Dilma desafia direita e veste “saia justa”
Saiba, em três atos, como a presidenta Dilma, que cada vez mais vai se mostrando avessa à política discursiva, parece que irá recorrer à política gestual, de maneira a efetivamente exercer a liderança política inerente ao cargo ao qual foi guindada por sólida maioria dos eleitores brasileiros.
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1º ATO
FOLHA DE SÃO PAULO, 25 de janeiro de 2011
ELIANE CANTANHÊDE
Lenço justo, saia justíssima
BRASÍLIA – Ao desembarcar em Buenos Aires no dia 31 para sua primeira visita internacional depois de eleita, Dilma Rousseff vai enfrentar a maior saia justa -ou melhor, o maior lenço justo.
A Argentina revogou a anistia para permitir que os torturadores da ditadura fossem julgados e punidos. Aqui, diferentemente, o Supremo acaba de ratificar, digamos assim, a Lei da Anistia de 1979.
E se Dilma for chamada a meter na cabeça um daqueles lenços das Mães da Praça de Maio, que desde os anos 1970 cobram justiça e informações sobre o paradeiros de seus filhos e netos? Que interpretação isso terá em Brasília e arredores?
Como mulher, democrata e ex-guerrilheira torturada na juventude, Dilma não pode recusar o lenço, denso de simbologia. Mas, no Brasil, não há consenso para a revisão da Lei da Anistia e a questão não está em pauta neste início de governo, quando Dilma tem outras prioridades. Inclusive não criar turbulências políticas.
O mais provável é um acordão bem costurado entre o Planalto, a Casa Rosada e as duas chancelarias para que Dilma passe ao largo do lenço e do constrangimento. Combinar com “as adversárias” vai ser fácil, porque as Mães da Praça de Maio, líderes da justiça e da luta pelos direitos humanos, foram cooptadas pelo casal Kirchner. Se antes se reuniam na praça, agora tomam chá dentro da Casa Rosada e fazem oposição à oposição.
Mais ou menos como ocorreu no Brasil, onde MST, CUT, UNE e os chamados “movimentos sociais” se recolheram no governo Lula, negligenciando como força de pressão e de cobrança para dizer “amém”.
Ao meter o boné do MST na cabeça, Lula provocou uma discussão infindável -e estéril- no seu primeiro ano de governo. Ao pisar na Argentina, Dilma terá de saber se quer ou não usar o lenço branco e que tipo de consequência pretende provocar internamente.
É bem mais do que só saia justa.
2º ATO
CARTA CAPITAL, 28 de janeiro de 2011
MINO CARTA
O fantasma fardado e outras histórias
A presidenta Dilma Rousseff parte dia 31 para uma visita a Buenos Aires e está previsto seu encontro com as “mães da Plaza de Mayo”, as valentes cidadãs argentinas cujos filhos foram assassinados ou desapareceram durante a ditadura. Hoje elas frequentam a Casa Rosada, recebidas pela presidenta Cristina Kirchner, em um país que puniu os algozes, a começar pelos generais ditadores.
Há quem diga e até escreva que Dilma se expõe ao risco de uma “saia-justa” (não aprecio a enésima frase feita frequentada pelos nossos perdigueiros da informação, mas a leio e reproduzo) ao encontrar as mães da praça. Quem fala, ou escreve, talvez funcione como porta-voz de ambientes fardados. Ocorre, porém, que a reunião foi solicitada pela própria presidenta do Brasil, e ela sabe o que faz.
No discurso de posse, Dilma mostrou-se orgulhosa do seu passado de guerrilheira e homenageou os companheiros mortos na luta. Conta com o aplauso de CartaCapital. Foi o primeiro sinal de um propósito claro do novo governo: aprofundar o debate em torno das gravíssimas ofensas aos Direitos Humanos cometidas ao longo dos nossos anos de chumbo. O encontro de Buenos Aires confirma e sublinha a linha definida pela presidenta, a bem da memória do País.
Cada terra tem suas características, peculiaridades, tradições. O Brasil não é a Argentina. Ambos foram colônias. Nós padecemos, contudo, três séculos de escravidão. A independência não veio com a rebelião contra a metrópole e sim graças aos humores contingentes de um jovem príncipe brigado com a família. A república foi proclamada pelos generais. A resistência e a luta armada na Argentina tiveram uma participação bem maior do que se deu no Brasil, e nem por isso o terror de Estado deixou de ser menos feroz aqui do que no Prata.
