STF deve derrubar Marco Temporal de terras indígenas
Foto: Evaristo Sá/AFP
Sairá do caldeirão do ministério dos Povos Indígenas a sugestão para que o governo recorra ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso o Senado aprove o projeto de lei 2904/07 que não reconhece as demarcações de terras indígenas feitas após a data da promulgação da Constituição, no dia 5 de outubro de 1988. O tema, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados no primeiro semestre (PL 490/07), já está no STF e a presidente da Casa, Rosa Weber, e outros ministros não escondem a simpatia por manter a demarcação do jeito que é atualmente. “Estamos apostando que o Supremo, como já disse o ministro Alexandre Moraes ‘enterre’ o marco temporal, caso o Senado aprove esse projeto”, disse à coluna a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
A tese do marco temporal que está entre as prioridades dos trabalhos no Senado, que começa hoje as atividades do segundo semestre, é defendida principalmente por ruralistas e determina que somente os indígenas que já estavam nas terras demarcadas até 1988 teriam direito a elas. Os demais poderiam ser expulsos dos locais e não teriam direito a voltar. O texto, definido por muitos como draconiano, significará uma perda irreparável nas conquistas dos povos originários e já é mal visto pela comunidade internacional.
E não só porque tira direitos adquiridos por esses brasileiros. Mas por que o substitutivo aprovado na Câmara prevê ainda permissão para o plantio e cultivo de sementes transgênicas nas terras indígenas que não se adequarem à Lei. Permite que, bases unidades, postos militares e demais intervenções – expansão de rodovias e exploração de energia elétrica, por exemplo – sejam instaladas nos territórios sem prévia consulta à Fundação Nacional do Índio (Funai) ou aos próprios moradores. “Até houve uma pequena melhoria no texto que está no Senado. Mas ainda assim, é muito ruim”, pondera a ministra.
A página da Funai explica o conceito dessas terras que, conforme a Constituição, são territórios demarcados e protegidos para a posse permanente e o usufruto exclusivo dos povos indígenas. Reconhecidas como patrimônio da União, são destinadas à preservação da cultura, recursos naturais, tradições e formas de organização social dessas comunidades, garantindo a a autonomia, a autodeterminação e proteção dos povos que nelas vivem.
A ministra quer não apenas preservar esse direito de posse permanente e usufruto dos povos indígenas, mesmo para quem teve suas terras demarcadas após 1988. Mas quer também aumentar a desintrusão que começou nas terras dos Yanomami – ela vai continuar e será ampliada para outras 32 áreas como Trincheira Bacaxá e Munduruku, ambas no Pará. Um trabalho, como ela mesma reconhece, de extrema dificuldade, mas imprescindível. A contaminação dos rios da região com o mercúrio usado pelos garimpeiros está matando peixes e animais, fazendo com que os indígenas tenham que fazer deslocamentos cada vez maiores em busca de alimentos.
Segundo a ministra não haverá uma solução única para todas as áreas. Atualmente, segundo dados da Funai, existem 761 terras indígenas no país. Elas representam aproximadamente 13,75% do território brasileiro e estão localizadas em todos os biomas, principalmente na Amazônia Legal. Desse total de terras indígenas, 137 estão em estudo; 44 foram delimitadas; 73 estão declaradas; 8 homologadas e 475 regularizadas.
Há menos de 10 dias, as ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia estiveram com Sonia Guajajara em São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil para o lançamento da primeira Constituição Federal traduzida em Nheengatu – uma das quatro línguas indígenas co-oficiais faladas na cidade. Emocionada, Weber definiu o momento como histórico e afirmou: “Levamos 523 anos para chegar até aqui. É um passo importante de reconhecimento dos direitos indígenas neste país que possui 274 línguas indígenas vivas”. Elas também visitaram a área Maturacá, do povo Yanomami.
Com a decisão da presidente do STF, Rosa Weber, de pautar para este semestre, além do marco temporal, a liberação do porte de drogas para uso pessoal, as regras para demarcação de terras, a descriminalização do aborto e violações de direitos humanos nas prisões, o STF pode virar uma pedra no sapato do Executivo. Enquanto o Executivo e parte do Congresso querem dar velocidade à reforma tributária, ao arcabouço fiscal e ao voto do Carf, o STF do outro lado da rua vai embarcar na chamada pauta identitária. Os Poderes são independentes, mas os assuntos não. E a simples discussão no STF de temas como aborto e drogas pode facilmente desestabilizar o clima de paz que o Planalto pretende manter com sua base, sobretudo com a ala mais conservadora.
Os temas estão em estágios diferentes de tramitação. O processo sobre as drogas e o marco temporal já começaram a ser analisados. Sobre o processo da prisões, só foi julgada uma liminar em 2015, agora será a vez de examinar o mérito da ação. Já o processo sobre o aborto, cuja autora é a própria ministra Rosa Weber, ainda não começou a ser apreciado, mas só de falar nele se instaura uma crise com as bancadas evangélicas que tentam uma aproximação com o governo, mas sempre ressalvam que qualquer conversa dependerá do fim da discussão dos projetos do aborto e das drogas.
Em uma nota divulgada no início da noite desta segunda-feira, 31, o Instituto Sou da Paz, ao lamentar a morte do soldado PM Patrick Bastos Reis, ocorrida no último dia 27 durante patrulhamento de rotina no Guarujá (SP), manifesta “profunda preocupação com a quantidade de ações policiais que resultaram em mortes no curso da Operação Escudo, determinada pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo após o homicídio do soldado Reis”. Até o momento, foram registradas 8 mortes e 10 prisões, ainda que a Ouvidoria da Polícia mencione mais duas vítimas fatais.
O Instituto aponta que o programa do uso das câmeras corporais tem sido descontinuado pelo Governo do Estado de São Paulo. “Essa atitude, aliada aos poucos compromissos públicos sobre a importância do controle do uso da força, também ajuda a explicar o crescimento de 28% nas mortes cometidas por policiais em serviço no estado de São Paulo no primeiro semestre de 2023 (dados da SSP)”. O governador Tarcísio de Freitas, em entrevista ontem, negou que tenha havido abuso de violência na operação.