Os elogios de Dilma a FHC
Vários leitores me cobraram uma posição sobre os elogios que Dilma fez a FHC pela passagem do aniversário do ex-presidente, que está cumprindo oitenta anos de idade. E só cobrou quem não gostou, é bom esclarecer.
À esquerda, aliás, acho que ninguém gostou, porque praticamente não se comentou o que a presidente disse na carta em que fez os elogios.
Por outro lado, o ex-governador José Serra criticou pesadamente a presidente por ter dito o que disse, pois, segundo ele, ela teria “passado a campanha eleitoral inteira falando que Fernando Henrique encerrou seu governo com a economia desestabilizada”.
Antes de nos debruçarmos sobre o ataque com que Serra retribuiu às gentilezas de Dilma, analisemos o que ela disse. Para tanto, reproduzo, abaixo, o texto que a presidente enviou ao adversário político.
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“Em seus oitenta anos há muitas características do Senhor Presidente Fernando Henrique a homenagear.
O acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica.
Mas quero aqui destacar também o democrata. O espírito do jovem que lutou pelos seus ideais, que perduram até os dias de hoje.
Esse espírito, no homem público, traduziu-se na crença do diálogo como força motriz da política e foi essencial para a consolidação da democracia brasileira em seus oito anos de mandato.
Fernando Henrique foi primeiro presidente eleito desde Juscelino Kubitschek a dar posse a um sucessor oposicionista igualmente eleito.
Não escondo que nos últimos anos tivemos e mantemos opiniões diferentes, mas, justamente por isso, maior é minha admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias.
Querido Presidente, meus parabéns e um afetuoso abraço!”
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil
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Aos que à direita (como Serra) ou à esquerda (como os leitores do blog) não gostaram do gesto da presidente, proponho uma reflexão. Dilma elogiou em FHC o que havia para elogiar e que a honestidade intelectual deste blogueiro não lhe permite negar.
Cansei de dizer o que Serra acusou como contradição de Dilma, que FHC entregou a Lula um país em frangalhos. E digo mais: é mentira que a eleição de Lula – que, até então, quando se elegeu, assustava os mercados – foi a causa da crise em que o ex-presidente tucano deixou o país.
Todavia, não se pode negar que, quando o governo Itamar Franco escolheu FHC como ministro da Fazenda, no final de 1993, foi a escolha de um intelectual até então respeitado e visto como progressista que deu ao governo de improviso que sucedeu o de Fernando Collor a credibilidade para quebrar a inércia inflacionária.
Ao contrário do que se pensa, porém, o Plano Real não foi criação de FHC. O plano que se valia de dolarização da economia e de privatizações foi gestado pelo movimento no mundo rico que ficou conhecido como “Consenso de Washington”.
No fim dos anos 1980, o Terceiro Mundo debatia-se em crises hiperinflacionárias e o modelo que FHC implantou no Brasil foi implantado em praticamente toda a América Latina, começando, se bem me lembro, pela Bolívia. A Argentina adotou antes de nós, inclusive.
FHC foi realmente responsável pela estabilização da moeda. Lateralmente, mas foi. Não era economista, não criou nada, mas a imagem pública e internacional que detinha deu credibilidade ao plano.
Lamentavelmente, porém, visando seu próprio projeto político, para arrancar do Congresso a emenda constitucional da reeleição e para efetivamente se reeleger FHC postergou a liberação da taxa de câmbio e, assim, produziu uma catastrófica crise cambial no país.
Dilma foi generosa com FHC. Elogiou a parte da história que havia para elogiar. Infelizmente, quando do lado dos adversários há gente intelectualmente desonesta como José Serra, que se faz de desentendido ao acusar a adversária pela parte da história que não mencionou, dá nisso.
Apesar de a melhor forma de chegar ao coração da mídia ser elogiar FHC, não adianta. Com gente mesquinha, generosidade não funciona. Em política como a que se faz no Brasil, ser generoso é municiar o adversário.