Degola de Palocci enterrou “ley de medios”
O processo que culminou com a defenestração de Antonio Palocci gerou uma situação desconhecida na política nacional. Pela primeira vez, parcela relevante do partido que esteve unido em torno de Lula desde a sua criação ignorou seus pedidos de sustentação no primeiro grande ataque que mídia e oposição fariam ao governo Dilma.
Aprofundei-me no debate com os setores do PT que passaram a usar, ipsis litteris, o discurso de colunistas da grande imprensa como Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Eliane Cantanhêde, Merval Pereira, Lucia Hippolito, Ricardo Noblat e por aí vai. Há centenas e centenas de comentários neste blog que chegam a reproduzir até frases literais desses colunistas.
A posição de setores do PT, do movimento sindical, da blogosfera, da grande imprensa e da oposição coincidiu ao ponto em que se tornaram voz uníssona a repetir as mesmas frases sobre “ética” em uma campanha moralista idêntica à que gerou o mensalão, mas com a diferença de que surgiu sem mero indício de qualquer ilegalidade por parte do alvo da campanha de desmoralização, Palocci.
Em pouco tempo, mídia, oposição, setores do PT e da blogosfera já reconheciam que estava sendo usada uma acusação sem provas para destruir a imagem do principal ministro do governo Dilma Rousseff. A questão ética seria pretexto para uma inviabilidade política dele, mas o que facilitaria sua queda seria a acusação falsa.
Obviamente que isso não significa que essas parcelas do PT e da blogosfera tenham se aliado à mídia golpista. Apenas se valeram dela para promover o que julgavam ser uma “faxina” no governo, empreendida contra a vontade da presidente Dilma Rousseff e de Lula, que resistiram a ceder à denúncia da Folha de São Paulo contra Palocci até onde deu.
É importante que fique claro: não se tem dúvidas, aqui, da honorabilidade dessas pessoas que, de boa fé, pediram a queda de Palocci. Acreditaram estar fazendo o melhor.
Por outro lado, os relatos de que Dilma acabou desconsiderando a posição de Lula de que ela não deveria ceder, sucedem-se ininterruptamente. Quem ainda não leu nenhum, ainda vai topar com alguns deles. Todavia, há quem diga que foi Palocci que não agüentou a pressão. Essa é, ainda, uma das grandes dúvidas. Dilma teria pensado em resistir?
Cheguei a achar que sim, que Palocci é que teria decidido se render. Mas o meu amigo Paulo Henrique Amorim, que sabe das coisas, diz que foi Dilma quem cedeu e que Palocci estava disposto a enfrentar mídia, oposição, parcelas do PT e até o próprio Paulo, blogueiro conceituado cuja opinião é muito respeitada.
Após o desastre, os que agiram de boa fé por acreditarem que faziam o certo passaram a um processo de negação de uma vitória da direita midiática que a mesma direita midiática já comemora nos jornais, com manchetes tripudiando sobre o governo, na tevê, na internet etc.
Essa parte é a mais incrível, do ponto de vista sociológico, pois dizem que quem fez a denúncia (a Folha) foi derrotado quando essa denúncia surtiu o efeito pretendido. Freud explica.
Mas um analista sempre sensato, Marcos Coimbra, diretor do instituto Vox Populi, explica direito como e por que o governo Dilma foi derrotado inclusive com a ajuda de parcela importante de seu partido, ainda que não veja nessa derrota o fim do governo.
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Pelo que se lê na imprensa, o caso Palocci terá sido, para ela, o fim dessa etapa. A crer em seu coro quase uníssono, de agora em diante, enfrentará problemas crescentes. Perdeu a iniciativa do jogo político e só lhe resta esperar até que sua popularidade comece a cair.
Será? O golpe na imagem do governo terá sido tão fundo? O caso atingiu uma proporção tão grande da população, de maneira tão severa, que não cicatrizará nunca mais?
Parece improvável. Pelo que conhecemos de nossa sociedade, ministros com problemas são coisas que não afetam o governo inteiro. Mas é razoável supor que alguns admiradores tenham se afastado da presidente.
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“Alguns admiradores” significam pontos nas pesquisas. Para quem não sabe, o Vox Populi está entre os institutos que monitoram a popularidade de Dilma para clientes diversos. Não há uma semana em que não esteja sendo monitorada. E Coimbra alude ao senso comum, que toma o país, de que o governo perdeu.
A perda foi pelo fato de que ficou claro, inclusive diante do mundo, que o principal ministro do governo Dilma foi mal escolhido. Particularmente, também acho. Mas, de uma vez escolhido, não poderia sair assim para não ficar tão gritante o erro político. Porque – e agora vem a bomba – deixar a mídia vencer inviabilizará várias políticas nas quais se acreditava.
Com o novo poder da imprensa e da oposição de provocarem sublevações no próprio partido do governo, de agora em diante será só descobrir quais ministros e outros integrantes desse governo podem ser acusados analogamente a Palocci – e dizem as lendas que há muitos – e contar com a mesma militância governista para ajudar a desestabilizá-los.
Na defensiva, o governo Dilma não terá como partir para a ofensiva. A derrubada de Palocci foi só um aviso: “Não tente o fim da propriedade cruzada de meios de comunicação, Dilma, senão vamos inviabilizar o seu governo pondo a nu os políticos só do seu lado. E, agora, com ajuda interna de suas forças”.
Se Dilma não teve nem força para manter sua decisão inicial de não demitir Palocci, como terá força para aprovar uma lei que proíba um quase monopólio de meios de comunicação no Brasil que não existe em lugar algum do mundo desenvolvido?
Não parece polêmico dizer que a lei da propriedade cruzada não vem de jeito nenhum. Alguns dizem que não viria mesmo antes do caso Palocci. Contudo, participo de fóruns pela democratização da comunicação há anos, fui delegado por São Paulo na Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, e posso afirmar que muitos acreditavam na “ley de médios”.
Não virá. Aliás, o ministro Paulo Bernardo, que as más línguas dizem que queria derrubar Palocci para pôr a mulher no lugar dele e que esteve por trás das articulações dentro do PT, já dissera que não, que a lei da propriedade cruzada ainda não tinha “condições políticas”, blábláblá e mais blábláblá. Chamou até o Paulo Henrique de “ansioso”.
Claro que ninguém pode dizer se é verdade. Não conheço o ministro, mas tudo isso é dito abertamente. Aliás, muitos dos que ajudaram a derrubar Palocci, até há pouco chamavam o ministro das Comunicações de Paulo Hibernardo… Só o futuro dirá se é injustiça. Por enquanto, é hipótese política absolutamente legítima.
O quadro político é realmente nebuloso. Ao fraquejar como fraquejou, o governo Dilma criou uma enorme dúvida sobre a sua capacidade de sobrepujar obstáculos quase intransponíveis que tem pela frente, com a continuidade da guerra da direita midiática contra seu governo e seu partido, que só terá fim se a presidente capitular de vez.
Neste momento, portanto, a bandeira da “ley de medios” parece esfrangalhada. Ninguém mais sabe o que significa essa lei. A da Argentina, que lhe deu origem, conheço muito bem. Como vendedor que viaja pela América Latina há mais de vinte anos, acompanhei os processos de Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina.
Nenhum desses países teria conseguido impor o fim da propriedade cruzada sem governos fortes. E não foi cedendo à mídia e à oposição que conseguiram, isso posso garantir. Simplesmente porque a tal “ley de medios” prejudica financeiramente os impérios de comunicação que acabam de obter vitória tão estrondosa.