Para civilizar o ‘Velho Oeste’ digital
O avanço tecnológico das comunicações, essa maravilha do mundo moderno, finalmente vai revelando a contrapartida que têm todas as coisas nesta vida, do bom para o mau ou vice e versa. O surgimento das redes sociais na internet, por exemplo. Ou a interatividade entre páginas da rede e o público leitor e a possibilidade que tais páginas deram a este para se expressar publicamente.
É como se finalmente a humanidade pudesse se olhar no espelho, vendo beleza e feiúra da alma humana, a generosidade e a mesquinharia, o idealismo ou a perversão, o amor e o ódio, enfim, a plenitude de tudo o que há de bom e de ruim em cada um de nós.
A possibilidade de dizer o que se pensa sem medir conseqüências por conta de uma sensação de proteção que a internet nos dá devido às conseqüências efetivas de nossos atos não ocorrerem com a mesma velocidade que no mundo físico vem mostrando o homem como ele é, ou seja, um poço de contradições entre o bem e o mal.
O recente caso dos jovens que, no dia da posse de Dilma Rousseff na Presidência da República, pediram, com sofreguidão, que ela fosse assassinada por um franco-atirador, revelou quão mesquinho e irresponsável alguém pode ser. E quão inconsciente sobre os direitos e garantias individuais e coletivos, bem como sobre o direito de cada um de viver como bem lhe pareça desde que não interfira de qualquer maneira nas vidas alheias.
Seria ocioso citar todos os casos espantosos que ocorrem diariamente na internet, tais como bullying, difamação, pedofilia, golpes e crimes de todo tipo. Todos sabem quantas barbaridades vêm surgindo em escala crescente. E de como as pessoas se conflagram por conta até de uma frase irrefletida postada na rede.
Como em toda reflexão que valha a pena, portanto, esta aqui tem a pretensão de apontar caminhos, por mais que mentes brilhantes já estejam se ocupando da questão. Todavia, como de qualquer debate sempre emana ao menos um fio tênue de luz, provocá-lo pode fazer surgir alguma coisa que valha a pena e que possa ser aproveitada.
Diante dos horrores que vêm surgindo na internet, praticados por gente que se vale do anonimato – ou da sensação de – para cometer crimes, pregar crimes ou fazer tudo aquilo acima descrito, o projeto de lei de autoria do senador tucano Eduardo Azeredo, que ficou conhecido como “AI-5 digital”, obriga a sua discussão desapaixonada, pois dizer que se trata só de tentativa de censura parece não caber completamente.
É possível que a internet continue permitindo as barbaridades que tem permitido? Esta é a grande questão, porque as pessoas parecem não estar sabendo fazer uso do poder que a humanidade inteira ganhou de qualquer um se manifestar em um meio de comunicação de massas como é a rede.
Quando se olha para essa terra de ninguém em que se transformou a rede mundial de computadores, a primeira lembrança que vem é a do Velho Oeste norte-americano, período histórico em que cada um fazia a lei com as próprias mãos e desprezava as leis formais ao seu bel prazer.
Os assassinatos ocorrem na rede tais como ocorriam no Velho Oeste. Um “olha” feio para o outro e saca o seu revólver virtual e dispara primeiro e pergunta depois. Só que, em vez de assassinatos vitais, são assassinatos morais, de reputação, de imagem, ou de afronta insuportável que deprime, humilha ou enfurece o outro, muitas vezes a ponto de trazer o conflito para o mundo físico.
Nesse aspecto, portanto, há, sim, o que discutir no projeto do senador Azeredo. Ainda que não seja exatamente o que ele propõe.
Nos Estados Unidos, por exemplo, no Estado da Califórnia, por estes dias entrou em vigor uma lei contra a identificação maliciosa na internet, tipificando como crime o ato de criar perfis falsos em redes sociais. A pena é de um ano de prisão, com fiança de mil dólares.
Ora, por que alguém cria um perfil falso no Twitter, por exemplo? Só se for para fazer o que fizeram os jovens que pregaram o assassinato de Dilma no último sábado.
Aliás, como bem percebeu o Luis Nassif, aqueles jovens insensatos teriam ficado impunes se este blog, percebendo que a página que publicara a denúncia não tinha maior visitação, não tivesse divulgado – aqui e no Twitter – o que estava acontecendo, atitude que desencadeou providências do procurador-geral da República e até do chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que anunciaram que investigarão o caso.
Mas e quanto aos milhares de perfis falsos em redes sociais como Twitter, Facebook, Orkut, ou nos próprios comentários de internautas em matérias de sites e blogs? Para combater esse tsunami de crimes virtuais seria preciso criar uma rede de blogs como este para ficar fiscalizando o tempo inteiro, o que por óbvio é impraticável.
Ontem mesmo, chegaram ao conhecimento do autor desta página novos perfis criminosos no Twitter. Um deles, chamado “Matem Dilma”; outro, chamado “Legalizem o estupro”; e mais outro, “Sim à homofobia”.
O autor deste blog visitou um por um. Ainda têm pouca difusão. Até o momento, têm dois ou três seguidores. Porém, não sendo denunciados da forma como este blog vem fazendo, crescem. Em novembro, esta página desmontou um perfil falso no Twitter que tinha 18 mil seguidores. Foi criada por um neonazista com longo histórico de crimes em redes sociais. Pregava homofobia, racismo, xenofobia etc.
Após o Blog da Cidadania fazer a denúncia, o perfil começou a minguar, porque os seguidores passaram a deixar de segui-lo, e em menos de 24 horas o autor apagou o tal perfil.
Contudo, na internet é muito difícil de apagar os “rastros” que se deixa ao navegar. Tome-se o caso das ameaças a Dilma. O post que denunciou o caso e gerou as providências das autoridades recebeu mais de 400 comentários e mais de 800 repasses de seu conteúdo pelo Twitter. Qualquer um consegue traçar todo o histórico do caso na internet, portanto.
Essa possibilidade de rastrear conteúdos na internet, porém, é subutilizada devido ao fato de que dá muito trabalho identificar perfis anônimos ou falsos. Há que conseguir ordens judiciais, gastando tempo e dinheiro.
Além disso, as centrais de denúncias na internet, como o Safernet ou os sites do Ministério Público ou da Polícia Federal recebem milhões de denúncias todos os meses. É impossível abrir tantos processos demorados e custosos, muitas vezes para apenar suavemente os infratores depois de longos processos após uma maratona para identificar o autor.
A discussão e o estabelecimento de leis para internet, portanto, não pode ser meramente considerada ímpeto sensor. Poder-se-ia, por exemplo, criminalizar a criação de perfis falsos, porém garantindo o anonimato até que uma denúncia formal seja feita, sendo que o autor da denúncia estaria obrigado a se identificar, tendo que se responsabilizar pelo que denunciou.
O que não se pode mais é deixar de civilizar o Velho Oeste digital. Essa nova fronteira que é a internet, da qual o homem mal começa a explorar as possibilidades e a extensão, precisa de leis de convívio social tanto quanto o mundo físico, pois os danos que podem ser causados no mundo virtual certamente se transportam para a vida real.