Bolsonaro perde apoio entre políticos, empresários e artistas

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Foto: MARCOS CORRÊA/PR

Às vésperas de completar nove meses, estreita o círculo de apoiadores do presidente. Ex-ministros, parlamentares, empresários e comunicadores – alguns deles cabos eleitorais de Bolsonaro no ano passado – agora se distanciam ou rompem com o presidente. Houve demissões motivadas por divergências e brigas com a família Bolsonaro e pretensões eleitorais para 2022 levaram aliados táticos do presidente, como os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB); e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), a se afastarem.

Para defender os filhos Carlos, vereador, Eduardo, deputado, e Flávio, senador, o presidente tomou decisões que desagradaram influenciadores digitais alinhados com a Lava-Jato. Foi o caso das defecções mais recentes, motivadas pela indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela oposição do governo à criação da CPI da Lava-Toga no Senado.

Os dois movimentos foram lidos como “anti-Lava-Jato” por representantes da direita que apoiavam Bolsonaro. O presidente elegeu-se com discurso anti-corrupção e de apoio à operação. Eleito, Bolsonaro empossou ministro da Justiça o juiz responsável pela Lava-Jato e pela prisão de Lula, Sergio Moro.

A CPI da Lava-Toga poderia atingir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Políticos e influenciadores digitais da direita são a favor da CPI, mas o governo trabalhou para barrá-la. A crise culminou com a saída da senadora Selma Arruda (MT) do PSL, depois de receber o pedido de Flávio para que retirasse a assinatura pela criação da CPI. “Ele falou comigo num tom meio estranho. Eu me recuso a ouvir grito, então, desliguei o telefone”, disse Selma. Em nota divulgada em seguida, Flávio disse que “jamais gritaria ou trataria mal” a colega. Juíza aposentada, Selma migrou para o Podemos e afirmou em entrevista à revista “Época”: “O bolsonarismo é como se fosse uma seita.”

O Podemos tenta obter o espólio da briga no PSL, ao sondar também o senador Major Olímpio (SP), outro apoiador da Lava-Toga que se opôs a Flávio, e até mesmo Moro, caso ele seja escanteado do governo e busque legenda para concorrer ao Planalto em 2022.

O caso da CPI motivou o afastamento de empresários como Gabriel Kanner, presidente do Instituto Brasil 200, grupo de executivos simpáticos ao governo. Kanner disse em entrevista recente à “Folha de S. Paulo” que Bolsonaro faz “malabarismos intelectuais” para defender “posturas que não são corretas”. “Flávio Bolsonaro pedindo para retirar assinaturas [da CPI] é um absurdo”, escreveu Kanner no Twitter. “Estamos vendo um racha na direita entre os que defendem a verdade e os que defendem um projeto de poder.”

Paulo Marinho, empresário que cedeu casa, carro e até cozinheira a Bolsonaro na campanha, já havia declarado sua mudança de time em junho. Marinho, que é suplente de Flávio Bolsonaro, filiou-se ao PSDB e declarou apoio à possível candidatura de João Doria à Presidência em 2022.

A articulação de Doria para se viabilizar ao Planalto em 2022 fez com que durasse pouco a boa fase com Bolsonaro. O tucano apoiou no segundo turno o então candidato do PSL e lançou o voto “Bolsodoria”, para colar na popularidade do ex-militar. Empossados, os dois chegaram a fazer flexões juntos em evento em São Paulo e trocaram elogios.

O primeiro ataque partiu do presidente, que lançou suspeitas sobre uma linha de empréstimos do BNDES que foi usada por Doria e diversos outros empresários para adquirir aeronaves. Bolsonaro seguiu com as críticas e reclamou nas redes sociais de não ter sido creditado quando Doria anunciou investimento da montadora Toyota em São Paulo. O governador decidiu rebater: “Recomendo neste caso que o presidente trabalhe mais e tuíte menos”, afirmou, em entrevista coletiva durante sua viagem ao Japão. O fim da relação foi selado quando Doria chamou o discurso de Bolsonaro na ONU, na terça-feira, de “inoportuno e inadequado”, sem “bom senso ou humildade”, ao falar com jornalistas no Palácio dos Bandeirantes em São Paulo.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) tomou atitude semelhante e quase concomitantemente – ele tem o mesmo interesse de Doria nas eleições de 2022. Há duas semanas, Witzel criticou o presidente por falta de liderança e o responsabilizou pela lentidão da recuperação econômica do país, em palestra para executivos e empresários em São Paulo.

