Pacote de Moro livraria policiais até de feminicídio
A Associação dos Juízes Federais do Brasil afirmou que o excludente de ilicitude proposto no pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, da maneira que está redigido, poderia ser usado até para ‘exculpar’ policiais que cometerem feminicídio. A entidade não concorda com as expressões ‘medo’, ‘surpresa’ e ‘violenta emoção’ para livrar agentes de segurança que matarem em serviço.
Em nota técnica, assinada pelo presidente, Fernando Marcelo Mendes, pelo Coordenador da Comissão Permanente de Acompanhamento da Reforma da Legislação Penal de Processual Penal da Ajufe, Walter Nunes de SIlva Júnior, e outros 28 magistrados membros do colegiado, a entidade se manifestou favorável à maior parte das medidas de Moro para enfrentar o crime.
Moro foi juiz federal por 22 anos e se notabilizou no comando da Operação Lava Jato. Ele abandonou a carreira para assumir a Justiça e Segurança Publica, a convite de Bolsonaro.
Apesar de ressalvas, os ex colegas de Moro concordaram, por exemplo, com o plea bargain, com a modificação da lei para consolidar a prisão após condenação de segunda instância, a proposta da criação do ‘informante do bem’, e da separação de julgamento de crimes comuns, quando conexos com eleitorais.
A entidade, no entanto, detonou o polêmico excludente de ilicitude. “Depois de flexibilizar a legislação sobre o desarmamento e, consequentemente, em certa medida, armar a população, propor a exculpação do excesso de legítima defesa praticado por medo, é algo preocupante”.
“Crítica especial fazemos quanto à expressão ‘violenta emoção’. Ora, da forma como redigida a norma, essa exculpação seria bastante utilizada nos frequentes casos de feminicídio”, ressaltam.
De acordo com os magistrados federais, ‘cabe notar que a expressão “violenta emoção” abrange ódio, ira, paixão, tristeza e mágoa, emoções que não devem ser aceitas como excludentes de excesso de legítima defesa’. “Essas emoções podem, isso sim, ser levadas em conta nas circunstâncias judiciais, para fins de dosimetria da pena”.
Os juízes federais afirmam que ‘o policial, em rigor, quando está em ação, não age em legítima defesa, mas, sim, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, porquanto a sua missão é agir em nome da sociedade, na preservação da segurança pública’.
A entidade também divergiu de Moro em relação à permissão de que ‘a própria autoridade policial, em caso de flagrante delito com manifesta prática da conduta sob o manto de uma das excludentes de criminalidade, conceda a liberdade provisória’. “Isso porque, na tradição de nosso sistema jurídico, salvo no caso de flagrante em crime de menor potencial ofensivo, a autoridade policial só pode conceder a liberdade provisória nos crimes cuja pena máxima não é superior a 4 anos, e, ainda assim, condicionada a soltura ao pagamento de fiança”.
“Atribuir esse poder decisório sobre a concessão da liberdade para o delegado não parece ser de bom alvitre, notadamente quando se trata de envolvimento de agente policial, por dar guarida à possibilidade de incentivar um indesejado corporativismo”, afirmam.
“Infelizmente, em nosso meio, não raro, temos casos de mortes violentas provocadas por agentes policiais, não sendo razoável a outorga a uma autoridade policial do poder de decidir a respeito”, relatam.
A liberdade em casos de flagrante, lembram os juízes federais, pode ser medida adotada pelo juízo em audiências de ‘apresentação’, ‘impropriamente chamada de audiência de custódia’, ‘ambiente pertinente para se decidir sobre o direito à liberdade provisória, ou não, com as participações do Ministério Público, que é o titular da ação penal, e da defesa, assegurado o direito do detido de se explicar’.
“Poder-se-ia, quando muito, prever a possibilidade de a autoridade policial oficiar ao juiz ou ao Ministério Público, sugerindo a concessão da liberdade, independentemente da audiência de apresentação, o que, naturalmente, seria levado em consideração tanto pelo magistrado quanto pelo representante do Ministério Público”, diz.
Do Estadão