“Se o problema das contas estiver no benefício aos pobres, devolvam o Brasil a Portugal”
Não deu outra. Os çábios que conceberam o projeto de reforma da Previdência descobriram um jeito de entregar aos marajás a bandeira da defesa dos miseráveis. Fizeram isso ao propor a tunga do Benefício de Prestação Continuada, que dá um salário mínimo (R$ 998) aos miseráveis que têm mais de 65 anos.
O projeto é engenhoso. Dá R$ 400 ao miserável a partir dos 60 anos, o que é um alívio para quem recebe, no máximo, R$ 371 pelo Bolsa Família. Com a outra mão querem tomar pelo menos R$ 598 mensais dos miseráveis que têm mais de 65 anos. Eles só terão direito aos R$ 998 se e quando chegarem aos 70 anos.
Se o conserto do rombo da Previdência precisa tungar um benefício pago aos miseráveis que têm entre 65 e 70 anos, então é melhor devolver o Brasil a Portugal.
O ministro Paulo Guedes produziu um projeto racional e conseguiu apresentá-lo de forma competente. Na essência, podou privilégios. Essas virtudes levam à estupefação diante da tunga de sexagenários miseráveis. Ela só serve para soldar uma aliança maligna e hipócrita. O marajá que acumula privilégios ganha o direito de combater a reforma apresentando-se como defensor dos pobres e dos oprimidos.
Está entendido que o capitão reconheceu que errou ao combater a reforma proposta por Michel Temer, mas, se as pessoas podem mudar de opinião, não podem mudar os fatos. Quando ele estava do outro lado da trincheira, lembrava que a expectativa de vida no Piauí “estava na casa dos 69 anos, quando você bota 65, você convida a oposição a fazer sua proposta e melar esse projeto”. Bingo. Os çábios fizeram isso, pois tomando-se a expectativa de vida do Piauí, seus miseráveis, que hoje recebem R$ 998, perderão o benefício aos 65 e irão para o outro mundo antes de terem direito a receber o que recebem hoje.
Tosa
O repórter Ancelmo Gois revelou que num fim de semana o ministro Paulo Guedes andou pelo Leblon e cortou o cabelo no salão Care, em Ipanema.
Esses salões são os únicos lugares onde a turma do andar de cima paga para ganhar cortes. No Care uma tosa custa de R$ 130 a R$ 250. Não é o mais caro, pois há salão que cobra R$ 320.
Para a turma do regime geral da Previdência, um corte de cabelo vai de uns R$ 15 a R$ 30.
Estão corrompendo a moralidade
Duas operações de combate à corrupção produziram episódios que corrompem a luta pela moralidade. Num, a turma da Lava Jato do Paraná recorreu a uma gambiarra destinada a contornar a propensão libertadora do ministro Gilmar Mendes e prendeu o notório Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto da caixinha do PSDB paulista. No outro, prenderam e soltaram o presidente da Confederação Nacional da Indústria por causa de espetáculos teatrais mal explicados.
O doutor Paulo Preto já foi preso duas vezes. Ameaçou os cúmplices com a possibilidade de romper seu silêncio e documentos suíços mostram que amealhou milhões de dólares.
Para quem olha o caso de fora, ele não deveria estar solto, mas está.
Com barulho coreografado, o Ministério Público revelou que Paulo Preto tinha um bunker onde guardava R$ 100 milhões. Nas palavras do procurador Roberson Pozzobon, “talvez o bunker de Paulo Preto tivesse o dobro do dinheiro do bunker do Geddel. Isso é um escárnio.”
Para quem gosta de espetáculo, seria uma prisão exemplar, investigação primorosa. Teve milhões, bunker, e até dinheiro no varal para não mofar. Era prato enfeitado, porém requentado.
A acusação veio da delação do doleiro Adir Assad e é de 2017. A cifra de R$ 100 milhões também é de 2017. E o bunker? “Talvez”, pois os endereços dados por Assad há dois anos não foram investigados.
São muitos os escárnios que acompanham o caso de Paulo Preto. Seria ótimo se o Ministério Público encarcerador brigasse publicamente com os magistrados libertadores, mas é péssimo que se faça isso com espetáculos de manipulação do distinto público.
Em outro episódio prenderam Robson Andrade, presidente da CNI, porque acharam o que parece ser uma roubalheira em contratos de eventos teatrais em Pernambuco. Se investigação de malfeitorias praticadas com dinheiro do Sistema S pretende girar em torno de festivais de bonecos, é melhor economizar o dinheiro dessas operações espetaculares.
Coisa para mago
Diversos dirigentes do PSL não foram convidados para a posse do capitão. Alguns fizeram-se de desentendidos e apareceram nas solenidades.
A saída de Gustavo Bebianno deu uma enorme desarrumada no tabuleiro e o presidente precisará de um mago para consertá-la.
Se houver bom senso, Bolsonaro deverá começar seu serviço construindo uma convivência saudável com Rodrigo Maia.
Doria de olho
A turma do capitão gosta de pensar que a oposição ao governo vem do PT e da esquerda. É uma meia verdade. O verdadeiro polo alternativo está em São Paulo e gira em torno do governador João Doria. É para lá que confluem e são estocadas as ambições e ressentimentos que Bolsonaro produz.
Bancadas temáticas
Para aprovar a reforma da Previdência, o governo abriu um balcão de promessas para emendas de parlamentares.
Acreditou na história das “bancadas temáticas”?
Tente Papai Noel.
(Os deputados não acreditam em Papai Noel, nem em promessas de liberação de recursos de emendas.)
Maria Thereza fala
No mês que vem chegará às livrarias “Uma Mulher Vestida de Silêncio”, de Wagner William. Contará a história de Maria Thereza, a linda mulher do presidente João Goulart, um marido protetor e promíscuo.
Eles se casaram quando ela tinha 15 anos e ele, 37. Aos 21, Maria Thereza se tornou a bonita e elegante mulher do presidente da República e aos 23 deixou a Granja do Torto com dois filhos pequenos para um exílio que durou 22 anos. O desterro terminou quando ela atravessou a fronteira com o marido dentro de um caixão.
Em “Uma Mulher Vestida de Silêncio”, Maria Thereza conta sua história triste. Enquanto foi a mulher do poderoso Jango, era perseguida por um acervo de maledicências. A maior, por pública, vinda do governador Carlos Lacerda. Passou-se mais de meio século e nunca apareceu um só fiapo de veracidade, mas assim era o mundo.
Maria Thereza Goulart foi detida por duas vezes em condições humilhantes, viu as fronteiras das traições e da ingratidão, comeu o pão que Asmodeu amassou e nunca mostrou ressentimento, nem durante a cerimônia em que os restos mortais de seu marido voltaram a Brasília. Aos 78 anos, vestida de silêncio, Maria Thereza Goulart divide seu tempo entre Porto Alegre e o Rio.
Êrro
Estava errada a informação que saiu aqui, contando que os sapos, quando colocados numa panela com água aquecida lentamente, não percebem o calor e deixam-se ferver.
Trata-se de pura lenda.
Quem se deixa ferver ou fritar são os ministros. Muitos sapos são feios, mas nenhum é bobo.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”
Da FSP