Maioria defende proteção de florestas onde vivem índios isolados
A maior parte dos brasileiros é favorável à proteção de florestas onde se encontram tribos indígenas isoladas, aponta pesquisa Datafolha.
A pesquisa Datafolha, feita em parceria com o ISA (Instituto Socioambiental), mostra que 93% dos brasileiros é a favor de políticas públicas que reforcem a proteção de florestas para garantir a sobrevivência de índios isolados. O levantamento foi feito entre 4 e 6 de junho deste ano em 168 municípios de todo o país. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), há cerca de 114 registros de índios isolados na Amazônia Legal.
Em seu discurso na 74ª Assembleia Geral da ONU , porém, Jair Bolsonaro (PSL) disse que há 70 tribos vivendo em locais isolados. A reportagem pediu esclarecimentos ao Planalto mas não obteve resposta até a publicação do texto.
O presidente disse ainda que “pessoas de dentro e de fora do Brasil, apoiadas por ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas”.
O tema aparece com frequência em seus discursos desde a campanha presidencial. Bolsonaro já afirmou mais de uma vez que não demarcará novas terras indígenas e defende que as áreas protegidas sejam usadas para produção e aproveitamento mineral —ideia rejeitada pela maioria dos brasileiros.
Adriana Ramos, assessora do programa de política e direito socioambiental do ISA, afirma que o discurso do governo Bolsonaro incentiva as invasões a terras indígenas e que os povos isolados são os mais frágeis nesse contexto.
“São terras onde as populações não estão atentas a esses movimentos de fora”, diz Ramos, que cita as terras indígenas Ituna/Itatá, no Pará, e Arariboia, no Maranhão, como exemplos de áreas em que há tribos isoladas e que estão sofrendo invasões.
Os primeiros nove meses do governo Bolsonaro apresentaram essa explosão de invasões, segundo mostra levantamento do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que é vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
Enquanto em 2018 foram registrados 111 invasões em 76 terras indígenas, de janeiro a setembro deste ano, o número saltou para 160 invasões em 153 terras indígenas.
No último sábado (21), a principal base da Funai de proteção a índios isolados, no Vale do Javari, no Amazonas, foi atacada a tiros. O ataque —o quinto desde o ano passado— aconteceu após um grupo de invasores ser surpreendido tentando invadir a terra indígena.
O líder indígena marubo Manoel Barbosa disse à Folha que funcionários da Funai e indígenas estão sob ameaça no local.
Segundo Fany Ricardo, antropóloga do ISA, um agravante no possível contato com as populações indígenas isoladas é o risco da disseminação de doenças e mortes dos índios, devido à falta de anticorpos contra alguns micro-organismos.
“Esses índios podem ser exterminados sem nem sabermos”, diz Ricardo.
A pesquisa Datafolha também apontou que 88% dos brasileiros acreditam que os povos indígenas devem ser consultados sobre caso de obras que impactem diretamente suas terras.
De acordo com o relatório da Lei Geral de Licenciamento, que tem o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) como relator, só seriam passíveis de licenciamento ambiental as obras que tiverem impacto em terras indígenas já homologadas. Dessa forma, o processo não se faria necessário em áreas em processo de demarcação.
Hoje, há 305 povos indígenas no Brasil, 408 terras homologadas e outras 821 em processo de demarcação ou que foram reivindicadas.
Após o protesto de entidades ambientais, houve a inclusão no relatório do deputado da consulta a povos indígenas nos licenciamentos que afetem seus territórios. O documento final de Kataguiri ainda não está pronto. Uma vez concluído, precisa ser pautado para votação na Câmara.
Hoje, segundo Raul Valle, diretor de justiça socioambiental do WWF-Brasil, o licenciamento é mais abrangente, levando em conta terras além das homologas. O especialista diz que o processo passa a considerar o território a partir do momento em que há um relatório de identificação da terra indígena assinado pela Funai —ou seja, se há um polígono definido mostrando a presença de índios na área.
“Já dá para exercitar, do ponto de vista do licenciamento, os cuidados, as condicionantes, a avaliação necessária, e a consulta prévia”, diz. “Se eu que existe, eu levo em consideração. Saber que existe não necessariamente significa que a área está homologada. Não é um critério formal, é critério real.”
Ramo, ao analisar os dados da pesquisa Datafolha, diz que “considerando a tentativa de demonstrar que as terras indígenas são improdutivas e o desenvolvimento deveria se sobrepor, chama a atenção a manutenção do respeito aos indígenas”.
Da FSP