Folha ‘atacou’ Alckmin para simular ‘isenção’

Análise

Sim, você leu direito: enfim algum grande meio de comunicação publicou uma “denúncia” contra um tucano. Na verdade, o que é mais surpreendente é que a “denúncia” cita familiares do governador Geraldo Alckmin, o que, até então, pensava-se ser regalia exclusiva de petistas. E, para completar, foi parar na primeira página (!?) da Folha de São Paulo.

Corte para a entrevista que o ex-ministro José Dirceu concedeu no último domingo ao programa É Notícia!, da Rede TV, comandado pelo jornalista Kennedy Alencar, que também trabalha na Folha. Lá pelas tantas, travou-se um diálogo entre entrevistador e entrevistado que explicará o súbito surto de “imparcialidade” do jornal paulista.

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Kennedy Alencar – O PT ajudou a implantar no Brasil um padrão ético muito rigoroso. Cobrava muito dos outros partidos.O senhor mesmo, na CPI do Collor… Mas o PT tem dificuldade de aceitar ser cobrado pelo mesmo padrão que ele cobrava os outros. Aí, como o Jaques Wagner já disse, não é o pecado do pregador? O PT não tem que ser mais cobrado, ministro, porque, justamente, foi o partido que cobrava muito dos outros ética?

José Dirceu – O PT é o único partido cobrado…

Alencar – Não é verdade…

Dirceu – Os escândalos do PSDB…

Alencar – Não é verdade…

Dirceu – Os escândalos do PSDB…

Alencar – O PR, agora…

Dirceu – Não, estou falando da oposição. Os escândalos do PSDB, geralmente…

Alencar – Recentemente teve uma matéria na Folha sobre familiares da mulher do governador de São Paulo.

Dirceu – Mas os grandes escândalos não se transformaram em grandes matérias jornalísticas.

Alencar – Mas o PT não merece ser mais cobrado?

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Primeiramente, a idéia de Alencar é absurda. Por que o PT merece ser mais cobrado? Porque exigia ética quando estava na oposição? Ora, o PSDB exige ética do PT no governo federal há quase nove anos e nem por isso a mídia cobra os tucanos em São Paulo. O PSDB também merece ser mais cobrado?

Mas o fato principal não é esse. Viram como Alencar aludiu à primeira e única matéria supostamente incômoda para o governador de São Paulo que saiu na primeira página – e, provavelmente, nas páginas internas – neste ano? Então… Foi para isso.

A matéria saiu no dia 30 do mês passado e nunca mais se tocou no assunto.  E ela não se espalhou pela mídia paulista, como acontece com as matérias contra o PT. Ficou circunscrita àquela edição isolada da Folha e, de acordo com o que costuma acontecer quando algum veículo publica alguma coisa incômoda para os tucanos, o assunto desaparece logo depois e não volta nunca mais.

Dirceu cometeu um erro, naquele ponto da entrevista. Deixou o dito pelo não dito. Não insistiu no assunto de que, como disse a Alencar, o PT é o único partido de quem a mídia cobra ética. Se explorasse o tema encurralaria o lépido entrevistador, apesar de ter se saído bem na entrevista.

A matéria da Folha é uma piada. Não tem nada que ver com o governador. A empresa de familiares de Lu Alckmin é investigada sob suspeita de ter se beneficiado de uma fraude de R$ 4 milhões contra a Prefeitura de São Paulo. O caso ocorreu entre 1994 e 1999. A fraude apontada teria sido efetuada na gestão do então prefeito Celso Pitta, já morto.

Em 2001, a prefeita Marta Suplicy ( PT) mandou arquivar o caso contra o adversário político. Claro que não foi em frente porque a denúncia não tinha futuro. Por isso a Folha publicou.

Dirceu perdeu a chance de citar todos os escândalos tucanos que a mídia esconde. O do Rodoanel (superfaturamento), o das obras de desassoreamento do rio Tietê (dinheiro foi desviado das obras para publicidade do governo Serra), sem falar em mais de cem pedidos de CPI que dormitam na Assembléia Legislativa paulista por ordem do PSDB, e a imprensa não dá um pio.

Poderia ter sido feito um desafio a Alencar: apurar os últimos doze meses de matérias da Folha, ao menos, e quantificar quantas denúncias o jornal fez contra governos petistas e tucanos. Acabaria com a conversa e desmontaria a estratégia da mídia de publicar alguma denúncia besta contra o PSDB episodicamente para se dizer “isenta”.

O que se pode extrair disso tudo é que esse jornal encenar tal farsa – que Alencar usou descaradamente – revela que a mídia está acusando o golpe. Ou seja: se tenta provar que é isenta é porque se sente incomodada pelos que dizem que não é. Certamente acha – ou sabe – que, apesar de não falarmos tão alto quanto ela, acabamos sendo ouvidos.

