Declarações de Bolsonaro sobre Serra do Sol são puro mito

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Para justificar a intenção de reverter a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse, em dezembro que “é a área mais rica do mundo. Você tem como explorar de forma racional. E, no lado do índio, dando royalties e integrando o índio à sociedade.”

A afirmação, porém, está mais próxima da longa tradição de expectativas exageradas sobre a Amazônia, renovada por correntes de WhatsApp, do que das pesquisas geológicas.

“Todas as terras altas da Amazônia [planaltos] têm potencial geológico significativo. Isso inclui a Raposa, mas não há informações para afirmar ou mesmo supor que ali seria a ‘área mais rica do mundo’”, afirma o geólogo Tadeu Veiga, diretor da Geos, empresa de consultoria sediada em Brasília.

A principal fonte de informação sobre o potencial geológico da região é a CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), responsável pelo mapeamento de Roraima desde o início dos anos 1970.

A partir de 1995, a CPRM tornou-se empresa pública e passou a ser denominada Serviço Geológico do Brasil, com a incumbência de “gerar e difundir o conhecimento geológico e hidrológico básico necessário para o desenvolvimento sustentável do Brasil”. Por questões de registro, porém, mantém até hoje a sigla CPRM.

De 1975 a 1978 a CPRM registrou ocorrências de molibdenita (usado para ligas metálicas e na indústria petroquímica), bauxita (alumínio), diatomito (depósito de microalgas com diversas aplicações, desde filtro natural à indústria farmacêutica), cassiterita (estanho), diamante e ouro —os dois últimos explorados ao longo do século 20 por garimpeiros, que empregavam mão de obra indígena.

Nos anos 1980, a CPRM criou um projeto experimental de lavra para diamante na região do rio Maú, mas o resultado indicou apenas depósitos pontuais.

Em todos esses casos, faltam pesquisas adicionais para comprovar se há ou não potencial econômico.

“Nunca foram realizadas pesquisas geológicas necessárias à definição de recursos minerais e ao equacionamento do seu aproveitamento técnico e econômico, quando os recursos são transformados em reservas minerais”, explica Veiga, também professor voluntário do Núcleo de Estudos Amazônicos da UnB.

A Constituição de 1988 prevê mineração em terras indígenas, mas só após regulamentação específica pelo Congresso, ainda inexistente após três décadas, e consulta às etnias afetadas.

Outra fonte de desinformação é a suposta existência de petróleo na Serra do Sol por estar na fronteira com a Venezuela, país com a maior reserva petrolífera do mundo. Uma mensagem anônima de WhatsApp que circula entre bolsonaristas é de que 70% dessa bacia de petróleo estaria no Brasil.

Além disso, diz a mensagem, haveria ali exploração de nióbio “transportado ilegalmente para a Venezuela, depois via Cuba para chegar à China e à Rússia”.

“Entende agora o porquê de Bolsonaro dizer que Roraima deveria ser o estado mais rico do Brasil?!?!”, diz o texto apócrifo. “Agora dá para compreender o porquê de o PT ter transformado o local em uma reserva indígena”.

Em ambos os casos, as informações são falsas.

Formado por rochas muito antigas (período pré-cambriano), o substrato rochoso da Raposa Serra do Sol não tem potencial para petróleo.

Na área vizinha ao sul da TI, há uma bacia sedimentar batizada de Tacutu, compartilhada com a Guiana, onde há pesquisas para encontrar petróleo desde os anos 1960, mas sem resultados animadores.

Nos anos 1980, a Petrobras investigou o lado brasileiro e a canadense Home Oil, a Guiana, mas os resultados foram considerados discretos. Recentemente, a Guiana descobriu grandes reservas de petróleo, mas em alto mar, a centenas de quilômetros da fronteira com o Brasil.

Já com relação ao nióbio, empregado nas indústrias automobilística e aeronáutica, entre outras, não há registro de ocorrência nem de rota de contrabando na TI Raposa Serra do Sol, onde o Exército brasileiro mantém o 6º Pelotão Especial de Fronteira, cuja área foi excluída da demarcação.

O nióbio tem alta concentração na região de Seis Lagos (AM), próximo ao Pico da Neblina, de grande potencial. As reservas atualmente em exploração no país estão em Araxá (MG).

Da FSP