Com governo falido, Macri pede “nova chance” à direita
Mais do que o desempenho de Jair Bolsonaro, o que preocupa de verdade a direita latino-americana neste momento é a eleição na Argentina. Lá, uma derrota do presidente Mauricio Macri em outubro colocaria uma séria dúvida sobre a capacidade dos conservadores de criar no continente algo semelhante à onda vermelha da década passada.
Macri está a perigo, depois de um governo que começou bem, mas termina muito mal. No meio do caminho, uma crise econômica que pode devolver o poder à esquerda, no país representada pelo kirchnerismo. As pesquisas o colocam em empate técnico com Alberto Fernández, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice.
Thomaz Favaro, da consultoria de gestão de riscos Control Risks, diz que na prática pode-se falar em dois governos Macri. Um de 2015, quando foi eleito, a 2017, em que a expectativa que se criou de um presidente reformista, com ideias liberais na economia, se confirmou.
“Macri tomou uma série de medidas para melhorar a economia e o ambiente de negócios, acabando com o controle de capitais e as dificuldades para comprar dólares e repatriar dividendos. Também eliminou impostos de exportação e promoveu medidas de combate à corrupção, como a Lei do Arrependido [equivalente à nossa delação premiada]”, afirma Favaro, que é diretor de análise para o Brasil e o Cone Sul da consultoria britânica .
Esse otimismo culminou, em outubro de 2017, com uma vitória acachapante de Macri e sua coligação Cambiemos nas eleições congressuais de meio de mandato.
Mas aí veio a segunda parte do governo e começa tudo a dar errado. O cenário externo muda abruptamente, com o aumento da taxa de juros nos EUA e o início da guerra comercial de Trump com a China. Subitamente, os capitais externos somem dos emergentes, e países muito expostos a dívidas em dólar sofrem de maneira especial. A Argentina, por exemplo.
Para horror dos liberais que tanto vibraram com sua vitória, Macri foi obrigado a pedir socorro ao FMI e fazer um congelamento de preços. A inflação está em alta e a economia deve registrar o segundo ano seguido de contração.
Apesar dos percalços, Macri vai tentar de novo se colocar como o candidato da direita. Mas agora há uma diferença: se em 2015 ele era um direitista puro-sangue, agora precisou fazer uma concessão a setores mais centristas, colocando como candidato a vice Miguel Pichetto, integrante de uma ala moderada do partido peronista (o mesmo de Fernández e Cristina).
“O fato de Macri estar concorrendo contra o kirchnerismo o faz manter esse discurso de candidato da direita, apesar da contradição de adotar medidas da cartilha populista”, diz Favaro.
Do outro lado, Fernández também está modulando o discurso de esquerda que marcou Cristina, afirma o analista. Ele propõe um retorno às políticas ortodoxas do governo de Néstor Kirchner, marido de Cristina morto em 2010, de quem foi chefe de gabinete.
“Durante os primeiros anos da Presidência de Néstor [2003-7], havia vários elementos ortodoxos, que aos poucos foram dando lugar a políticas populistas. Alberto está tentando retornar aos primórdios do kirchnerismo”, diz Favaro.
Assim, teremos um candidato de direita (Macri) um pouquinho menos direitoso, e um candidato de esquerda (Fernández) um pouquinho mais direitoso (ou menos esquerdista). A disputa promete ser boa. Em 11 de agosto, acontece uma prévia da peleja, com a realização das primárias, quando eleitores vão às urnas oficializar quem querem como candidatos. O mundo político fica de olho para saber quantos votos cada candidato teve para tentar extrair uma tendência da eleição.
E a extrema direita, onde entra nesse debate? Não entra, na verdade. Na Argentina, falta um Bolsonaro com viabilidade eleitoral. Quem mais se aproxima é o deputado Alfredo Olmedo, defensor de valores conservadores.
Ele bem que tentou ser candidato a presidente, mas não conseguiu. Para Favaro, é difícil reproduzir em outros países o que aconteceu aqui no ano passado. “O Bolsonaro normalizou um fenômeno que na verdade não é tão simples de acontecer”, afirma.
Da FSP