A desindustrialização do Brasil
O sonho que o Brasil está sonhando quase unanimemente de se tornar uma potência industrializada, um país mais justo e sem miséria, é factível. Essa quase totalidade dos brasileiros tem razões para sonhar. Todavia, há uma barreira que separa este povo de seu sonho. É invisível para quase todos, mas está lá. E uma hora aparecerá.
Por suas dimensões continentais, pelas massas humanas que abriga em seu território imenso e rico em recursos naturais como poucos, o Brasil precisa atingir um patamar de desenvolvimento que, apesar de a maioria não saber, vai ficando cada vez mais distante. Um país como este não pode almejar se tornar o que almeja se não se industrializar.
Pode até se tornar um país de qualidade de vida média aceitável, mas, se não se industrializar, continuará sendo uma nação secundária. Com peso econômico, sim, porém sem condições de, pelo seu gigantismo, ocupar a posição que merece no concerto das nações.
A circunstância da economia brasileira é única na história. Não lhe falta dinheiro, recursos naturais, posição estratégica no cenário mundial, mas lhe falta uma estratégia de desenvolvimento. E é por falta dela que a indústria brasileira está morrendo. O Brasil está se desindustrializando.
O comércio exterior denuncia a real posição brasileira no mundo. Hoje, cerca de 70% do que o Brasil vende ao exterior são produtos básicos – grãos, minérios, petróleo. O resto são produtos manufaturados e semimanufaturados. Essa relação já foi de meio a meio. Nos últimos anos, foi se desequilibrando. E a situação só tende a piorar.
Aí, alguém dirá que, apesar de o Brasil estar caminhando para se tornar quase que exclusivamente um exportador de commodities (produtos básicos), fabrica de tudo e pode vender internamente, em seu vastíssimo mercado interno, assim como fez durante a crise econômica internacional de 2008/2009, quando o mundo parou.
Não é bem assim. A situação de nossa indústria manufatureira no mercado internacional reflete a sua debilidade, a sua incapacidade de competir com a produção dos outros países industrializados. E o que impede que a indústria brasileira seja dizimada pela competição externa são barreiras alfandegárias, pura e simplesmente.
Para os leigos: o Brasil cobra exorbitantes impostos de importação que encarecem os produtos industrializados estrangeiros, muito mais baratos. Ou seja: é como uma pessoa que só conseguisse levar a sua vida normalmente à base de drogas. Todavia, essa “droga” alfandegária irá perdendo o efeito.
Manter o mercado interno brasileiro protegido da importação de produtos fabricados no exterior e que poderiam ser vendidos por aqui, em certos casos, por um terço dos preços praticados pela indústria nacional, é uma medida que não pode ser mantida indefinidamente.
A Organização Mundial do Comércio (OMC), a grosso modo, regula o comércio internacional e dirime divergências entre os países por conta daquelas barreiras alfandegárias. E rege os cronogramas de desoneração das importações com os quais os países se comprometem.
É certo que há muita importação de tecnologia manufatureira. Máquinas e equipamentos entram sem parar no país de forma a modernizarem a indústria nacional. Contudo, nem toda a modernização possível e imaginável do parque industrial brasileiro será capaz prover condições de impedir o desaparecimento de indústrias.
Não haverá máquinas e equipamentos modernos que poderão dar conta de superar uma moeda que se valoriza como nenhuma outra e que vai fazendo dos produtos industrializados brasileiros os mais caros do mundo. E a valorização do real deve prosseguir porque ajuda a combater um mal que todos os governos julgam prioridade combater.
Estamos vivendo um processo de recrudescimento da inflação. Porém, ao contrário do que dizem aqueles brasileiros que torcem para o país ir mal porque querem que os conservadores voltem ao poder na esteira da desgraça nacional, a inflação é temporária. O algoz da indústria verde-amarela tratará de fazê-la baixar. Quem é esse algoz? O câmbio.
Eis o problema do país. Como o Brasil precisa exportar e não consegue vender produtos industrializados ao exterior, ampara-se nos produtos básicos supramencionados. Dessa exportação de matérias-primas decorre a entrada massiva de dólares no país. E, dela, a valorização do real.
Com o mercado interno encharcado de dólares, cai o preço da moeda americana. Caindo, o produto manufaturado brasileiro se torna mais caro. E, cedo ou tarde, o similar estrangeiro terá que entrar ainda mais do que já vem entrando. Então, o problema não é só o comércio exterior.
Neste momento, devido às barreiras alfandegárias ainda é possível a indústria brasileira se manter diante da estrangeira. A economia superaquecida gera uma demanda por produtos de tal ordem que cede espaço para que produtos caros subsistam. Com o tempo, porém, essa vantagem deve desaparecer. O mundo caminha para derrubar as barreiras tarifárias.
Proximamente, com o pré-sal fazendo jorrar dólares – esse petróleo destinar-se-á exclusivamente à exportação, pois o Brasil já produz tudo de que precisa –, o percentual de manufaturados na pauta de exportações deve diminuir ainda mais e o real cada vez mais valorizado continuará encarecendo os industrializados brasileiros.
No começo, serão as pequenas indústrias. Depois, as médias. Por fim, as grandes perderão o interesse em produzir no Brasil. Muitas, sobretudo as pequenas, quebrarão por falta de mercado.
Um projeto de país passa não só por impedir que a sua indústria se torne meramente decorativa – diminuta e localizada em nichos –, mas por industrializá-lo cada vez mais. O que se pode perceber, porém, é que nem governo, nem oposição sabem como operar esse milagre.
Tudo isso que vai acima, José Serra disse durante a eleição do ano passado. Porém, não apresentou soluções. Todos sabem qual é o problema, mas ninguém sabe como resolver. Não valeria a pena eleger alguém tão incompetente que só sabe apontar problemas, mas desconhece soluções.
E ninguém sabe o que fazer, porque cada medida mais efetiva ameaça gerar um efeito colateral. É a síndrome do cobertor curto.
Desoneração drástica de impostos das exportações seria considerada subsídio pela OMC, prática comercial desleal; taxar a entrada de dólares especulativos do mercado financeiro não está sendo suficiente porque a maior entrada de dólares vem de exportações e de investimentos. Finalmente, dólar barato ajuda a combater a inflação.
O governo, nas palavras do ministro Guido Mantega, acredita que quando os países ricos se recuperarem economicamente irão aumentar juros e atividade econômica e, aí, voltarão a atrair o vagalhão de dólares que engolfa o Brasil. Ou seja, acredita que tudo se resolverá sozinho. Esquece que o petróleo exportável compensará tal efeito.
Essa é a verdade. Não se pode ignorar esses fatos e este blogueiro não tem nem vontade, nem o direito de fazê-lo.