Confira as investidas golpistas de Bolsonaro
Foto: Presidência/Alan dos Santos
O material apreendido no celular de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), e a operação da Polícia Federal (PF) contra o senador Marcos do Val (Podemos-ES), investigado por tentativa de golpe e organização criminosa, podem trazer à tona mais elementos que mostram tramas no entorno do ex-presidente contra o resultado das eleições de 2022. Militares e apoiadores próximos do ex-presidente estão envolvidos em planos de teor golpista que motivaram investigações abertas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
Um mês após ser derrotado por Lula, Bolsonaro teria se enrolado em uma trama conspiratória com o objetivo de anular as eleições. No episódio, relatado pelo senador e aliado Marcos do Val (Podemos-ES), o ex-presidente manteve contato com ele e com o então deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) em meio a encontros sigilosos e planos para realizar gravações clandestinas de ministros do STF, com foco em Moraes.
Segundo o relato, no dia 7 de dezembro, Daniel Silveira procurou Marcos do Val durante uma sessão do Congresso e avisou que Bolsonaro desejava falar com ele. Por telefone, o presidente pediu ao parlamentar que o visitasse no Alvorada. O senador deu diferentes versões do que ocorreu em seguida. Em todas elas, é Silveira que introduz a ideia do plano de gravar uma conversa com Moraes.
No dia 14 de dezembro, Do Val chegou a encontrar Alexandre Moraes no salão branco do STF para uma conversa por alguns minutos. Porém, o parlamentar recuou do acordo e contou o plano que teria acertado com o então presidente Bolsonaro. Neste mesmo dia, o senador informou a Daniel Silveira que não faria mais parte da ação.
A suposta articulação de golpe levou Moraes a abrir uma investigação no início de fevereiro. Nesta quinta-feira, uma operação da PF cumpriu mandados de busca e apreensão em diferentes endereços ligados a Do Val.
Outro episódio que mostra intenções golpistas dentro do governo Bolsonaro é o documento encontrado pela Polícia Federal em 12 de janeiro na casa do ex-ministro Anderson Torres. O texto com o objetivo de reverter o resultado da eleição foi criado no início de dezembro. O documento faz menção direta ao dia da diplomação de Lula no TSE, ou seja, 12 de dezembro.
A minuta detalhava passo a passo como deveria ser decretado um “estado de defesa” no TSE, dando poderes ao ex-presidente Jair Bolsonaro para interferir na atuação da Corte – o que é flagrantemente inconstitucional. Tanto o caso relatado por Do Val quanto a minuta golpista estão na mira das investigações do inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes que apura a autoria intelectual dos ataques golpistas do dia 8 de janeiro e o envolvimento de Bolsonaro nos episódios.
Em virtude dos atos, Torres chegou a ser preso no dia 14 de janeiro. No mês passado, ele foi solto preventivamente e está usando tornozeleira eletrônica. O ex-ministro é suspeito de omissão na condução das forças de segurança pública em 8 de janeiro, quando extremistas invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes em Brasília.
O caso foi ainda incluído pelo ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na ação em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é investigado por ataques ao sistema eleitoral brasileiro.
Segundo revelou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, a Polícia Federal encontrou no celular do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o coronel Mauro Cid, a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e alguns “estudos” que, segundo os investigadores, eram destinados a dar suporte a um eventual golpe de estado.
A GLO é uma operação militar que permite ao presidente da República convocar as Forças Armadas em situações de perturbação da ordem pública. De acordo com o texto, o material trata “da possibilidade de emprego das Forças Armadas em caráter excepcional destinados a garantir o funcionamento independente e harmônico dos poderes da União”.
Os documentos recolhidos por Cid estavam em mensagens trocadas com o sargento Luis Marcos dos Reis, preso junto com ele no início de maio na operação que apura fraudes nos cartões de vacinação de diversas pessoas, entre elas o ex-presidente e sua filha Laura. O material apreendido durante a operação dos cartões de vacinação deu origem a um novo inquérito, este sobre a participação do mesmo grupo em preparativos para um golpe de estado.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES), que já era alvo de investigação pela reunião com Silveira e Bolsonaro, foi alvo de mandados de busca e apreensão por pelo menos quatro crimes dentro inquérito sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. A Polícia Federal apura o suposto envolvimento do parlamentar na divulgação de documentos sigilosos; na tentativa, com emprego de violência ou grave ameaça, de abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais; na tentativa de golpe de estado; e ainda por eventualmente integrar uma organização criminosa.
A PF cumpriu mandados no gabinete de Do Val, no Senado Federal, e em seu apartamento funcional, em Brasília, e também em endereços do parlamentar, em Vitória, no Espírito Santo. Nos locais, foram apreendidos celulares e computadores, além de documentos. A conta dele no Twitter também foi bloqueada.
As medidas cautelares foram deferidas por Alexandre de Moraes, do STF, em razão da suposta tentativa de obstrução do inquérito sobre o 8 de janeiro.
Nesta quinta-feira, em reportagem da revista Veja, vieram à tona mais conteúdos encontrados pela PF no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. No aparelho, havia mensagens e documentos que revelam uma trama para dar um golpe de estado, afastar ministros do STF e colocar o país sob intervenção militar. Segundo a publicação, um dos documentos é intitulado “Forças Armadas como poder moderador”.
Nele, é apresentado um plano baseado na tese controversa — e infundada, para especialistas — de que militares poderiam ser convocados para arbitrar conflitos entre os Poderes. O texto, que ensina uma espécie de “passo a passo” do golpe, não é o mesmo da minuta encontrada com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Segundo o plano armazenado no celular de Cid, Bolsonaro deveria encaminhar as supostas inconstitucionalidades praticadas pelo Judiciário aos comandantes das Forças Armadas. Os militares, então, poderiam nomear um interventor investido de poderes absolutos.
Esse interventor, na sequência, deveria fixar um prazo para o “restabelecimento da ordem constitucional”. Assim, poderia suspender decisões que considerasse inconstitucionais, como a diplomação de Lula.
Além disso, tal figura teria o poder de afastar preventivamente ministros do STF como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que na época também integravam o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No lugar, seriam convocados os substitutos, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Dias Toffoli — os dois primeiros nomeados pelo próprio Bolsonaro.