Governo federal atrasa processo seletivo para a contratação de médicos estrangeiros
Falta médico no Brasil. Essa é a reclamação número 1 do brasileiro insatisfeito com a saúde pública, informou o TCU (Tribunal de Contas da União) em 2017. Ainda assim, há cerca de um ano e meio o Ministério da Educação adia a divulgação das notas do Revalida, a prova que regulariza o diploma estrangeiro e autoriza o trabalho em solo nacional de médicos formados no exterior, inclusive brasileiros. Ao todo, 963 médicos formados no exterior aguardam o resultado.
Em 2016, a avaliação colocou no mercado 1.531 profissionais, ou 66% das 2.308 pessoas que chegaram à segunda etapa do teste. Se no processo de 2017 o número de aprovados atingir a mesma proporção, espera-se que 635 especialistas possam dar expediente em consultórios brasileiros a partir da próxima segunda-feira (11) — “data provável” para divulgação do resultado, segundo comunicado do Inep.
Entre os que aguardam o resultado está N.L, médico brasileiro de 26 anos que estudou clínica médica na universidade Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Sul mato-grossense, o médico recebeu o diploma em 2016 e voltou para o Brasil a fim de se preparar para o Revalida 2017. A primeira prova aconteceu na data prevista, 24 de setembro. Nenhuma outra foi respeitada desde então pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação responsável por aplicar o teste.
O resultado da primeira avaliação deveria ter sido entregue em novembro de 2017 porque as inscrições para a segunda etapa aconteceriam entre os dias 6 e 9 de daquele mês. “Mas chegou o dia 6 e não tinha o resultado”, diz N.L. No dia 7, os médicos receberam um e-mail informando que a data seria divulgada “posteriormente”, sem previsão. As notas foram publicadas apenas em janeiro de 2018, a dois meses da segunda fase, a prova de habilidades clínicas, prevista no primeiro edital para acontecer em março. A data da nova prova, no entanto, também não foi divulgada.
Em 21 de março de 2018, o Inep quebrou o silêncio ao informar que o teste não aconteceria naquele mês, mas no “segundo semestre de 2018” em dia “a ser divulgado”. “Em janeiro, eu paguei R$ 20 mil em dois cursos preparatórios esperando fazer a prova em março, mas ela só foi aplicada em novembro”, lamenta N.L. “Gastei minhas economias, mas sigo sem emprego.” A instituição não se comunicou com os médicos até setembro, quando prometeu que a última avaliação aconteceria em 17 e 18 de novembro. A prova aconteceu, o gabarito foi divulgado no dia 21 de novembro, mas o período para que os candidatos recorressem do resultado não foi informado em dezembro, como prometido, mas em 18 de janeiro de 2019.
O edital também prometia que o resultado preliminar da segunda fase fosse apresentado em 21 de janeiro. Agora, a nova previsão é 11 de fevereiro.
PROVA DE 2016 DEMOROU 4 MESES
Os quase dois anos do processo de revalidação dos diplomas contrastam com a agilidade das seleções anteriores. Em 2016, por exemplo, a primeira prova aconteceu em 11 de setembro de 2016. A segunda, nos dias 2 e 4 de dezembro. O resultado saiu no dia 27 de janeiro de 2017 – quatro meses de processo. Advogada especialista em direito público, Fabiana Raslan já defendeu as causas de 300 médicos que processaram o Inep. Ela diz que os problemas da prova começaram já em 2016, quando quatro de dez perguntas contrariaram os próprios protocolos do Ministério da Saúde.
Mas, em 2017, o atraso se deveu a “várias razões”, diz a especialista. “A principal é que o instituto sofre pressão cada vez maior por parte dos conselhos de medicina, que não querem que médicos de fora concorram com quem se formou em território nacional”, diz Fabiana. Questionado, o Inep não se manifestou sobre a suposta pressão, mas diz em nota que “incluiu novas etapas para recurso e implementou o processo de correção, o que ocasionou um tempo maior na divulgação do resultado preliminar”.
MAIS MÉDICOS E A PERMANÊNCIA NO BRASIL
Fabiana se debruçou sobre o assunto à medida que as reclamações aumentavam de volume. Ela diz que o perfil dos médicos formados nos países vizinhos cai como uma luva sobre as necessidades do programa Mais Médicos. “As faculdades de medicina na Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Cuba são especializadas em formar médicos para a atenção básica, saúde preventiva. Esse é o foco do programa. Já as faculdades brasileiras preferem formar especialistas, por isso a resistência de muitos em ir para o interior do Brasil.”
Formado na Universidade de Havana há 20 anos, o médico cubano Ariel Sanchez, 45, está sem trabalho desde 20 de novembro de 2018, quando Cuba rompeu com o programa brasileiro. Sanches trabalhava nos Mais Médios desde novembro de 2013, quando chegou ao Brasil. No país, se casou com uma brasileira, com quem tem um filho de três anos. Agora desempregado, ele conta com o auxílio dos pacientes que atendida em Souza, na Paraíba, onde ainda mora. “Vivemos de aluguel. Esses pacientes agradecidos nos ajudam com dinheiro, cesta básica, comida”, diz. Retribuo tomando a pressão e dando orientações gerais porque não posso clinicar.”
Embora trabalhasse no programa brasileiro, Sanchez prestou o Revalida com a intenção tentar outro emprego no Brasil porque “o governo só nos repassava 1/3 do salário”. Ele reclama, no entanto, do “descaso” do instituto em relação às datas. “O Inep não justifica absolutamente nada.” Quando o calendário deixou de ser respeitado, o Inep passou a rejeitar pedidos de informação pelo e-mail revalida@inep.gov.br, e pediu que qualquer “reclamação e elogio” fosse encaminhado pelo canal “Fale Conosco”, no site do ministério. “Mensagens recebidas neste endereço de e-mail serão excluídas automaticamente, sem qualquer análise prévia”, diz um comunicado.
Enquanto isso, dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) apontam que há 17,6 médicos para cada 10 mil brasileiros. Para comparação, na Europa a taxa é de 33,3. Segundo dados do CFM (Conselho Federal de Medicina), há um médico para cada 470 brasileiros. No Norte e Nordeste, esse número chega a 953,3 e 749,6, respectivamente. Em audiência pública no Senado em novembro do ano passado, o presidente do TCU, ministro Raimundo Carreiro, elegeu a falta de médicos como “o principal problema do SUS”. Um “problema” que poderia ser menor se o Revalida 2017 já tivesse posto na praça algumas centenas de médicos.
Do UOL