Aumento da intolerância em SP
Da recente campanha eleitoral para presidente para cá, foi desencadeado um processo assustador de recrudescimento da intolerância em São Paulo. Assustador e inédito. Jamais se viu uma onda de preconceito, de racismo e de todo tipo de idéias fascistas como a que começou a engolfar o Estado nesse período.
Talvez o início de tudo tenha sido a onda de boatos sobre supostas opiniões da candidata Dilma Rousseff sobre o aborto. Essa suposta opinião de simpatia a medidas para descriminalizá-lo se converteu em intenção de matar “criancinhas”.
A tese de que propor descriminalização do aborto equivaleria a “matar criancinhas” foi divulgada publicamente pela mulher do candidato derrotado José Serra, como se sabe.
Apesar de não ter gerado violência, a criminalização da idéia do outro sobre uma questão de saúde pública fez preconceitos religiosos levantarem-se também em outras questões, como a homossexualidade.
Mais uma vez, o candidato José Serra deu opiniões do agrado dos movimentos religiosos fundamentalistas que tentaram impedir a eleição de Dilma por ela ter declarado ser favorável à não se processar criminalmente mulheres que praticassem aborto. O tucano disse ser contra a lei que torna crime criticar a homossexualidade.
Na noite de 31 de outubro último, ao fim do processo eleitoral, jovens de classe média alta de São Paulo passaram a publicar mensagens de ódio contra nordestinos e negros, “acusando-os” de serem “responsáveis” pela vitória da candidata do PT a presidente.
Há algumas semanas, em São Paulo, mais uma vez jovens de classe média alta, em plena avenida Paulista, perpetraram ataques em série a homossexuais e a supostos homossexuais.
O ódio forjado por dogmas religiosos se espalhou para os outros tipos de preconceitos. O discurso racista, homofóbico e fundamentalista cristão saiu da obscuridade das rodinhas das festas dos mais bem aquinhoados dos bairros nobres de São Paulo para as ruas dessas regiões da capital paulista.
Do mais pobre ao mais rico, dos jovens aos mais maduros, nota-se um rancor generalizado contra tudo aquilo que representa o que boa parte do povo do Estado economicamente mais desenvolvido – e socialmente mais injusto – da federação acredita serem “valores” da “família”.
Política e religião aliaram-se ao ódio racial e cultural. Prolifera uma crença doentia em um absurdo “direito de opinião” que consiste, no entender dessa corrente de pensamento, em insultar, ameaçar a até agredir os que achem que infringem tais dogmas fundamentalistas.
No último fim de semana, na mesma avenida Paulista, aconteceu de novo. Ao saírem de uma danceteria gay, dois jovens foram espancados violentamente por estarem de mãos dadas. Os agressores também eram jovens de classe média. E o que é pior: havia duas garotas no grupo.
Na imprensa paulista, continuam os incentivos a esse tipo de ódio de parte da população local. Carta de leitor publicada hoje pelo jornal Folha de São Paulo situa-se no limite tênue entre o direito de opinião e o crime de racismo. Por penoso que seja, é preciso ler a nota:
Folha de São Paulo, 7 de dezembro de 2010.
Painel do Leitor
“Acredito que omeletes sejam feitos com ovos quebrados. Se não se quebram os ovos, nada de omelete.
Como se pode tratar um câncer como o do Complexo do Alemão estritamente dentro da lei?
Se resolvêssemos observar as leis, Hitler ainda estaria dando as cartas. Em guerras, ocorrem baixas, principalmente de civis.
Se foram de pardos ou negros, paciência…
Ou talvez fosse melhor mesmo deixar tudo como está?”
LUIZ CARLOS S. DE MACEDO (São Paulo, SP)
O que esse indivíduo está pregando, pura e simplesmente, é o assassinato de “pardos ou negros” e a aberta violação da lei. O jornal, ao reproduzir essa nota, torna-se co-autor de um crime. Sua conduta explica claramente o processo que ocorre em São Paulo.
Ninguém vai fazer nada. Ficará assim? A sociedade brasileira permitirá que o povo de seu Estado economicamente ainda mais relevante se converta em uma legião de débeis mentais capaz de cometer crimes hediondos como se estivesse indo à missa?