Todos contra “Hitler”

Manifesto

Entre sexta-feira e sábado passados, participei de um evento em que foram travados debates instigantes e cruciais, debates que mostraram que estão ocorrendo mudanças fundamentais, profundas e inéditas no quadro político brasileiro. Estive em Belo Horizonte, na versão mineira dos encontros estaduais de blogueiros progressistas.

Participei de duas mesas de debates em que a primeira grande crise política do governo Dilma, inevitavelmente, entrou na pauta. Uma das mesas teve lugar na sexta à noite e a outra, no sábado pela manhã.

Nesses debates, constatei que a disposição de parte da esquerda em relação ao governo federal está mudando, o que significa que o terreno para a mídia derrubar ministros e gerar crises que imobilizam o governo, relegando assuntos de real interesse público a plano secundário, está muito mais fértil na era Dilma.

Antes do relato, porém, há que olhar a pesquisa Datafolha divulgada neste domingo.  Todavia, há que se ter cautela. E é imperativo explicar por quê. Para tanto, reproduzo matéria do portal IG publicada durante o processo eleitoral do ano passado.

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Procuradoria pede que PF investigue pesquisas

Sub-procuradora eleitoral determina instauração de inquérito sobre supostas fraudes em levantamentos de intenção de voto

Ricardo Galhardo, iG São Paulo | 12/05/2010 18:00

A sub-procuradora-geral eleitoral Sandra Cureau determinou que a Polícia Federal instaure inquérito para investigar suspeitas de fraude em pesquisas eleitorais realizadas pelos quatro principais institutos do país: Ibope, Datafolha, Vox Populi e Sensus.

A instauração do inquérito atende a uma representação feita pela ONG Movimento dos Sem Mídia (MSM), no dia 24 de abril, com base nas denúncias de irregularidade em pesquisas para a eleição presidencial divulgadas nas últimas semanas.

Na representação o MSM relata as diferenças nos resultados de pesquisas feitas por diferentes institutos em curto espaço de tempo. O principal exemplo é a divergência entre a pesquisa divulgada pelo Sensus no dia 13 de abril, apontando empate técnico entre os pré-candidatos José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) e outra do Datafolha, publicada três dias depois, que mostrava uma vantagem entre 10 e 12 pontos percentuais para o tucano.

A sondagem do Sensus foi alvo de representação do PSDB, rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

“A grande mídia passou a atacar o Vox Populi e Sensus enquanto a mídia alternativa de esquerda acusava o Ibope e Datafolha”, justificou o presidente do MSM, Eduardo Guimarães, um representante comercial que decidiu abrir a ONG (que não recebe dinheiro público) e um blog para cobrar ética na mídia brasileira.

Em poucos dias, por meio do blog, Guimarães recolheu mais de 2 mil adesões para o pedido de investigação dos institutos de pesquisa. O documento de 50 páginas foi protocolado no dia 23 de abril e acatado pela sub-procuradora duas semanas depois. “Isso deixa claro que a Justiça Eleitoral não está para brincadeira”, disse Guimarães.

Além da instauração do inquérito, o MSM pediu que todas as pesquisas sobre a eleição presidencial divulgadas daqui para frente sejam auditadas pelo TSE. O pedido, segundo o Ministério Público Eleitoral, ficará para uma segunda etapa, dependendo dos resultados da investigação da Polícia Federal.

A pena para o crime de divulgação de pesquisa eleitoral fraudulenta é seis meses a um ano de detenção para os responsáveis além de multa entre R$ 53 mil e R$ 106 mil para os institutos.

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Durante o encontro de blogueiros em Belo Horizonte, no calor dos debates alguém chegou a insinuar que este blogueiro faz barulho mas não age concretamente para mudar as coisas. Apesar de muitos saberem que não é verdade, como mostra a reportagem acima, há muita gente nova neste blog que não conhece bem a história.

Além disso, a matéria do IG mostra que pesquisas desses institutos devem ser vistas sempre com muita cautela, porque, no mínimo, às vezes erram feio. Com ou sem intenção. Quem não se lembra do excelente jornalista Ricardo Kotscho caindo na conversa do presidente do Ibope,  Carlos Augusto Montenegro, de que Serra seria eleito, ano passado?

A pesquisa Datafolha publicada neste domingo, a despeito de todas essas ressalvas, mostra que o verdadeiro objetivo da campanha contra o ex-ministro Palocci foi atingido. A imagem pessoal da presidente piorou e os brasileiros estão mais pessimistas com a economia. E 60% dos pesquisados declararam que o “escândalo” foi prejudicial a ela.

