“Desordem jurídica” protagonizada pelo STF é uma perversão perigosa, aponta Boaventura de Sousa
A legalidade da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mantido como preso político desde abril na Superintendência da Polícia Federal (PF) de Curitiba, voltou ao centro do cenário político brasileiro após o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a soltura de todos os presos com condenações após decisão em segunda instância na semana passada. Cinco horas depois, em resposta ao pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o ministro plantonista Dias Toffoli derrubou a decisão.
A sobreposição de decisões é apenas mais uma no histórico recente do Supremo. Durante a campanha eleitoral, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou Lula a dar entrevistas para a Folha de S. Paulo e para a Rede Minas de Televisão. No mesmo dia, o ministro Luiz Fux, em decisão monocrática, suspendeu os efeitos da decisão do colega, gerando uma crise dentro do STF.
Em entrevista, Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, considera que a conjuntura política brasileira é delicada e é ainda mais prejudicada com os impasses e disputa de poder na instância máxima de Justiça do País. “Isso é uma guerra. Uma guerra extremamente perigosa dentro do STF. A extrema direita hoje, nas redes sociais, está dizendo que o Lula acabou, o petismo acabou, e que agora é preciso acabar com o STF. É uma guerra social e institucional”, declara Boaventura.
“O sistema judiciário tem que ser reformado, tem que ser obviamente reconstruído, mas não dessa forma, criando um caos institucional, que é o que está sendo criado nesse momento com os conflitos abertos dentro do STF”, argumenta.
O sociólogo conta que acompanha com muita preocupação os imbróglios jurídicos do Supremo. “O sistema jurídico e judicial criado para garantir a ordem jurídica é, nesse momento, um fator de desordem jurídico. É uma perversão perigosa”, alerta.
Boaventura também defende a presunção de inocência garantida pela Constituição brasileira, pela qual uma pessoa condenada em segunda instância, por exemplo, pode aguardar em liberdade a decisão final dos tribunais superiores sem execução antecipada da pena.
Apesar do texto constitucional, o entendimento foi alterado pelo STF em 2016. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de Lula, 169 mil pessoas poderiam ser beneficiadas pela decisão de Marco Aurélio, caso não fosse revogada por Toffoli.
Para Boaventura, a prisão de Lula foi executada por motivos políticos. “A única maneira de eleger o Bolsonaro era manter o presidente Lula na prisão”, sustenta. O renomado professor da Universidade de Coimbra acredita que a direita brasileira tem como objetivo “apagar” da memória da população os avanços sociais dos governos Lula e Dilma.
“Querem apagar para que os brasileiros só tenham a ideia de que nesse período só houve corrupção e mais nada. Não houve ProUni, não houve Reuni, não houve Bolsa Família. Não houve nada além de corrupção”.
Ainda em relação à memória dos brasileiros, o sociólogo afirma que o esquecimento do que realmente foi a ditadura militar também é uma estratégia das forças políticas de direita no País.
“Na Argentina e no Chile, os militares não poderiam voltar para o poder por vias democráticas como aconteceu com Bolsonaro, seu vice-presidente e ministros, que afirmam uma superioridade moral em relação aos civis. [No Brasil], os crimes de terrorismo de Estado na ditadura nunca foram analisados e nunca foram punidos, portanto, querem apagar essa memória”, conclui Boaventura.
Do PT na Câmara