Michelle repetiu crime ontem e STF vai reagir
Foto: Brenno Carvalho/O Globo
As comemorações do feriado da independência em Brasília e em vários locais do país demarcaram um retorno à normalidade após os anos de tensão política e institucional no governo Jair Bolsonaro.
O evento de Brasília, que associou o simbolismo da independência do Brasil ao da soberania nacional, reuniu cerca de 50 mil pessoas, segundo a Polícia Federal e o Exército – mais do que os 30 mil estimados pelo governo. Também reuniu pela primeira vez em dois anos os chefes dos Três Poderes para os desfiles.
Mas na bolha das redes sociais, seus apoiadores e aliados no Congresso pintaram um retrato bem diferente desse primeiro 7 de setembro do governo Lula.
Insuflados pelo ex-presidente, que compartilhou em seus perfis imagens da multidão de apoiadores no feriado de 2022, a militância recebeu a “senha” para explorar um suposto “fracasso” do desfile na capital federal – o que já havia sido tentado na posse de Lula – e a “desmoralização” das Forças Armadas.
Como publicamos no blog nesta semana, bolsonaristas vinham defendendo nas redes um boicote à primeira celebração do 7 de setembro no governo Lula. Termos como “fique em casa” e “luto” foram usados para incentivar o repúdio ao petista e às próprias Forças Armadas, vistas nos círculos mais radicais como “subservientes” ao “comunismo”.
Nos grupos do Telegram e do WhatsApp, seguidores de Bolsonaro comemoravam a “humilhação total” de Lula e a “resposta histórica” da sociedade através de um “desfile sem povo” que também serviria como recado às “prostitutas armadas”. Outros falavam no feriado “mais sombrio da história do Brasil”.
A tentativa de emplacar a narrativa de um 7 de setembro vazio que desmoralizaria Lula ocorre em meio ao cerco da Justiça a Bolsonaro e aliados no caso das joias sauditas e das investigações sobre os ataques de 8 de janeiro. Enquanto muitos exaltavam Bolsonaro nas redes, a jornalista Andréia Sadi revelou no seu blog no G1 que o tenente-coronel Mauro Cid firmou uma delação premiada com a Polícia Federal (PF), que será avaliada pelo Supremo.
O discurso bolsonarista também foi disseminado nas redes por parlamentares.
O filho mais velho do ex-presidente, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), disseminou imagens aéreas comparando os desfiles do governo de seu pai e o de Lula. “Em 2023 faltou o principal: você, o povo”, escreveu na sua lista no Telegram, com mais de 120 mil inscritos.
Já o irmão e deputado federal Eduardo (PL-SP) compartilhou no X, antigo Twitter, um vídeo gravado por um homem não identificado diante do desfile militar no Centro do Rio esbravejando que os militares “se venderam” a Lula e que o povo estaria com “vergonha” de sair às ruas para prestigiar as Forças Armadas.
A ex-primeira-dama Michelle compartilhou uma série de publicações nos stories do Instagram que sugerem acusações infundadas de fraude eleitoral. Na primeira, um vídeo mostra Bolsonaro aparece no desfile do 7 de setembro cercado de militantes sob a legenda “eleição não se ganha, se toma”.
Na sequência, aparece um vídeo de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin nesta quinta. “[Lula] Não consegue esconder a insatisfação por um 7 de setembro esvaziado. Onde está o povo? Onde estão os 60 milhões de votos?”, indaga o post.
Um dos aliados mais estridentes de Bolsonaro no parlamento, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) chamou Lula de “povofóbico” e fez um post no X chamando a data da independência de “171 de setembro” que foi compartilhado mais de 500 vezes.
Já Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), 2º vice-presidente da Câmara dos Deputados e braço-direito do pastor Silas Malafaia, ironizou o eleitorado que elegeu Lula presidente. “Será que a ‘outra metade’ do Brasil não é PATRIOTA? Onde eles estavam hoje?”, escreveu o deputado no X.
Apesar do afastamento do clã Bolsonaro e da ameaça de cassação na Câmara, Carla Zambelli (PL-SP) também publicou imagens comparando o público em Brasília em anos anteriores com o desfile de Lula. “Diferença gritante entre dois presidentes e um povo. No governo Bolsonaro, patriotas enchiam as ruas de todo o país. Já no governo Lula, meia dúzia de gatos pingados com camisa vermelha”, esbravejou.
Até aliados de Bolsonaro cujos partidos acabam de assumir dois ministérios no governo Lula – os senadores e ex-ministros Damares Alves (Republicanos-DF) e Ciro Nogueira (PP-PI) também fizeram manifestações criticando o 7 de setembro do PT.
Apoiadores de Bolsonaro e apontados como presidenciáveis em 2026, os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Ratinho Júnior (PSD-PR) seguiram na direção contrária e exaltaram a comemoração cívica do 7 de setembro – mas sem citar Lula.
Outros dois governadores alinhados ao ex-presidente fizeram apenas publicações discretas: Romeu Zema (Novo-MG), que também flerta com o espólio do bolsonarismo na próxima eleição, e Jorginho Mello (PL-SC).
A narrativa bolsonarista, é claro, não fica de pé.
Em 2021 e 2022, a multidão de apoiadores que viajou a Brasília – em caravanas muitas vezes gratuitas ou subsidiadas com financiamento de setores do agronegócio – não tinha a ver com a memória da independência do Brasil de Portugal.
Nos últimos dois anos, o que atraiu a militância para a capital federal foram manifestações políticas alheias ao tema, com convocações de tom golpista e eleitoreiro. A atipicidade do fenômeno se reflete, por exemplo, na ocupação hoteleira de Brasília neste ano.
Como mostramos na última quarta-feira, a reserva de hotéis na cidade caiu substancialmente em relação aos últimos dois anos, quando as próprias redes da capital foram pegas de surpresa pela movimentação.
O quórum dos desfiles de 7 de setembro nunca foi um termômetro de popularidade do governo de plantão. Bolsonaro, por exemplo, reuniu multidões nesta data nos dois anos finais de seu mandato e não se reelegeu.
Mas, com o ex-presidente acuado por inquéritos e investigações e com uma delação a caminho, não restou outra alternativa ao bolsonarismo a não ser tentar manter a politização do 7 de setembro.