Esquerda adere a reclamação de bolsonaristas sobre PGR
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
Parlamentares de diferentes orientações ideológicas e juristas criticaram nessa quinta-feira (20) o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicite junto às redes sociais a identificação de usuários seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para eles, há desrespeito à privacidade e afronta a direitos fundamentais. A solicitação, assinada pelo subprocurador-geral Carlos Frederico Santos, foi feita sob a alegação de analisar o alcance de uma postagem do ex-presidente, no âmbito da investigação sobre a responsabilidade de Bolsonaro nas invasões golpistas aos prédios dos três Poderes, em 8 de janeiro. “Não conheço a petição, mas eu considero ser importante preservar a privacidade das pessoas. Alguém seguir outra pessoa em uma rede social é normal. Eu não vejo lógica em vigilantismo. Não me parece que cabe na agenda de Brasil”, disse ao Valor o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei das “fake news”. “Não me parece lógico que você procure informações de terceiros, que nada têm a ver com atos praticados por atores eventualmente de crime. Minha preocupação é onde nós vamos parar.” O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) estendeu a crítica ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que nos últimos meses tem se movimentado para ser reconduzido ao cargo. “Precisamos observar a conduta do Judiciário com relação a essa medida.” Interlocutores do Ministério Público Federal argumentam que, por ser assinada por outro profissional, Aras não pode ser responsabilizado. Também houve reação no meio jurídico. Ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello chamou o pedido da PGR de “incompreensível”, referindo-se a ele como “uma verdadeira devassa”. “Fiquei pasmo. Todo cidadão tem o direito de interagir com o ex-presidente. E não só com ele, com qualquer pessoa. Quando se parte para a quebra de privacidade generalizada, está se vivenciado um momento extravagante”, disse. Ministro da Suprema Corte de 1990 até julho de 2021, quando se aposentou, Marco Aurélio ressaltou que, ainda no tribunal, elogiou o trabalho de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República, considerando-o “equilibrado”. Mas, agora, diz que o pedido enviado ao STF é “impensável até mesmo para racionalizar os dados”, já que o ex-presidente tem cerca de 50 milhões de seguidores nas redes sociais. “A regra, sempre, tem que ser a de preservar a liberdade. Qualquer tentativa de inibi-la não se coaduna com o Estado Democrático de Direito”, afirmou o ex-ministro, que na eleição do ano passado declarou voto em Jair Bolsonaro. O advogado Pedro Estevam Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, ponderou que não viu os fundamentos do pedido formulado pela PGR, mas ressaltou que é legítimo investigar o golpismo de parte dos apoiadores do ex-presidente, sobretudo quando esse tipo de crime é uma ameaça à democracia. A complexidade, conta, está na extensão e no tom genérico do pedido. “Se tiver sentido para a investigação, tudo bem. Mas se é só para se ter a informação, não me parece constitucional. Não se pode correr o risco de ter um arquivo político de parcela da cidadania”, disse. Segundo a advogada constitucionalista Vera Chemim, o pedido afronta direitos fundamentais, cláusulas pétreas previstas no artigo 5º da Constituição, ao restringir o direito à privacidade e dignidade humana. “Ele está praticamente pedindo uma lista de todos que são a favor da direita. Por serem apenas seguidores do ex-presidente poderiam ser expostos, o que é uma ameaça ao Estado Democrático de Direito”, afirma. Vera diz que, a despeito de toda a violência que ocorreu nos atos golpistas, que devem ter uma investigação séria e imparcial e responsabilizar quem os cometeu, o pedido pode ser interpretado como abuso de poder no exercício do cargo. Por meio de nota, a PGR informou na terça-feira que “essas pessoas não estão sendo investigadas nem terão seus dados expostos. O objetivo do pedido é obter informações que permitam avaliar o conteúdo e a dimensão alcançada pelas publicações do ex-presidente em relação aos fatos ocorridos em 8 de janeiro nas redes sociais”.