Lula é o presidente que nomeou mais mulheres
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Aos 46 anos, o advogado Marco Aurélio Carvalho se autedenomina “militante”. Filiado há três décadas ao Partido dos Trabalhadores, o coordenador do grupo Prerrogativas é figura conhecida no entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Observador atento da intensa disputa que está em curso em Brasília para os altos cargos do Judiciário, Carvalho diz não ter a “pretensão” de ser ouvido pelo presidente Lula. Mas contesta a crescente mobilização em favor de uma mulher para a vaga da ministra Rosa Weber no Supremo Tribunal Federal (STF). “O recorte de raça, de gênero, não é adequado dentro do nosso atual sistema para ele escolher o próximo ministro do Supremo. Ele tem que ter liberdade ampla, geral e irrestrita”, defende Carvalho. Segundo ele, o presidente Lula já tornou público o compromisso de contribuir para a igualdade de gênero no Judiciário. Como integrante do Prerrogativas, grupo que ganhou notoriedade nas críticas à Operação Lava-Jato, Carvalho afirma haver outros critérios a considerar. “Ele (Lula) deve nomear alguém que honre a toga, que tenha espírito público, que não se deixe vergar a eventuais opiniões de quaisquer setores da sociedade”, sustenta. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida a Ana Dubeux, Denise Rothenburg e Carlos Alexandre de Souza.
O presidente Lula escolher um homem para o lugar de uma mulher no STF não é um retrocesso na pauta feminina?
Eu acredito que não seja. Defendo que o presidente nomeie com ampla, geral e restrita liberdade, o próximo ministro do Supremo, sem recortes de gênero ou raça. Ele já é o presidente que mais nomeou mulheres e negros na história do nosso sistema de Justiça. Já é recordista nesse recorte e seguramente quebrará ao longo dos próximos anos o próprio recorde. Qualquer eventual nomeação que não seja de mulher não vai comprometer o compromisso que ele tem com o sistema de Justiça mais inclusivo, mais diverso, mais democrático, mais representativo da sociedade que a gente tem e ainda mais representativo da sociedade pela qual a gente está lutando — uma sociedade verdadeiramente antirracista, antimachista. Não há qualquer comprometimento. Essa é uma pauta que ele assumiu desde sempre.
Mas não fica uma imagem ruim perante a causa feminina?
Poderia ficar, mas eu creio que as pessoas serão generosas com o presidente Lula, como ele costuma ser com todo mundo. Vão olhar os números e perceber que o Lula teve a oportunidade e a honra de nomear, pela primeira vez, uma mulher negra para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Vão perceber que ele nomeou para a Procuradoria Geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), pela primeira vez, uma mulher. Vão perceber que, das seis atuais ministras do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ele nomeou quatro, junto com a presidenta Dilma. Vão perceber que das atuais duas ministras do Supremo Tribunal Federal, ele e a presidenta Dilma nomearam as duas. Vão perceber que, entre as 11 desembargadoras federais do TRF da 3ª Região, ele nomeou sete. E entre as 11 ou dez da 1ª Região, ele nomeou seis. Portanto, vão perceber que ele tem um compromisso de vida com essa pauta. Ele tem realmente um desejo sincero de ter um sistema de Justiça que seja representativo dessa sociedade pela qual todos nós estamos lutando. Então, acho que a pressão tem que recair sobre os ombros de quem não tem esse compromisso. Ele tem esse compromisso. O recorte de raça, de gênero, não é adequado dentro do nosso atual sistema para ele escolher o próximo ministro do Supremo. Ele tem que ter liberdade ampla, geral e irrestrita.
Dez homens e uma única mulher no STF não constrange? Não deixará o presidente na defensiva em relação à causa das mulheres?
Não haverá constrangimento porque os outros números são muito positivos e ele vai ter oportunidade, no decorrer desses próximos anos, ainda neste primeiro mandato, de fazer novas nomeações. A lista atual do STJ onde figura uma colega — a única mulher entre seis nomes — para a vaga da advocacia, vai ser oportunidade. Da mesma forma, tem várias mulheres se apresentando para os tribunais regionais federais e de diversas regiões do país. Várias mulheres já estão nomeadas para os TREs. Ele nomeou já para dois estados, uma excelente advogada, Dani Galvão, para o TRE de São Paulo; e uma outra advogada muitíssimo preparada, Tatiana Vasconcelos, para o TRE do Rio. Então, ele tem feito nomeações de mulheres constantemente. Esse recorte só não é mais significativo porque, às vezes, as mulheres não constam dessas listas.
Mas desigualdade de gênero ainda é patente no Judiciário, especialmente na cúpula.
Esse problema pode ser corrigido na base, na formação dessas listas e no ingresso nas carreiras. Temos que discutir, enfim, como ter um sistema de justiça mais representativo dessa maioria que as mulheres, de um modo geral, já formam na nossa sociedade e também nas carreiras jurídicas. Por que não discutir eventualmente cotas ou paridade na formação das listas e no ingresso, enfim, das atividades jurídicas por concurso público? Talvez a forma mais efetiva e mais profunda de promover a mudança seja isso.