Há outro dado relevante na pesquisa que precisa ser lembrado. Apesar de 49% dos brasileiros considerarem a gestão Dilma boa ou ótima contra 47% em março – evolução dentro da margem de erro da pesquisa –, há que refletir se é apropriado comparar a aprovação de Dilma com a de Lula em seu primeiro mandato nesta mesma época (seis meses de governo)

Não vamos nos esquecer de que Dilma está no poder há oito anos e meio, e não há seis meses. Em relação aos cerca de 80% de aprovação do governo anterior, penso que este governo deveria ter aprovação maior, se fosse visto como continuidade. Ou seja: cerca de um terço dos pesquisados não vê neste governo as qualidades do anterior.

E é nesse momento que se nota que erros táticos de Dilma já produziram estragos entre a militância. O que opôs minha opinião às de outros debatedores no evento recente em BH é o apoio ao governo. Pessoas que há anos vinham defendendo o governo Lula consideram que agora, no governo Dilma, têm que ser mais críticas e não dar o mesmo nível de apoio.

Quando argumentei que não compartilharei os ataques da mídia porque é esse o inimigo a ser combatido, surpreendeu-me a afirmação de que ela nem sempre é ruim e de que não se deve separar o jogo político entre bons e maus. Até porque, a esquerda tem que começar a ser mais crítica porque tem muitas correntes com interesses nem sempre convergentes.

Diante dessa alegação, usei uma metáfora. Lembrei que para combater Hitler, interesses tão divergentes quanto os da União Soviética e os dos Estados Unidos se uniram para derrotar o inimigo em comum simplesmente porque, do outro lado, estava nada mais, nada menos do que Hitler.

Muitos dirão, com boa dose de razão, que é um exagero comparar a mídia a Hitler. Se a comparação for literal, é claro que é exagero. Hitler era um assassino, louco, sanguinário e a mídia, não. Apenas ajuda a manter o sistema de dominação por uma casta. Sistema que nos coloca, ainda hoje, entre as dez nações mais desiguais do mundo.

Todavia, quando se vê que esses impérios de comunicação, geridos por quatro famílias, controlam tudo em termos de meios de comunicação, configurando o que se convencionou chamar de “propriedade cruzada”, é óbvio que enquanto essa situação medieval perdurar e não se criar leis como a “ley de medios” argentina, estaremos em uma guerra contra o “Hitler” das comunicações.

E é aí que fico preocupado com o quadro político brasileiro. A divisão da esquerda já fortalece uma direita antes combalida e em processo de degenerescência. É nesse quadro que já vejo parte da esquerda dizer inevitável a não materialização da “ley de medios”, que, na prática, nada mais é do que uma lei contra a propriedade cruzada de meios de comunicação.

Excelentes propostas surgiram para ir mudando aos poucos essa situação. O presidente da Altercom, Renato Rovai, elencou medidas que pretende tomar que deverão melhorar a concentração publicitária. Como a medida das pesquisas que o MSM tomou no ano passado, é uma proposta concreta e que deve ter efeitos.

Além disso, essa é uma proposta para o aspecto mercantil. Ajudará algumas empresas de comunicação pequenas a sobreviverem melhor, mas o quadro medieval na comunicação de massas continuará. Nesse ritmo, aliás, durará mais uns 200 anos. Não podemos esperar tanto se queremos ser a potência que todos vislumbram.

O monopólio funciona assim: as revistas e jornais de uma Globo produzem denúncias com ou sem fundamento, as tevês e rádios repercutem e, aí, instala-se a crise política. Na maior parte das vezes, como durante o governo Lula, crises sem fundamento e com viés sabotador que prejudicaram o conjunto da sociedade.

Diante dessa situação preocupante que pode chegar aonde muitos ainda não suspeitam, quero exortar a vocês, militantes esquerdistas que acham que os problemas todos em relação à mídia foram resolvidos com a eleição de Dilma, a não se dividirem. 2014 está logo aí e corremos o risco de, então, elegermos um Berlusconi.

E exorto os que lutaram para eleger Dilma a não aceitarem a propriedade cruzada. Nenhum país civilizado pode ter quatro famílias dominando  a comunicação. Aceitar que passemos mais quatro anos sem uma lei para mudar essa situação significará fortalecer a mesma direita que tanto mal já fez a este país e que está longe de estar morta.