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ATUALIZAÇÃO

6 de setembro de 2011 às 14:30 hs

Se a Folha quer mesmo fiscalizar escândalos envolvendo Alckmin, que tal ir onde há fumaça? Abaixo, um foco para o jornalão “isento” fiscalizar.

A filha de Alckmin e o contrabando da Daslu

Altamiro Borges

Talvez por sua formação puritana no Opus Dei, o candidato Geraldo Alckmin gosta de se fingir de casto e imaculado. No debate da TV Bandeirantes, ele fez questão de se mostrar “indignado” com a corrupção e criticou o fato de o presidente Lula repetir que “não sabia” dos desvios de conduta no seu governo. “É só perguntar aos seus amigos de 30 anos”, alfinetou o falso moralista num momento de cólera bem ensaiado.

Mas, para ser conseqüente e manter as aparências, Alckmin deveria ter se desculpado em público por ter cortado a fita de inauguração da Daslu, templo de consumo dos ricaços, hoje processada por contrabando, sonegação fiscal e outras crimes. “Eu não sabia”, deveria ter tido. Também poderia pedir desculpas por sua filha, Sophia Alckmin, ter sido gerente de compras nesta loja de contrabandistas. “Eu não sabia”. E ainda deveria explicar porque os diretores da Daslu, sempre acompanhados de sua filha, reuniram-se com o secretário da Fazenda do seu governo, Eduardo Guardia. “Eu não sabia”. Entre uma pregação do Opus Dei e sua agenda de governador, talvez não tenha tido tempo para acompanhar os negócios de sua filha!

Alckmin chegou de helicóptero

A nova loja da Daslu, um prédio de quatro andares e 20 mil metros quadrados, situada num bairro nobre da capital, foi inaugurada em junho de 2005. A colunista Mônica Bérgamo, do jornal Folha de S.Paulo, descreveu a festança dos ricaços com ares de ironia. “E soam os violinos da Daslu Orchestra, formada por 50 músicos. São 12 horas de sábado. Alckmin, que chegou ao prédio de helicóptero, desfaz a fita. ‘A Daslu é o traço de união entre o bom gosto e muitas oportunidades de trabalho’, diz. Só para a família Alckmin são duas: trabalham lá a filha [diretora de novos negócios da butique] e a cunhada dele, Vera”.

Ainda segundo a picante crônica de Mônica Bérgamo, “Sophia puxa o pai pelo braço: começa o tour pela Daslu. Primeiro piso, importados femininos. Alckmin entra na Chanel, onde um smoking de veludo preto é vendido a R$ 22.600, uma sandália de cetim, gurgurão e pérolas sai por R$ 2.900 e uma bolsa multipocket, por R$ 14.000. As vendedoras informam que há mais de 50 pessoas na fila em São Paulo para comprar o mimo, até baratinho se comparado à bolsa Dior de couro de crocodilo, de R$ 39.980, e à mais cara Louis Vuitton, com pele de mink: R$ 23 mil”.

“Vou colocar um jeans”

“Sophia leva o pai até o segundo pavimento. Mostra um helicóptero pendurado no teto. ‘Que lindas as motos, Sô’, diz Lu Alckmin à filha ao ver, encostada perto da escada, uma moto Harley Davidson (R$ 195 mil). Alckmin entra na Ermenegildo Zegna, passa pela Ralph Lauren, onde uma camiseta pode custar R$ 2.460. ‘É tudo muito colorido aqui’, observa. Os carros chamam a atenção do governador. Estão em exibição um Volvo de R$ 365 mil, lanchas de R$ 7 milhões, TVs de plasma de R$ 300 mil”.

”O governador começa a fazer o caminho de volta. Os repórteres perguntam a Lu Alckmin: A senhora está de bolsa Chanel. E a blusa? ‘É Burberry’, responde Lu. ‘Gosto de peças clássicas’. O governador, que diz comprar só ‘umas camisas’ na Daslu, aperta o passo. Ainda vai a Carapicuíba. E Lu tem que correr para o Palácio dos Bandeirantes. Precisa se trocar, ‘colocar um jeans’, para outro compromisso: um evento na Água Branca em que caminhões de vários bairros entregarão agasalhos doados para as crianças pobres da cidade enfrentarem o inverno que se avizinha”, conclui, sarcástica, Mônica Bérgamo.

“Uma organização criminosa”

Poucos meses depois do ex-governador cortar a fita inaugural da Daslu, um antigo processo judicial contra os donos da butique de luxo finalmente ganhou agilidade. No final de dezembro, a juíza Maria Isabel do Prado, da 2a Vara de Justiça Federal de Guarulhos (SP), recebeu os livros contábeis e fiscais da loja. Para ter acesso a estes documentos, a juíza chegou a ameaçar de prisão a dona da butique, Eliana Tranchesi, o seu irmão Antonio Carlos Piva e os responsáveis pela contabilidade do estabelecimento.