Aí é uma mudança estrutural. Estamos falando de uma vaga no Supremo.
O presidente, se eventualmente tiver um segundo mandato, o desejo nosso é de que ele se candidate, ele vai ter a oportunidade, frente à aposentadoria de outros ministros, de indicar outras mulheres. Se ele encontrar, com todos os requisitos constitucionais e com esse fator complementar de confiança, uma mulher para nomear, vai ser muito bem-vinda a nomeação. Não estamos defendendo que ele não nomeie. Estamos defendendo que ele não seja pressionado a nomear, que ele tenha ampla geral e restrita liberdade para nomear quem quer que seja.
Para o Prerrogativas, o que significa uma segunda vaga no STF nomeada por Lula?
Acabamos de viver no país um processo perverso de ativismo judicial, que é uma moeda com duas faces — de um lado, a judicialização da política; de outro, a politização do Judiciário — e nós precisamos de alguém que tenha espírito público, que tenha coragem. (Alguém), enfim, para poder ser contramajoritário e poder dizer o direito de acordo com as suas convicções, com a prova dos autos, e sem ficar preocupado com pressão midiática, da opinião pública ou de quem quer que seja, né? Esse tem que ser o critério pra nomeação.
Como reduzir a desigualdade de gênero? Cotas?
Com paridade, por exemplo, na formação das listas. Veja a lista dos tribunais estaduais. Tem 57 desembargadores para duas vagas, e, salvo melhor juízo, três ou quatro mulheres. O ideal é que nós tivéssemos, entre 60 possíveis nomes, 30 de homens e 30 mulheres. Se são duas vagas, o ideal é que a gente tivesse, digamos, a obrigação de escolher um homem e uma mulher, mas, infelizmente, isso não existe. O presidente acaba às vezes recebendo listas e acabam reforçando essas distorções desse sistema de Justiça que ele tem combatido.
Mas há mulheres cotadas para o Supremo, não?
É sempre perigoso citar nomes, mas eu diria que estão no radar do campo progressista, com esse recorte de gênero, os seguintes nomes: ministra Regina Helena, do STJ, professora com sólida carreira jurídica reconhecida por seus pares, uma jurista; Simone Schreiber, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, uma mulher reconhecidamente garantista; as advogadas criminalistas Dora Cavalcante, Flávia Rahal, que aliam sólido conhecimento jurídico com sensibilidade social; e outras mulheres, mulheres negras, como a Vera Araújo, grande jurista que figurou nas últimas listas do TSE, uma humanista, ligada à Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e também ao nosso grupo, o Prerrogativas; Manuelita Hermès, procuradora do estado da Bahia, figura muito reconhecida academicamente e que tem uma luta igualmente reconhecida na área dos direitos humanos; e Mônica Melo, vice-reitora da PUC-SP, defensora pública, também tem uma carreira sólida.
E entre os homens?
Se eventualmente a escolha recair sobre homens, temos ouvido diversos nomes. Tem o ministro do STJ Luiz Salomão, seria evidentemente um excelente nome, no STJ mesmo tem outros nomes; tem ainda o nome do ministro Jorge Messias (AGU); o nome do Bruno Dantas, presidente do TCU. Qualquer uma dessas escolhas seria acertada.
Qual a diferença entre o Lula que escolhia os ministros no primeiro mandato e este, de agora, depois de tudo que passou?
Primeiro fazer um registro. Humildemente, eu não tenho a pretensão de ser ouvido pelo presidente, porque seguramente ele tem excelentes pessoas com as quais ele conversa para coletar as suas opiniões a respeito disso. Mas creio que o presidente Lula está desenvolvendo um processo mais amplo de escuta. Ele montou uma comissão, integrada pelos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil), Jorge Messias (AGU) e Flávio Dino (Justiça). Além disso, tem ouvido outros interlocutores com os quais ele tem uma relação de confiança. A forma como ele constrói as suas próprias condições é muito singular. Ele ouve e escuta as pessoas. E nesse mandato, em especial, esse processo de escuta está mais amplo. Então, a diferença eu acho que é essa.
Sigmaringa Seixas, com quem o senhor trabalhou, nunca quis um cargo no Judiciário nem no Executivo. E o senhor?
Eu sou militante, me filiei ao Partido dos Trabalhadores com 16 anos. São 30 anos de filiação. Acho, nesse momento, que eu posso colaborar mais militando pela sociedade civil. Eu integro o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável e acredito que a minha colaboração eu consiga dar pelo conselho de desenvolvimento social e sustentável, e pelo grupo Prerrogativas. É claro que seriam uma honra compor esse governo, mas eu acredito que a minha colaboração é mais política. Se fosse eventualmente ir para uma atividade jurídica, não me pareceria conveniente. Tenho o meu escritório, minha vida na iniciativa privada. No caso do Sig, ele tinha todas as condições de ir para qualquer lugar, inclusive pro Supremo Tribunal Federal, mas tinha desprendimento, generosidade e nunca se colocou. No meu caso eu tenho responsabilidade. Eu sei que tem nomes muito melhores, inclusive nomes que eu mesmo apoio. Então, é um pouco diferente.