Bolsonaro ganhou dois delatores no mesmo dia

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Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Cada vez mais pressionado pelas investigações sobre a venda de presentes oficiais e as apurações feitas pela CPMI do 8 de Janeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo nessa quinta-feira (17) de uma série de acusações do hacker Walter Delgatti. Em depoimento de cerca de sete horas na CPMI, o chamado “hacker da Vaza-Jato” relatou que Bolsonaro pediu para que ele forjasse a invasão de urnas eletrônicas, com o objetivo de lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral.

O plano teria sido discutido em reuniões no Ministério da Defesa, por ordem do ex-mandatário, segundo o depoimento. O hacker afirmou ainda que o ex-presidente solicitou que ele assumisse, com a promessa de um indulto futuro, a autoria de um suposto grampo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em outra frente, segundo revelou a revista “Veja”, o novo advogado do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, disse que o seu cliente pretende confessar à Justiça que participou da venda nos Estados Unidos das joias dadas ao Estado brasileiro, providenciou a transferência para o Brasil do dinheiro arrecadado e o entregou a Jair Bolsonaro. Segundo o advogado Cezar Bitencourt, os recursos teriam sido entregues em espécie para não deixar rastros ao ex-presidente, por ordem do próprio Bolsonaro, que seria o mandante do esquema. As informações foram dadas primeiramente à “Veja” e confirmadas por ele, em seguida, a “O Globo”

Ainda de acordo com a reportagem, partiu de Cid a solução de usar uma conta bancária nos EUA em nome do pai dele, o general Mauro Lourena Cid, para receber os pagamentos pelas joias vendidas. Com a confissão, a estratégia da defesa seria mitigar a potencial pena de Cid. Na GloboNews, a jornalista Eliane Cantanhêde informou que Moraes autorizara a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Já na CPMI, Delgatti não apresentou provas de suas afirmações, mas ressaltou que estaria “bastante tranquilo” para ficar frente a frente com o ex-presidente numa sessão de acareação que será solicitada por governistas. Em depoimento detalhado, considerado “fantasioso” por Bolsonaro, listou nomes de possíveis testemunhas dos encontros. O hacker, que está preso, prestará novo depoimento à Polícia Federal hoje.

Diante das informações, os governistas da comissão correm para aprovar a quebra do sigilo telemático e fiscal de Bolsonaro e da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro. Também está nos planos o envio do depoimento para a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que analise e remeta ao Poder Judiciário tratativas para uma possível delação premiada.

As declarações de Delgatti foram vistas nos bastidores com preocupação pelo entorno do ex-presidente. Governistas acreditam que as revelações vão contribuir para reforçar a necessidade de prisão de Bolsonaro.

Logo no início do depoimento, Delgatti afirmou que a campanha do ex-presidente arquitetou um plano para que o hacker fizesse uma urna eletrônica funcionar com um código-fonte falso com o objetivo de provar que era possível fraudar votos. Segundo Delgatti, a intenção era publicar um vídeo durante as celebrações do 7 de Setembro, a menos de um mês das eleições presidenciais.

Ele disse que chegou a participar de uma reunião no PL, no dia 9 de agosto do ano passado, com o presidente do partido Valdemar Costa Neto, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) e o marqueteiro da campanha, Duda Lima, para acertar os detalhes. O plano não foi posto em prática, segundo o hacker, porque o encontro dele com o ex-presidente teria vazado à imprensa.

A ideia era pegar uma urna emprestada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que o hacker colocasse um aplicativo e “mostrasse à população que é possível apertar um voto e sair outro”. A OAB afirmou, em nota, que a entidade não possui urnas eletrônicas e esclareceu que não realizou eleições no ano passado e, portanto, não teve acesso aos equipamentos, que costumam ser cedidas pelos tribunais para o pleito interno da Ordem.

Um desses encontros teria sido com o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. Segundo o hacker, o relatório das Forças Armadas com questionamentos à lisura das urnas eletrônicas encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi feito com base em suas informações.

O hacker afirmou que teve um segundo contato com Bolsonaro. Segundo ele, foi por telefone e intermediado por Zambelli. Bolsonaro teria pedido que ele assumisse a autoria de grampo contra Alexandre de Moraes. “Segundo ele [Bolsonaro], esse grampo foi realizado já, teria conversas comprometedoras do ministro e ele precisava que eu assumisse a autoria”.

Delgatti afirmou que aceitou a missão por ser um pedido do presidente, mas que depois não soube se de fato existia a gravação da conversa. O grampo, segundo o relato, teria sido feito por agentes internacionais. Logo em seguida, o hacker declarou que Bolsonaro teria garantido que daria um indulto em caso de condenação da Justiça por praticar o crime. “Ele ainda disse assim: ‘Olha, se caso alguém te prender, eu mando prender o juiz’”, afirmou Delgatti. Na sequência, afirmou que o ex-presidente deu uma risada após a promessa.

No depoimento, o único parlamentar de direita a quem Delgatti respondeu foi o senador Sergio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava-Jato. O parlamentar usou o tempo para dizer que o hacker era um estelionatário. Neste momento, Moro foi confrontado. “Eu li as conversa de vossa excelência e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz”, rebateu Delgatti. Moro retrucou e disse que o bandido era Delgatti.

A oposição tentou desqualificar o depoente. Delgatti foi chamado de “covarde”, “estelionatário”, “mentiroso” e “criminoso”. Preso no início do mês em operação da Polícia Federal por invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o hacker repetiu o que havia dito um dia antes à PF. Ele afirmou que a deputada Carla Zambelli teria pedido que invadisse qualquer sistema do Poder Judiciário, por R$ 40 mil.

A defesa de Bolsonaro disse que as declarações de Delgatti eram mentirosas. A defesa de Zambelli as chamou de “fantasias”. O marqueteiro Duda Lima negou ter participado de reunião. O Valor não conseguiu resposta do ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira.

Valor Econômico