Traduzindo FHC

Análise

Em uma coisa concordam todos os que comentaram o artigo de FHC dizendo que a oposição deveria chutar o povão e se concentrar na nova classe média que surgiu durante o governo Lula: os aliados do ex-presidente, entre os partidos, ficaram de cabelos em pé.

E não foi por qualquer coisa. Sendo ou não o que FHC quis dizer, ficou parecendo que o que ele propôs foi que o seu grupo político abandonasse os pobres. Como pode alguém achar que esse discurso é adequado para um político?

É preciso muita ginástica para achar algo de positivo no texto, pois tudo o que possa ter sido dito de sensato, ali – e não foi muita coisa, pois o autor se limitou a repetir a cantilena que entoa há anos, para além da pérola sobre o povão –, foi obliterado pela frase infeliz

Todavia – acredite quem quiser –, há, sim, quem tenha gostado. E não foram poucos, apesar de serem os de sempre – os opinadores profissionais empregados em Globos, Veja etc. Um deles, por exemplo, é Lucia Hippolito, funcionária da CBN, braço radiofônico da Globo.

Em seu blog, ela intitula o texto assim: “Fala sério!”. O tom imperativo se dirige aos aliados de FHC entre os partidos – até onde se vê não se dirige à grande mídia, onde pululam explicações sobre por que foi boa a iniciativa do ex-presidente de produzir o artigo chutando o povão.

Palavras de Lucia: “Mais uma vez a oposição e, sobretudo, o PSDB não entenderam o argumento de Fernando Henrique”. O que a oposição não entendeu? Segundo ela, não foi entendido que “Partido é parte, não todo. Nenhum partido democrático pode ter a pretensão de representar toda a sociedade”.

Essa senhora é que não entendeu que, ao dizer que a oposição deve ficar com a parte mais rica da sociedade, FHC permite supor que está propondo que a parte mais carente seja abandonada se o seu grupo político chegar ao poder.

Aliás, se alguém se der ao trabalho de comparar os investimentos no social que fizeram Lula e FHC, verá que este último, quando governou o Brasil, foi coerente com o que acaba de dizer, ou seja, investiu pouco em políticas sociais destinadas ao povão.

O Bolsa Escola tucano e as outras bolsinhas (gás etc.) da era FHC recebiam uma mísera fração dos bilhões que são gastos hoje com tais programas. Naquela época, negros e pobres, por exemplo, não tiveram políticas federais de peso para chegarem ao ensino superior.

A receita de FHC não é para o país, então, mas para a conquista de um estrato social, o estrato melhor aquinhoado. Mas já não é esse o estrato que está com a oposição? E não é esse o estigma – ou fato, para muitos – do qual ela tenta se livrar desde 2002, o de ser elitista?

Lucia se revolta com os tucanos porque “mais uma vez” teriam deixado FHC “falando sozinho”.  Mas não será devido à péssima popularidade do ex-presidente? Aliás, que tal explicar por que maioria tão expressiva dos brasileiros rejeita tanto aquele que nos governou por tantos anos?

Pobre Lucia. Não entendeu nada. FHC é uma bomba antieleitoral ambulante. Serra e Alckmin, durante suas candidaturas a qualquer cargo, fugiram dele como o diabo foge da cruz. Aécio Neves e todos os outros oposicionistas fizeram o mesmo.

Os companheiros de FHC não são burros, apenas entendem a língua dele. Sabem que está pensando apenas nele mesmo. Quer que seus companheiros se suicidem eleitoralmente tentando reabilitá-lo diante da sociedade defendendo a sua gestão. Afinal, não será candidato a mais nada.

Perdão, dona Lucia, mas é melhor a senhora, seus colegas na grande mídia e vossos patrões tirarem o cavalinho da chuva. Nesse ponto, tanto faz se for petista, tucano ou tico-tico no fubá. Político não rasga dinheiro nem se cola em fiascos de popularidade.