Tais papéis comprovaram a denúncia do Ministério Público Federal de que a Daslu atua em conluio com importadoras para substituir notas fiscais fornecidas por grifes estrangeiras por notas falsas subfaturadas. Com base nos livros fiscais e contábeis, Eliana e seu irmão foram acusados de formação de quadrilha, importação irregular e falsidade ideológica. No caso da influente proprietária, a soma de penas por estes crimes chega a 21 anos de prisão. Segundo Jefferson Dias, procurador da República, a Daslu agia como uma quadrilha. “Trata-se de uma organização criminosa pela hierarquia e a divisão de tarefas que existia”.

Devido aos seus estreitos vínculos com figurões da elite e autoridades do governo estadual, a trambiqueira de luxo sequer tomou os cuidados que outros sonegadores costumam adotar. “A sensação de impunidade fez com que eles se descuidassem e a situação ficou descontrolada”, argumenta Matheus Magnani, outro procurador envolvido na apuração. Eliana Tranchesi participava diretamente do esquema ilícito, chegando a enviar aos fornecedores estrangeiros pedido em inglês para que eles não remetessem faturas verdadeiras dos produtos. A proprietária ainda foi acusada de crime contra a ordem tributária e evasão de divisa.

ACM chorou e Bornhausen esbravejou

Diante destas graves acusações e da tentativa de ocultar provas, em 13 de junho de 2006, a Polícia Federal acionou a Operação Narciso e ocupou a Daslu com 250 agentes e 80 auditores fiscais. A inédita operação foi elogiada pela sociedade, mas os ricaços, a mídia e vários políticos da elite fizeram um baita escândalo. A asquerosa revista Veja chegou a afirmar que a ação da PF era uma jogada do governo Lula para abafar a crise política. O senador Jorge Bornhausen, presidente do PFL, criticou o “revanchismo”. Já o coronel Antônio Carlos Magalhães, assíduo freqüentador da loja, chorou ao falar ao telefone com a contraventora detida por algumas horas. E a poderosa Federação da Indústria de São Paulo convocou um ato de repúdio.

O líder do PSDB, deputado Alberto Goldman, foi quem explicitou a forma de agir da burguesia. Para ele, “essa prisão pode gerar uma crise econômica. O empresário vai dizer: para que vou investir no Brasil se posso ser preso?”. Ou seja: na concepção tucana, só quem pode ser preso no país é o ladrão de galinha! O empresário que sonega imposto, remete ilegalmente dinheiro ao exterior ou comete outros crimes não pode ser tocado e ainda conta com a ajuda de certos políticos – que depois serão recompensados nas suas campanhas. O escândalo da Daslu explicitou que a corrupção é regra no mundo dos negócios capitalistas.

Reuniões na Secretaria da Fazenda

A Operação Narciso também levantou fortes suspeitas sobre a atuação do governador Geraldo Alckmin, que havia inaugurado o mega-loja de luxo na capital paulista. Na ocasião, a mídia destacou o fato da sua filha, Sophia Alckmin, ser uma prestigiada “dasluzete”, responsável pelo setor de novos negócios da loja. No rastro da ação da PF, surgiram denúncias de que esta influente funcionária já havia se reunido com o secretário da Fazenda de São Paulo, Eduardo Guardia. O governo negou e a mídia preferiu o silêncio!

Mas, convocado para depor na Assembléia Legislativa, Guardia admitiu que a filha de Alckmin estivera na sede da secretaria junto com outros chefões da Daslu em, pelo menos, duas vezes no primeiro semestre de 2005. As visitas ocorreram exatamente no período em que loja solicitou autorização da Fazenda para instalar um sistema de vendas com caixa único, algo pouco usado no país e mais vulnerável à sonegação. O secretário negou qualquer “concessão de privilégios”, mas gaguejou ao explicar a visita da “ilustre” filha do governador. Uma auditoria especial do Tribunal de Contas foi solicitada para averiguar o caso.

Para Renato Simões, deputado estadual do PT, não resta dúvida sobre os vínculos do ex-governador com a Daslu. “Os líderes da bancada governista primeiro negaram a presença da filha do Alckmin na Fazenda. O secretário, por sua vez, confirmou a ida. Isso significa que houve uma tentativa de usar o nome da filha do governador para agilizar a tramitação do processo do caixa único”. A tucanagem paulista, que hoje tenta posar de vestal da ética e adora ostentar o luxo desta butique das trambicagens, deve uma explicação à sociedade. A mídia venal, que evita tratar do assunto com o destaque que ele merece, também! Já o presidenciável Geraldo Alckmin, caso seja acuado, poderá dizer: “Eu não sabia”.