A controvérsia sobre a CPI da Lava-Toga colocou à distância de Bolsonaro ainda personagens influentes nas redes sociais, como o youtuber Nando Moura, que tem 3,4 milhões de seguidores, e os líderes do Movimento Brasil Livre (MBL) Kim Kataguiri (DEM-SP), deputado federal, e Arthur do Val (DEM-SP), deputado estadual em São Paulo. “Eu tenho lado e eu sou a favor da CPI”, disse Arthur, conhecido como Mamãe Falei, em vídeo na semana passada.

No início do mês, o deputado estadual havia classificado como “péssima” a decisão de Bolsonaro de indicar Aras para a PGR. “É unânime [na direita]. Ninguém quer esse cara lá.”

A bronca de Kim começou com Eduardo Bolsonaro. O estopim foi a indicação, em julho, do filho do presidente para embaixador do Brasil em Washington, nos Estados Unidos. A possibilidade irritou também o apresentador e humorista Danilo Gentili, antes defensor de Bolsonaro. Kim apresentou emenda em projeto sobre nepotismo para incluir na prática indicações para o corpo diplomático. “É absurdo. O cara não tem capacidade técnica”, afirmou Kim em vídeo veiculado no YouTube. “Ainda que ele tivesse capacidade, ele não deveria ser porque ele é o filho do presidente.”

A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que chegou a ser cotada para vice de Bolsonaro no ano passado, passou a caminhar na direção contrária dele antes mesmo das eleições. A advogada, co-autora do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, surpreendeu ao discursar na convenção nacional do PSL. Janaina pediu aos correligionários tolerância e moderação e disse que ninguém precisava seguir Bolsonaro. “Não se governa a nação com um pensamento único”, disse, em julho do ano passado. “Minha fidelidade não é a Jair Bolsonaro, mas ao meu país.” A deputada manteve desde então o tom crítico. Ela usa o Twitter diariamente para opinar sobre cada passo do governo Bolsonaro e do Congresso. Pela rede social, manifesta nas últimas semanas apoio aos senadores que assinaram a petição para criar a CPI da Lava-Toga e pediu a substituição do líder do governo na Casa, Fernando Bezerra, alvo de operação da Polícia Federal.

Outro cotado para vice de Bolsonaro, o ex-senador Magno Malta (PR-ES) foi deixado pelo caminho quando o amigo chegou ao Planalto. “A amizade não vai acabar porque durante dois meses da eleição eu achava que ia ser ministro e eu não fui ministro”, disse o ex-senador em entrevista em dezembro ao portal “The Intercept”. Depois do baque, porém, Magno anunciou que deixaria a política. Pastor evangélico, Malta liderou uma roda de oração de mãos dadas com o presidente eleito, na casa de Bolsonaro, no Rio, antes do discurso da vitória.

Nesse dia, logo atrás do ex-senador estava Gustavo Bebianno, que se tornaria ministro da Secretaria-Geral da Presidência. O advogado comandou o PSL durante a campanha de Bolsonaro. “Éramos íntimos de sentar de cueca para conversar na beira da cama”, contou Bebianno ao Valor em julho. O advogado ficou dois meses no governo. Saiu “demitido por Carlos Bolsonaro”, de acordo com suas próprias palavras. O filho vereador do presidente chamou o então ministro de mentiroso nas redes sociais – e a partir daí a crise iniciada pela denúncia de candidaturas laranja no PSL se aprofundou.

Também foi alvo da influência de Carlos o ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Alberto Santos Cruz. As decisões do general na área de Comunicação do governo incomodavam o vereador, que sempre atuou como um assessor informal do pai nas redes sociais e entre blogueiros de direita.

Divergências políticas derrubaram ainda quadros exclusivamente técnicos, como dirigentes dos Correios, do BNDES, da Funai e da Secretaria de Comunicação. O último a cair foi Marcos Cintra, ex-secretário da Receita, responsável pela proposta de reforma tributária do governo.

Cintra propôs criar um imposto semelhante à extinta CPMF. Diante da repercussão negativa do assunto, Bolsonaro decidiu, do hospital, ordenar a demissão de Cintra.

Do Valor