Base de Bolsonaro na Câmara quer voltar com política medieval de internação psiquiátrica
O lançamento, esta semana, de uma frente parlamentar para cobrar a criação de leitos de internação psiquiátrica reacendeu o debate sobre as políticas públicas para a saúde mental no país. Composta por 226 deputados e quatro senadores, a agremiação — batizada de Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Psiquiátrica — diz ser um contraponto em um debate que, segundo seus integrantes, foi “sequestrado pela esquerda”.
O lançamento acontece dias depois de o futuro ministro da Saúde, o deputado Luiz Mandetta (DEM), criticar a atuação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dizer que pretende fazer mudanças nas políticas de tratamento de dependentes químicos.
— Criamos um sistema em que o paciente recebe cuidados nos Caps durante o dia, mas é devolvido para a família à noite. E essa família não tem condições de prestar a devida assistência — afirma o deputado Roberto de Lucena (Podemos), idealizador do grupo.
Para Lucena, as declarações de Mandetta mostram que o futuro governo está disposto a um debate “livre de ideologia”.
A declarações de Mandetta e o lançamento da frente, no entanto, preocupam alguns setores:
— Tememos o retorno dos hospitais psiquiátricos. Lugares que cometiam violações aos direitos dos pacientes — afirma Marisa Helena Alves, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
No Brasil, o governo federal estabelece que os cuidados a pacientes psiquiátricos e dependentes químicos sejam oferecidos, preferencialmente, em regime ambulatorial. Internações devem acontecer somente como último recurso. A determinação consta numa lei de 2001, conhecida como lei da Reforma Psiquiátrica.
Desde então, foi criada uma rede de serviços que inclui os Caps, ambulatórios com equipes multiprofissionais. Sua expansão foi acompanhada pelo fechamento de leitos e hospitais psiquiátricos:
— Houve uma espécie de criminalização desses hospitais — afirma Lucena. — Não queremos fechar os Caps, mas queremos mais leitos para internação.
Desde o ano passado, o governo faz mudanças na Política Nacional de Saúde Mental. Em dezembro, anunciou alterações que incluíram a revisão nos valores pagos, pelo SUS, pelos leitos psiquiátricos existentes em hospitais gerais.
O ministério da Saúde também passou a fazer repasses financeiros a comunidades terapêuticas: instituições, muitas vezes mantidas por grupos religiosos, onde pacientes que sofrem com problemas de dependência química são internados.
—Criamos a frente para apoiar as mudanças já apresentadas, e contribuir para aperfeiçoar a política — diz Lucena.
O deputado conta que despertou para o debate depois ser procurado por associações de hospitais.
A questão divide especialistas. Para o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o número de leitos para internação no país é insuficiente:
— A internação é necessária quando o paciente coloca em risco a própria vida ou a de outras pessoas. Hoje, quem precisa não tem acesso.
Segundo Silva, o Brasil perde na comparação com países desenvolvidos. Dados de 2014 da Organização Mundial da Saúde (OMS) atestam que no Reino Unido, por exemplo, há 0,58 leitos a cada mil habitantes. No Brasil, são 0,12.
Para Marisa Helena Alves, do CNS, o processo de fechamento de leitos e hospitais psiquiátricos no Brasil seguiu uma tendência que teve início na Itália nos anos 1970 e guiou reformas em outros países de Europa.
Hoje, a OMS recomenda que o atendimento a pacientes psiquiátricos e dependentes químicos seja feito em regime ambulatorial. O objetivo é evitar que sofram maus-tratos, ou que percam laços com familiares:
— Isso permite que a pessoa mantenha o convívio social e garante melhores resultados para o tratamento.
Segundo ela, a rede de cuidados brasileira envolve serviços capazes de atender pacientes em diferentes momentos, inclusive durante crises, mas é necessário expandi-la.
De O Globo