Partidos decadentes sofrem brigas internas
Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini/Fatima Meira/Futura Press
A selva partidária brasileira reúne nada menos que 30 legendas, onze delas criadas nas últimas duas décadas. A proliferação de agremiações, a despeito de não haver um leque tão amplo assim de diversidade ideológica, se explica pelos vários benefícios que o controle de um partido pode trazer aos políticos. O primeiro, claro, é muito dinheiro. Só em 2022 essa engrenagem movimentou 6 bilhões de reais em fundos públicos, um recorde histórico, que certamente será superado na eleição do ano que vem. Outra motivação é angariar poder para negociar apoios no sempre intrincado jogo de alianças que se desenrola nas eleições (que no Brasil ocorrem a cada dois anos) e que abre a possibilidade de renovar ou ampliar influências. E, por fim, permite pressionar ou ajudar quem está no poder, levando a sigla ora para o governo, ora para a oposição, a depender do que for negociado. É nesse contexto que, a pouco mais de um ano de nova disputa eleitoral, seis legendas com alguma relevância ou história estão mergulhadas em barulhentas brigas internas pelo seu comando que, não raro, extrapolaram os ambientes internos e foram parar na Justiça. Uma delas envolve o PSDB, que caminhou rapidamente do protagonismo nacional para o risco de desaparecimento e que continua com dificuldades para superar os estranhamentos no ninho. No ano passado, fez prévias presidenciais pela primeira vez, para ao final, também de forma inédita, acabar não tendo candidato após uma guerra sem vitoriosos entre Eduardo Leite e João Doria. O segundo foi embora da sigla, enquanto o primeiro assumiu seu comando, mas a briga mal resolvida chegou aos tribunais. Em ação do prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, aliado de Doria, a Justiça anulou no dia 11 o processo que levou o gaúcho ao comando da sigla e determinou que seja feita nova convenção em um mês. Até lá, Leite segue no cargo — há quem ache que tudo pioraria sem ele. “Muitos podem querer ocupar o espaço, criando grupos internos e abrindo flancos de disputas”, alerta um aliado. Como se não bastassem as bicadas pelo ninho nacional, a legenda enfrenta outro foco de discórdia, aparentemente local, mas com alto potencial de estrago. O presidente do diretório paulistano, o berço do partido, Fernando Alfredo, reeleito na semana passada, é acusado de expulsar 430 opositores, alguns com trinta anos de legenda, e filiar gente próxima a ele para manter o controle sobre a máquina para 2024. “Foram mais de 1 000 filiações quase no mesmo dia”, afirma um membro da executiva estadual. Alfredo diz que é vítima de “golpe”, mas as denúncias contra ele serão apuradas pelo diretório paulista e não se descarta que cheguem à Justiça.
Outras legendas tradicionais também optaram por resolver suas disputas políticas nos tribunais. O PTB já caminhava para a insignificância sob o comando de Roberto Jefferson, mas o poço parece não ter fundo. Após ter feito só um deputado em 2022, a sigla precisou apelar a uma fusão com o Patriota para continuar tendo tempo de TV e dinheiro público. O processo de fusão, porém, virou uma balbúrdia. Um grupo intitulado União Trabalhista Brasileira foi à Justiça para alegar que um ex-genro de Jefferson que firmou o acordo não tinha legitimidade para isso. Também denunciou que ativos estão sendo vendidos irregularmente, como a sede em São Paulo. Nem tão tradicionais quanto os trabalhistas, os ambientalistas da Rede também decidiram brigar no Judiciário — e por dinheiro. Os grupos ligados à ministra Marina Silva e à ex-senadora Heloísa Helena, que já divergiam sobre a relação com o governo Lula, estão se digladiando agora pela chave do cofre. Que, diga-se, não está vazio — apesar de ter feito apenas dois deputados e nenhum senador, o partido movimentou mais de 70 milhões de reais em 2022. A crise escalou em agosto quando Heloísa afastou a tesoureira Juliana de Sá, ligada a Marina, sob a alegação de que ela teria se negado a fazer pagamentos da executiva nacional, comandada pela alagoana. O caso foi parar na Justiça, a tesoureira foi reconduzida ao cargo, mas a briga entre os grupos continua. A cizânia na Rede, porém, pode parecer disputa por trocados perto do caixa-forte do União Brasil. A legenda recebeu no ano passado 1,3 bilhão de reais. Em 2024, só terá menos verba que o PL e o PT. A dúvida é saber quem irá gastá-la. Dividido desde a criação entre as alas que vieram do PSL e do DEM, o partido vive uma queda de braço para tirar da presidência Luciano Bivar, acusado de manipular cargos em diretórios estaduais. Ele é contestado pelo grupo de ACM Neto, secretário-geral da sigla, que tem um aliado de peso, o vice-presidente Antônio Rueda, que controla o caixa — a tesoureira é sua irmã, Maria Emília de Rueda. Os opositores pressionam para que Bivar renuncie ao cargo que só deixaria após a eleição de 2024. Se ele sair, quem assume é Rueda. O habilidoso advogado, que chegou à cúpula de um dos principais partidos sem nunca ter exercido cargo político, é bem relacionado em Brasília e tem o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Aliás, a definição sobre para onde vai a terceira maior bancada de deputados (59) interessa até a Lula, que não consegue ter o apoio integral do União mesmo já tendo entregue três ministérios à legenda. Com Rueda, a avaliação é a de que o barco ficará mais governista.
A expressão “fratricida” pode ser usada para qualquer dessas disputas, mas em nenhuma se aplica melhor que no PDT — já que a palavra “frater” em latim significa “irmão”. A crise no partido rachou até uma família: de um lado ficou o senador Cid, do outro o seu irmão, Ciro. No meio, a relação com o PT, de quem o PDT foi aliado em quatro mandatos no governo do Ceará. Cid, que assumiu a legenda no estado, quer levá-la para perto do governador Elmano de Freitas (PT) e de Lula. Ciro prega o oposto e critica a aproximação com o PT desde a eleição de 2022, quando disse ter levado “uma facada nas costas” do irmão. A postura em relação a Lula também levou a outro racha barulhento. No dia 9, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, deixou o cargo após 31 anos, na esteira de um bate-boca constrangedor em reunião da executiva, na qual se pôde ouvir ofensas como “caudilho”, “cachorro”, “vagabundo”, “bandido” e “picareta”. O partido aprovou apoio a Lula, mas Freire e os cinco deputados eram — e continuam sendo — contra. “Foi uma vitória de Pirro”, diz um membro da sigla. Para o professor Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, se os projetos dos filiados são antagônicos, sem objetivos que os unam, não faz sentido permanecer sob o mesmo teto. “Fazer política é construir conjuntamente”, diz. O termo “partido” é usado no mundo para qualificar uma agremiação política porque, em tese, ela representa uma parte da sociedade. As legendas brasileiras, ao que parece, decidiram levar a palavra ao pé da letra. No dicionário Oxford, partido significa algo que se partiu, quebrado, fragmentado. Como se vê, nada mais adequado ao momento atual dessas siglas.