A última chance de Serra
Deus sabe como repudio a hipótese de alguém como José Serra se tornar presidente da República. Considero esse homem um perigo para o país. Se vencesse a eleição, o Brasil seria atirado em uma aventura imprevisível. Vaidoso e truculento, mostrou-se irresponsável a ponto de escolher um sujeito de cabeça vazia para ocupar uma posição em sua campanha como a de candidato a vice-presidente, sujeitando o país ao risco de ser governado por essa pessoa em caso de se eleger presidente.
Contudo, o que me entristece e desanima é assistir a uma campanha eleitoral como a que temos tido até aqui, ainda que a campanha em si só comece, para o conjunto da sociedade, a partir do início do horário eleitoral na televisão, acima de tudo. Acho que o Brasil merecia uma campanha melhor, com uma discussão séria sobre o rumo do país nos próximos anos.
Temos essa riqueza imensa que é o pré-sal para explorar, por exemplo, o que nos gera o magnífico problema de termos que discutir como investir e distribuir as centenas de bilhões de dólares que ainda brotarão da exploração dessa cornucópia dourada com que a natureza nos presenteou. Temos uma economia robusta e organizada que precisa continuar sendo gerida com a mesma competência com que tem sido até aqui para que possamos melhor aproveitar janela de oportunidade tão larga que a nação tem diante de si.
Em vez disso, qual é a discussão com que o candidato tucano e seus jornais, revistas, televisões, rádios e portais de internet têm brindado a sociedade? A discussão que dominou a imprensa amiga do tucano e o discurso dele durante todo o primeiro semestre foi, como tem sido há vinte anos, em torno de bobagens ideológicas e politiqueiras sobre o PT, Lula e, sobretudo, Dilma, persistindo na tática que tantas vezes se mostrou ineficiente de desmoralizar os adversários estigmatizando-os como corruptos, desleais e até pervertidos.
Na semana que termina, a “menina do Jô” Lúcia Hippolito teve uma nota sua publicada no blog do Noblat a qual dizia que o que o povo quereria, em campanhas eleitorais, supostamente seria “sangue”, ou seja, baixarias, acusações, arranca-rabos. O blogueiro excluiu o post pouco depois de ter sido publicado. Todavia, o texto revela o que se passa na cabeça dessa gente, a crença fundamentalista da direita na burrice popular, o desprezo que a elite nutre pelo povo.
Essa gente está redondamente enganada. Serra, principalmente. Até pode ter sido assim, um dia, mas hoje não é mais. Estão confundindo a mentalidade embotada do povo de São Paulo, a parcela da população brasileira mais exposta à imprensa tucana em todo país, com a do resto da sociedade brasileira.
Até faz sentido que São Paulo destoe tanto do resto da Federação. Foi dos Estados que menos colheram os benefícios do boom econômico e social brasileiro, e isso se deu por força da âncora tucana, de interesses políticos que impedem o meu Estado de aproveitar tudo o que o governo federal ofereceu ao resto do país desde 2003.
O mais irônico do fundamentalismo político paulista é que, ao adotar uma postura irracionalmente raivosa em relação ao metalúrgico alçado à Presidência, o povo de São Paulo pôs no governo do Estado um grupo político composto pela direita mais atrasada e truculenta do país, um bando de fanáticos que busca reproduzir o que há pior na feroz direita norte-americana. Gente avessa a distribuição de renda, que chama o Bolsa Família de “bolsa-miséria”, que odeia nordestinos e negros, que promove cruzadas na mídia e no judiciário para impedir negros pobres de irem à universidade…
As chances de Serra diminuem de forma tão drástica e acelerada porque quanto mais a tática do medo e da difamação pela mídia fracassa, mais ele insiste nela, mais obriga a imprensa conservadora, que vê nele uma amalucada “tábua de salvação” da elite que concentra renda, a promover essas campanhas de desmoralização da adversária. Nesse processo, excessos como o de caricaturar Dilma Rousseff como prostituta ou o de chamar o partido dela de “narcotraficante” acabam sendo inevitáveis, mostrando ao povo que não deve esperar do candidato conservador que se proponha ao debate sério sobre os rumos do país.
Mas não precisa ser assim. Serra tem a possibilidade de sair desta campanha eleitoral até maior do que entrou, mesmo que não vença a eleição. Poderia preservar… Ou melhor, preservar, não, mas lustrar a própria biografia, já que, como está hoje, não é lá muito edificante. Como ele poderia fazer isso? Meramente dando ao país um debate eleitoral decente, civilizado, respeitoso, que mostrasse estar preocupado em oferecer à sociedade um caminho alternativo claro.
Entretanto, já virou um truísmo dizer que Serra não tem o que propor ao país, até porque muito do que o seu projeto político encerra não é do interesse da sociedade, sendo um projeto de interesse das castas sociais brasileiras para redirecionarem o desenvolvimento para o Sul e para o Sudeste do país e para os interesses das grandes corporações empresariais, que, não por outra razão, em eventos durante o ano declararam apoio irrestrito ao tucano, conforme o farto noticiário disponível revela.
Na falta do que propor, o candidato do PSDB à Presidência se torna dependente de sua relação com as famílias Marinho, Civita, Mesquita e Frias e algumas outras menos importantes, donas de impérios de comunicação colocados a serviço do tucano para desmoralizar os adversários.
Esses grupos empresariais de comunicação, pela vez deles, dependem de produzirem resultados políticos para os aliados como forma de preservarem a influência que sempre exerceram sobre o poder no Brasil e que lhes permitiu se tornarem as potências econômicas que se tornaram, com milhares de empregados e faturamentos na casa das centenas de milhões de reais.
A última chance de Serra não é nem a de vencer a eleição, pois não consigo enxergar este povo se arriscando a pôr de novo no poder um grupo político que, quando governou, causou tanto sofrimento. É a chance de manter a dignidade na derrota e de não destruir o PSDB, ao menos, já que o DEM está com os dias contados. Serra pode usar a campanha eletoral na TV para debater problemas sérios que o país tem como o de não poder baixar os juros ou o de continuar sendo tão desigual.
Contudo, é um debate que não está ao alcance do tucano simplesmente porque contraria os interesses que ele representa e dos quais se propõe a ser mero despachante. Na impossibilidade de discutir o que interessa aos brasileiros, embrenha-se nesse matagal ideológico que não comove praticamente ninguém no Brasil. Ironicamente, portanto, Serra não terá como usar a última chance que tem de encerrar sua carreira política de forma menos patética.