Agentes americanos atuaram dentro do Brasil na Lava Jato

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No governo Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, então ministro da Justiça, foi avisado certa vez por Leandro Daiello, chefe da Polícia Federal (PF) naquele tempo, da presença de procuradores dos Estados Unidos em Curitiba. Cardozo procurou Rodrigo Janot, o chefe da Procuradoria brasileira na época, para saber o que era aquilo. Ouviu que os americanos tinham vindo trazer um convite. Será?

As conversas vazadas de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol mostram que em ao menos uma ação de campo da Operação Lava Jato houve “articulação com os americanos”. A colaboração internacional, particularmente dos EUA, foi essencial à Lava Jato. E incluiu a atuação física de americanos no Brasil.

A presença deles aqui foi descrita pela procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, em um ofício de 28 de julho de 2018. Era uma resposta a uma requisição feita pelo líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), com base na Lei de Acesso à Informação. Os ministérios da Justiça e das Relações Exteriores também foram acionados pelo petista via LAI, mas se negaram a responder.

Segundo Raquel, “foi requerida a presença de agentes públicos estadunidenses em território brasileiro durante a realização das diligências” solicitadas pelos EUA como parte de “investigações sigilosas ocorridas em seu território, relacionados à empresa Odebrecht e a atos de corrupção transnacional sujeitos à sua jurisdição”.

Teria sido uma visita pontual? “O Departamento de Justiça tem procuradores e agentes estacionados em várias cidades no exterior, incluindo aqui no Brasil.” Palavras ditas em 24 maio de 2017, durante uma conferência realizada em São Paulo sobre corrupção, pelo PGR americano adjunto de então, Trevor McFadden, hoje juiz.

O Departamento de Justiça é equivalente ao nosso ministério. Foi esse órgão quem, segundo Raquel, pediu para mandar pessoal para cá foi. Nos EUA, a Procuradoria fica nesse Departamento. É provável que os “agentes públicos estadunidenses” que vieram para cá sejam procuradores de Justiça. Era sobre “procuradores” que o deputado Pimenta havia questionado a PGR.

De acordo com Raquel, os americanos trabalharam aqui em caráter coadjuvante. Tudo teria sido comandado por brasileiros. A “xerife” faz uma ressalva sutil no ofício de julho de 2018: foi assim ao menos até onde “o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal tiveram ciência“. Ou seja, os visitantes podem ter feito coisas que as autoridades brasileiras não souberam ou não quiseram saber.

A existência de colaboração do Departamento de Justiça dos EUA com a Lava Jato “não significa dizer que há um cérebro da Lava Jato fora do País, mas sim que ocorreram convergências de interesses entre agentes externos e internos”. É o que afirma um artigo acadêmico de maio de sete professores universitários (quatro da UFRJ e uma da UFABC, da UFBA e da UFRGS) que se propuseram a examinar a crise brasileira e a eleição de Jair Bolsonaro.

Para os autores, a convergência de interesses era basicamente desmontar o sistema político e econômico brasileiro. Aos EUA, isso interesava para que o Brasil não fosse voz ativa no cenário global nem tivesse grandes empresas no exterior. À Lava Jato, isso interessava para acabar com a teia de relações corruptas e promíscuas a juntar políticos e empresas.

“A colaboração com órgãos norte-americanos permitiu (à Lava Jato) acessar informações sobre os mecanismos de corrupção intrínsecas do capitalismo patrimonialista brasileiro”, diz o artigo. “A desestruturação das bases produtivas e institucionais brasileiras interessa sim aos agentes externos, especialmente aos norte-americanos e seu Estado nacional.”

O artigo lista exemplos de proveito tirado pelos EUA pós-Lava Jato: a liberação das multinacionais no pré-sal, a compra da Embraer pela Boeing, o acordo de uso da base de foguetes em Alcântara (Maranhão) e a desestabilização da atuação na América Latina e na África de empreiteiras como a Odebrecht.

Em telegrama ao Itamaraty em 12 de abril deste ano, o embaixador brasileiro em Angola, Paulino Franco de Carvalho Neto, relata reuniões com executivos da Odebrecht e da Queiroz Galvão. Para tocar obras angolanas sem grana do BNDES, torneira fechada devido à Lava Jato, as empreiteiras abriram sucursais na Europa. Pegam empréstimo europeu e prometem comprar bens e serviços lá.

Pior para o Brasil, segundo o telegrama.

Da Carta Capital