Pirando a madame

Crônica, Humor

 

Passo no Pão de Açúcar da Abílio Soares pra comprar os ingredientes da noite romântica que engendrei.

Depois que os filhos foram viver suas vidas, a patroa, vira e mexe, fica deprimida. É a boa e velha síndrome do ninho vazio.

Meia garrafa de vinho chileno, água mineral com gás, camarões-cinza pré-cozidos, salame à pimenta fatiado, queijo gouda com ervas, bolinhos de bacalhau e tortinha de palmito.

Chego ao caixa e o senhor que me olhava enquanto comprava os camarões, arrisca:

– O senhor não é o Eduardo Guimarães?

Sorrio:

– Ele mesmo…

– Sou seu leitor. Estava lendo seu blog justamente agora…

Aponta a tela do celular para o meu rosto e lá está o Blog. E comenta:

– Estamos mudando a imprensa deste país.

– Espero que sim…

– Você faz um grande trabalho.

– Obrigado, você é muito gentil. Como é seu nome?

– Pedro Taques

Acho que é assim que se escreve…

Vou me despedindo, que já pagara a conta. Pedro me pede uma foto, que tem mais “fãs” que leem o blog em casa…

O empacotador sorridente tira a foto de nós dois abraçados. Outras pessoas ficam olhando, perguntando-se quem seria eu.

É um supermercado de “bacanas”. Caro pra burro. Só fui lá porque, àquela hora, era o único aberto…

Despeço-me do Pedro. Chega o elevador. Uma madame, olhar frio, altivo, mais joias que mulher, entra comigo.

Enquanto descemos, pergunta-me se sou escritor ou jornalista. Fico com a opção mais fácil, jornalista.

– Ah, que bom. Os jornalistas estão fazendo um ótimo trabalho contra esse PT, esse Lula horroroso, essa Dilma…

Sorrio, mudo. Olhando-a nos olhos. Dizer o que, né?

Ela:

– Onde o senhor trabalha.

O meu lado sombrio aflora e não resisto:

– Na Veja.

– Ah, que maravilha!! Adoro o que vocês escrevem contra o PT. Parabéns.

Sinto-me o homem mais perverso daquele elevador e, mais uma vez, não resisto.

– Ah, mas as coisas vão mudar, lá. A senhora sabe, o meu patrão faleceu há algum tempo. Ele é que não gostava do PT. Os herdeiros vão mudar a linha editorial. A Veja vai virar petista. Espere a edição da semana que vem, pra senhora ver…

Pobre madame. O sorriso e a voz desapareceram. Pareceu-me um tanto quanto lívida, inclusive.

A porta do elevar se abre. Sorrio:

– Até mais, senhora.

Não há resposta, só perplexidade. Que aumenta quando me vê entrar no meu carrinho enquanto se dirige ao seu carrão, onde o motorista a espera segurando a porta que dá acesso ao banco de trás.

E eu, feliz da vida com a minha profunda maldade recém-perpetrada.