Já li mais de uma vez comparações entre o número de mortos e de desaparecidos brasileiros e argentinos, de sorte a justificar que a nossa foi ditabranda. Bastaria um único assassinado. A violência, de todo modo, foi a mesma, sem contar que os nossos torturadores deram aulas aos colegas de todo o Cone Sul, habilitados por sua extraordinária competência. Se a repressão verde-oliva numericamente matou, seviciou e perseguiu menos que a argentina foi porque entendeu poder parar por aí.
Fernando Henrique Cardoso disse na terça-feira 25 ao Estadão ser favorável à abertura dos arquivos da ditadura. Surpresa. Foi ele, antes de deixar a Presidência, quem referendou a proposta do general Alberto Cardoso, que comandava seu gabinete da Segurança Institucional, de manter indevassável a rica documentação por 50 anos. No elegante português que o distingue, FHC agora declara: “Aquilo ocorreu no meu último dia de governo e alguém colocou um papel para eu assinar lá”. Deu para entender que alguém pretendia enganá-lo e que o presidente assinava sem ler. Resta o fato de que, ao chegar ao poder, o príncipe dos sociólogos recomendou: “Esqueçam o que eu disse”. Dilma teve um comportamento de outra dignidade. E não há como duvidar que saberá dar os passos certos na realização da Comissão da Verdade.
Certos significa também cautelosos, sempre que necessário. E sem o receio da “saia-justa”. Adequados a tradições que, infelizmente, ainda nos perseguem. Colonização predatória, escravidão etc. etc. As desgraças do Brasil. E mais, daninha além da conta, o golpe de 64 a provar no País a presença insuportável de um exército de ocupação, pronto a executar os planos dos Estados Unidos com a inestimável colaboração da CIA e a servir às conveniências dos titulares do privilégio e seus aspirantes. Os marchadores com Deus e pela liberdade. Que Deus e que liberdade é simples esclarecer.
O fantasma brasileiro é fardado e não há cidadão graúdo que não o tema, e também muitos miúdos. Todas as desculpas valem, na hora em que se presume seu iminente comparecimento, para, de antemão, cancelar o debate ou descartar as soluções destinadas a provocá-lo. Nada disso é digno de um país em ascensão e de democracia conquistada. Carta-Capital acredita que a presidenta saberá exorcizar o fantasma sem precipitar conflitos. Saias-justas, se quiserem.
3º ATO
PORTAL TERRA, 31 de janeiro de 2011
LARYSSA BORGES
Direto de Buenos Aires
Dilma: Avós da Praça de Maio identificam em mim o que perderam
A presidente Dilma Rousseff afirmou nesta segunda-feira que as Mães e Avós da Praça de Maio, mulheres que cobram o paradeiro dos desaparecidos políticos na ditadura argentina (1976-1983), identificaram nela uma maneira de se lembrarem dos filhos desaparecidos durante os anos de chumbo no país portenho.
Dilma, que em visita de trabalho a Buenos Aires recebeu 23 mulheres que compõem a organização, foi presenteada com dois protótipos de casas populares, similares a trailers, para poder estudar uma eventual aplicação daquele modelo de moradia popular no Brasil.
“Elas fizeram uma manifestação de imenso carinho por mim. De uma certa forma identificando em mim o que elas perderam ao longo dos anos”, disse a presidente na Base Aérea de Buenos Aires, ao deixar o país. Dilma foi uma sobrevivente da tortura durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). A mães e avós da Praça de Maio buscam localizar corpos e desaparecidos da ditadura argentina (1976-1983)
“Elas me explicaram que têm uma fundação, a Fundação das Mães da Praça de Maio, e me deram duas casas de um material desenvolvido por uma tecnologia que elas falaram que é delas, misturada com uma tecnologia italiana, de forma que você faz uma casa em muito pouco tempo. Elas me disseram que é bem barato. Se eu me interessar elas me dão o preço”, disse a presidente a respeito do projeto habitacional das mães e avós.
É muito interessante porque é uma casa reta e tem todos os elementos, cozinha, banheiro e quarto. Uma delas disse que o sorriso de uma criança é algo que para ela é impagável e por isso elas passaram a trabalhar na questão da fundação”, afirmou ainda, sobre os protótipos.
Além de manter viva a memória dos desaparecidos políticos, as Mães e Avós da Praça de Maio conseguiram, através de cruzamento de informações e exames de DNA, localizar 102 homens e mulheres arrancados dos pais militantes durante a ditadura.