Não aceite que o Estado desista de vetar a propriedade cruzada
Quem realmente entende o fato de que um país em que a comunicação é um feudo não pode ir para frente, tem que parar tudo e prestar atenção nisto: cresce a suspeita de que existe um acordo tácito sendo firmado entre os poderes constituídos da República para enterrar iniciativas legais contra a propriedade cruzada de meios de comunicação no Brasil.
Em nenhum país civilizado é aceitável que uma única família controle mais da metade dos espaços e das verbas públicas e privadas destinadas ao setor de comunicação. Essa é uma situação abusiva e contraria princípios consolidados em todo o mundo livre, sobretudo no Ocidente, nas nações mais desenvolvidas.
Enquanto a grande mídia nacional vende como tentativa oficial de censura a proposta de se criar uma agência reguladora de comunicação nos moldes da Federal Communications Commission (FCC) – que, em português, significa Comissão Federal de Comunicações –, nos EUA é proibido, por exemplo, ter uma emissora de televisão e um jornal na mesma cidade.
Em países desenvolvidos e democráticos como Estados Unidos, França ou Inglaterra, um grupo empresarial ou uma família controlarem televisões, jornais, rádios, revistas e portais de internet, tudo ao mesmo tempo, é visto como propriedade “cruzada” de meios de comunição, como ilegalidade, porque dá àquele grupo restrito de cidadãos ou àquela família o poder de esmagar opiniões sobre questões de interesse público que forem contrárias à sua.
Nos EUA, a lei foi levemente flexibilizada em 2007. O índice de audiência das emissoras e o número de meios de comunicação independentes presentes em uma cidade foram objeto da mudança. Mas só vale para os vinte maiores mercados dos EUA, que têm 210 grandes mercados. E só quando o canal de TV não está entre os 4 canais de maior audiência e se ali existirem 8 meios de comunicação de outros donos.
Há décadas que, em todos os países que atingiram estágios avançados de civilização, não se aceita que só alguns poucos tenham voz nas grandes mídias, com destaque para a televisão. E para que não se analise só quem diz o que, porque esse debate permite deturpações dos fatos, proíbe-se que existam mega conglomerados de comunicação como as Organizações Globo.
Atenção: um quase monopólio como o da Globo seria ilegal nos Estados Unidos.
Estamos em um momento histórico em que o Brasil acredita que irá se tornar potência e até entrar para o mundo dito desenvolvido. Todavia, a organização legal e social dos meios de difusão brasileiros, é medieval. Não é apenas atrasada, é medieval. Predominam feudos, dos quais a Globo é a expressão mais absurda pelo tamanho descomunal com que afronta o país.
O que os irmãos Marinho, donos das Globos dizem, pensam e determinam, vira lei. Devido à concentração de meios de comunicação que detêm, conseguem impor as suas posições políticas, econômicas, culturais e o que mais se pensar sobre toda a sociedade. E esse poder decisório de uma Globo está nas mãos de dois homens em um país de quase 200 milhões de habitantes.
No início do ano, o Estadão publicou matéria que denunciava o que vai ficando claro que vai acontecer. Dizia que o governo iria abandonar o debate sobre a proibição da propriedade cruzada nos meios de comunicação por estar convencido de que o desenvolvimento tecnológico teria tornado a discussão “obsoleta”.
Naquele dia (26 de janeiro), enviei mensagem pelo Twitter ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, perguntando se a reportagem tinha procedência. Ele respondeu. Segundo disse, não havia nada decidido, ou seja, não confirmou e não negou.
Faz tempo, porém, que, em todos os fóruns de discussão dos quais tenho participado, já se diz, abertamente, que “todos sabiam” que a propriedade cruzada não entraria mais na pauta de discussões neste governo. Todos sabiam, é? Quem sabia? Eu não sabia. Participei, em 2009, da Conferência Nacional de Comunicação e, ali, o que se dizia é que esse era o principal foco.
A bem da verdade, eu sabia, sim. Aqui e ali, fui ouvindo, cada vez mais, uma história de que não haveria “clima político” para vetar a propriedade cruzada de meios de comunicação no Brasil. Ou seja: o governo não tem força para aprovar uma lei dessas.
Esse argumento de que os avanços tecnológicos tornarão a propriedade cruzada obsoleta, é absurdo. Ainda hoje, só cerca de 40% dos brasileiros estão digitalmente incluídos plenamente, com acesso a banda larga. E, como se sabe, a internet é o que dizem que tornará obsoleta a propriedade cruzada.
A convivência com o oligopólio de meios de comunicação de massa ainda durará, na melhor das hipóteses, uma década. Não se imagina que deixemos de ter televisões, rádios, jornais, revistas e tevês antes disso. Quantos interesses de um grupelho de cidadãos prevalecerão durante esse período em que esse milagre via internet não ocorrer?
Como nos tornaremos um país desenvolvido e realmente democrático com uma família chegando, por vários meios de comunicação, a 90% do Brasil, tendo revista, jornal, televisão, rádio e portal de internet para martelar sua opinião em milhares e milhares de cidades?
Falar em “democratizar a comunicação” sem acabar com a propriedade cruzada, é conversa fiada. Não haverá comunicação democrática no Brasil enquanto viger esse absurdo jurídico que permite, neste país, o que nenhuma nação democrática e desenvolvida permite, que quatro famílias imponham suas opiniões sobre 190 milhões de brasileiros.
Há que iniciar um movimento nacional pelo fim da propriedade cruzada. Não sei como, não sei por onde, mas estou pronto a me engajar nessa luta. Não há nada mais importante para quem luta pela democratização da comunicação. E engajar-se de verdade nessa luta significa não aceitar, de forma alguma, que passemos mais quatro anos sem mudar a lei.