que participou da qualitativa reconhece o envolvimento de outros bolsonaristas no ataque — uma eleitora disse ter sentido “vergonha alheia” —, mas acredita que “petistas” “colocaram álcool no fogo” e ajudaram na destruição. Um deles chegou a dizer que o homem flagrado quebrando o relógio de Dom João VI no Planalto “andava com o MST”, informação já desmentida pela imprensa.

Embora o ex-presidente tenha flertado com a ruptura institucional durante seu mandato, seus apoiadores disseram, em uníssono, que ele não pode ser culpado pelo 8 de janeiro. “Aquilo não partiu de Bolsonaro”, afirmou, com convicção, um eleitor de 40 anos, morador de Ermelino Matarazzo, bairro da Zona Leste de São Paulo. “Nem no Brasil ele estava”, argumentou.

A resposta desse eleitor é uma das várias demonstrações de como, por mais que reprovem a destruição em Brasília, esses apoiadores do ex-presidente seguem adeptos às interpretações que beneficiam Bolsonaro — como a de que ele colecionou declarações polêmicas por “falar o que pensa” e por ser “mal interpretado”. Uma mulher de 46 anos que mora na Zona Norte da capital paulista até disse que achou “errado” o ex-presidente não ter se manifestado de imediato no dia do ataque. Antes, porém, ponderou que Bolsonaro “não teve culpa” pelo que aconteceu.

Os bolsonaristas não radicais da qualitativa mediada pelo cientista político Renato Dorgan também não viram na invasão uma tentativa de golpe de Estado. “Se fosse, teriam feito algo mais elaborado”, avaliou o morador de Ermelino Matarazzo, que trabalha como cobrador de ônibus. “Até porque não tinha ninguém lá dentro dos prédios para eles tomarem o poder”, completou um aposentado de 67 anos, morador de Osasco.

A necessidade de punição aos invasores foi apoiada pelos participantes da pesquisa. Alguns viram “conivência” por parte dos policiais do Distrito Federal, mas com a ponderação de que o número de manifestantes impossibilitava uma ação mais enérgica. “Com aquela quantidade de gente, a polícia não podia fazer nada”, disse uma autônoma de 47 anos, moradora de Pirituba, na Zona Norte.

“Fraude” nas eleições

A tese de que infiltrados agiram em Brasília não é a única narrativa bolsonarista com ampla aderência ao grupo de eleitores não radicais do ex-presidente. Ao criticarem Lula, participantes da pesquisa citaram a existência de um plano para taxar o Pix e também o suposto fechamento de comportas da transposição do Rio São Francisco, no Nordeste — ambas informações falsas.

Todos os integrantes do grupo acreditam que houve alguma fraude na eleição vencida por Lula no ano passado, o que não ocorreu. “Teve uma forçada de situação”, sentenciou um bombeiro civil de 40 anos.

As pesquisas qualitativas buscam aprofundar quais são as reflexões de um público-alvo. As conversas são conduzidas por especialistas para investigar raciocínios por trás dos números que aparecem nos levantamentos de opinião pública. Os grupos focais, no entanto, não permitem generalizar seus resultados.

O Globo