Todos odeiam Kassab
De repente, a mídia começou a fazer reportagens bem ruins para o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Cracolândia, enchentes, congestionamentos e, acima de tudo, claro oportunismo kassabiano no âmbito do partido que está criando, o PDB, que deverá sugar as últimas gotinhas de sangue do exangue DEM.
Sempre é bom lembrar que o partido do qual Kassab pula fora tem um DNA – ou ADN, para ser politicamente correto – tenebroso. Ex-UDN, ex-Arena, ex-PDS, ex-PFL, agora o Democratas corre o risco de terminar 2011 com menos de 1/6 da bancada de deputados federais que tinha há uma década.
Os ataques demolidores que Folha, Veja, Estadão, Globo e penduricalhos já ensaiam contra Kassab só não aumentaram porque ele ainda está titubeando em sair do DEM, por mais que a situação pareça estar se configurando irreversível. Mas, como em política o que dizem tem a consistência de uma bolha de sabão, não me espantaria se o prefeito paulistano desistisse de desistir do que sobrou da direita após o tsunami eleitoral de 2010, que lhe varreu mais um belo naco do território político no Brasil.
Reportagens têm sido feitas, aliás, sobre a desidratação destra em curso neste país. No último domingo, a Folha de São Paulo publicou matérias com postulados bem significativos:
Direita ideológica some do quadro partidário brasileiro
Em crise no país, legendas liberais trocam de nome para tentar sobreviver
Militantes dizem faltar espaço para ideias de direita; especialista vê consenso social-democrata no Brasil
Além disso, um dos três grandes jornais que fazem a cabeça da direita brasileira trata com desdém e até pilhéria iniciativas para “resgatar a imagem da direita”, de novo com aquela história de que os demos e tucanos seriam, isso sim, de “esquerda”, assim como os generais que implantaram uma ditadura que cassou e detonou “comunistas” durante 20 anos:
Jovens de SP fundam grupo para ‘endireitar’ o país
Está difícil de endireitar o país quando os políticos de direita fogem do rótulo como o diabo da cruz. Isso porque a centro-direita tucana e a direita mais assumida demista foram arrasadas no pleito de 2010. E a sua máquina midiática de propaganda está sofrendo um ataque surdo que pode engolfá-la se prosseguir com seus antigos métodos.
Não é por outra razão que já faz quase três meses que Folha, Veja, Estadão ou Globo não inventam nenhum escândalo ou picuinha de monta contra o governo federal. Não consigo me lembrar de quando isso ocorreu em relação a um governo do PT.
Kassab, portanto, é o símbolo dos novos tempos na política brasileira, da coexistência pacífica da mídia com o novo governo do país. Ao mesmo tempo em que sua fuga do DEM revela o estado de destruição em que se encontra a direita, significa o golpe de misericórdia nas pretensões de José Serra de se manter politicamente vivo e influente.
A situação de Serra é tão difícil que até Fernando Henrique Cardoso baixou o tom, refugiando-se no antilulismo pré-diluviano, no mesmo barco que Eliane Cantanhêde, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo, Ricardo Noblat, Merval Pereira, Augusto Nunes e algumas outras figuraças da moribunda direita brasileira.
Logo, logo, porém, terão que deixar o antilulismo de lado e falar do presente. O silêncio de Lula lhes tira o fôlego.
A mídia, portanto, fica em um dilema. Apesar de estarem coexistindo pacificamente com o governo Dilma, até porque este já sinalizou que não quer brigar ou lhes fazer desfeitas, os Marinho, Civita, Frias, Mesquita e companhia limitada são de direita. Direitona mesmo. Não querem ficar sem partidos que os representem, como são PSDB e DEM.
Todavia, como atacar Kassab com força sem atingir José Serra, seu ex-padrinho político, sem a própria mídia se desmoralizar? Só débeis mentais não perceberiam que as críticas surgiriam de chofre, o que levantaria questionamentos sobre por que só estariam surgindo agora, no penúltimo ano do governo de seis anos do prefeito paulistano.
Por outro lado, se valer mesmo a lenda de que Kassab fundará o Partido Democrático Brasileiro (PDB), sigla meio megalômana que deixa entender que os outros partidos não são democráticos, e que depois o fundirá com o PSB, tempos difíceis se avizinham para o prefeito.
Luiza Erundina já deixou claro que, se Kassab entrar em seu partido, ela sai. Na esquerda, no PT, no PC do B, entre os movimentos sociais, entre os sindicatos, não consigo imaginar alguém passando a tratá-lo como “companheiro”. Aliás, muito menos na blogosfera progressista…
Não é rancor. É consciência de que se trata de um oportunista que esfaqueou seus companheiros, aqueles que o levaram onde está, na primeira oportunidade. Ou seja, vale o aviso espanhol: “Cria cuervos para que te coman los ojos”. Ninguém criará o corvo Kassab, pois.
Traidor da direita, inaceitável para a esquerda, Kassab já ensaia os primeiros movimentos de seu descenso previsível. Sem mídia, com o tamanho diminuto de sua gestão em São Paulo sendo progressivamente revelado, pode-se dizer que está se tornando odiado por gregos e troianos. Um picareta a menos na política, pelo menos.