Esquerda e direita incendeiam conselho de ética da Câmara
Foto: Myke Sena/Agência Câmara
As rusgas, os xingamentos e os bate-bocas entre a esquerda e os bolsonaristas, ruído ampliado após a derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro, no ano passado, foram desembocar no Conselho de Ética da Câmara. Nunca um início de legislatura movimentou tanto o colegiado, que já acumula 22 ações por quebra de decoro — fora algumas representações que estão paradas na Mesa da Câmara.
Nas acusações de um lado contra outro, há uma diversidade de ataques. Disparo de palavrões e ofensas é a tônica. Mas há registros de algumas tentativas de agressão física, caso em que um dos filhos do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), partiu para cima do petista Marcon (RS). Até pisão no pé do outro, no Plenário da Câmara, virou processo no conselho, que mais lembra uma delegacia de pequenas causas.
Qualquer desavença de um dos lados acaba em denúncia por quebra de decoro. No passado, o Conselho de Ética julgou acusações bem mais graves, como casos de corrupção e até parlamentares denunciados e condenados por homicídio.
Esse acirramento dos ânimos de agora transformou as reuniões do conselho num espaço de turbulência, com discussões e troca de insultos, algo que nunca foi frequente. Os bolsonaristas têm levado uma claque de sua bancada para acompanhar os casos que envolvem julgamentos dos seus, e transformam o ambiente numa comissão normal da Câmara, onde é comum a troca de afrontas.
Há duas semanas, o conselho livrou o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) da denúncia de transfobia, apesar dos ataques que o parlamentar fez às mulheres trans, num discurso no plenário, usando uma peruca amarela e no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. Um grupo de pelo menos 20 deputados do PL compareceu e pressionou pela absolvição.
O relator do caso de Nikolas foi o deputado Alexandre Leite (União-SP), que, primeiro, deu um parecer para que o caso fosse adiante, mas, depois, diante da tropa bolsonarista, recuou e mudou sua posição, entendendo que a acusação não devia seguir. O caso foi arquivado por 12 x 5. Enquanto se aguardava o resultado, se ouvia piadinhas dos bolsonaristas. “Tem um rivotril aí para mim”, provocou um deles.
O deputado Chico Alencar (PSol-RJ), um dos poucos que votou contra Nikolas, afirmou que essa decisão “autoriza qualquer parlamentar a subir à tribuna da Câmara fantasiado de diabo, oficial nazista, de qualquer indumentária para criticar adversários políticos”. Segundo o parlamentar fluminense, diante de um placar tão discrepante, parecia haver um “acordão subjacente, oculto, para mandar tudo para o arquivo, zerar tudo”.
Alencar não errou. Um deputado do próprio PT, Washington Quaquá (RJ), propôs abertamente esse “acordão”. “Acho que o conselho deve negar todas as admissibilidades das representações como um ato pedagógico. Não devemos admitir todas as ações que estão no conselho”, disse o petista, que votou a favor de Nikolas e foi elogiado por ninguém menos que pela bolsonarista Julia Zanatta (PL-SC). “Nada como ganhar com o voto do Quaquá. Voto de coragem”, disse ela.
Carla Zambelli (PL-SP) também foi salva no conselho por causa do recuo do relator, João Leão (PP-BA). Acusada de xingar o colega Duarte Junior (PSB-MA), a deputada teve também o caso arquivado. Ainda que as notas taquigráficas e as imagens de um video mostrem a ofensa, Leão, que primeiro estava certo da culpa da bolsonarista, entendeu depois, após pressão, que não estava tão convicto assim.
“Se desse para ouvir bem no vídeo o que dizem que a senhora disse, não estaria com esse parecer. Conversei com a senhora lá fora também. E, pelo que tenho visto, vai chegar acusação mais grave aqui que a envolve”, justificou Leão.
Em abril, Eduardo Bolsonaro partiu para cima do deputado Marcon (PT-RS), durante uma reunião na Comissão de Trabalho. O filho 03 quis agredir o petista, que afirmou ser a facada tomada por Bolsonaro, em 2018, uma “encenação”. O filho do ex-presidente xingou Marcon de “filho da p.” e “veado”.
Eduardo afirmou que não teria nada a responder ao conselho pelo ato. As frases ofensivas do filho 03 até foram publicadas nas notas taquigráficas do colegiado, mas depois foram apagadas. Só que há o vídeo da sessão, onde se pode ver a cena.
No Conselho de Ética, a maior ofensiva da oposição contra a esquerda se deu numa representação do PL, assinada pelo presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, contra seis deputadas do PSol e do PT. O partido acusa as parlamentares de quebra de decoro durante a votação do marco temporal das terras indígenas, no final de maio, por elas terem gritado ao microfone “assassinos, assassinos do nosso povo indígena”. Foi preciso o partido de Jair Bolsonaro desmembrar a denúncia e apresentar individualmente a acusação contra cada uma. O regimento impede representação coletiva, como foi inicialmente protocolada.
As deputadas reagiram no conselho com cartazes contendo palavras de ordem “Não vão nos calar”, “Não vão nos intimidar” e “Basta de machismo”. Os casos ainda tramitam no colegiado.
Foram alvos do PL as deputadas do PSol Célia Xakriabá (MG), Sâmia Bomfim (SP), Talíria Petrone (RJ) e Fernanda Melchionna (RS). E também as petistas Erika Kokay (DF) e Juliana Cardoso (SP).
Os 22 casos em andamento no conselho envolvem nove deputados da esquerda e nove da direita. Alguns estão citados em mais de um caso.
Se o Conselho de Ética da Câmara funciona com toda essa fervura, o mesmo não se pode dizer do congênere do Senado — onde, em quatro anos, se realizou apenas uma sessão até o ano passado. Em 2023, foram apenas duas reuniões. A primeira, em março, foi da recondução do presidente, Jayme Campos (União-MT).
O segundo e último encontro se deu em 14 de junho. Foi a primeira deliberação do conselho do Senado em quase seis anos — analisou 13 pedidos, o mais antigo de 2019. Foram admitidas aberturas de processo contra cinco senadores: Cid Gomes (PDT-CE), Jorge Kajuru (PSB-GO), Chico Rodrigues (PSB-RR), Styvenson Valentim (Podemos-RN) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
O rumoroso caso de Chico Rodrigues não foi julgado até hoje. Em outubro de 2020, uma operação da Polícia Federal (PF) que investigou desvio de recursos públicos de uma secretaria do Estado de Roraima, o flagrou com dinheiro escondido em partes íntimas. Depois dessa reunião, o conselho parou.