Como a crise pode nos pegar
Já que a política está mais chata do que campeonato de dominó, tratemos de assuntos mais práticos como aquele que nos determina a qualidade de vida – ou de sobrevivência: a economia. Enquanto se discute sobre a geléia política em que o país está atolado, a tempestade vai acumulando suas nuvens escuras sobre nossas alienadas cabeças.
Não deixa de ser sintoma de uma economia que se fortaleceu sobremaneira nos últimos anos, de forma inclusive talvez inédita na história, pois, aos cinqüenta e dois anos, não me lembro de outro período em que o mundo pegava fogo lá fora enquanto que este país batia recordes econômicos, com emprego farto, consumo aquecido e expectativas positivas.
Ao contrário dos últimos meses de 2008, quando eclodiu a crise das hipotecas norte-americanas, porém, desta vez, além de a crise ainda não estar totalmente materializada, em tese seria mais branda… Ou não?
Durante a crise anterior, considerada a maior desde 1929 – e que ocorreu há menos de três anos –, houve um componente que gerou intranqüilidade. Hoje, porém, não há o componente político que havia no final de 2008, quando os meios de comunicação e o governo Lula entraram em uma guerra comunicacional em que, de um lado, alardeava-se o Armagedon e, de outro, uma “marolinha”.
A razão pela qual hoje a mídia não cria pânico vem sendo tema de outros artigos, de forma que agora vale mais a pena notar que, além de a crise lá fora ser mais light, por assim dizer, ainda não há sabotagem da economia pelas forças políticas de oposição, seja nos meios de comunicação ou entre os partidos de oposição efetivamente assumidos.
Se da vez anterior, porém, preocupamo-nos demais, o que gerou um movimento econômico que culminou em perda de quase um milhão de postos de trabalho em questão de poucos meses por conta, única e exclusivamente, do alarmismo que nos preocupou além da conta, agora temo que estejamos nos preocupando de menos.
No final de setembro de 2008, no primeiro momento da crise, passei a combater o alarmismo garantindo que ela seria branda no país e que não havia motivo para sermos pegos em problemas que poderíamos contornar facilmente devido ao peso insipiente do comércio exterior em nossa economia e de Lula ter diversificado nossos mercados importadores.
Basicamente, o que nos salvou da crise de 2008/2009 foram nosso mercado interno e a China, ao lado de países da África e da Ásia para os quais o Brasil expandiu exportações, sobretudo, de commodities. De lá para cá, porém, as coisas mudaram um pouco.
A crise sedimentou-se no mundo rico. Nos Estados Unidos e na Zona do Euro, aos efeitos econômicos agora se junta o componente político, o que parece ter jogado o “Norte Maravilha” em um círculo vicioso que vai contaminando o planeta, gerando especulações dos mercados futuros e contribuindo para deteriorar o ambiente econômico em nível planetário.
Nesse contexto, o Brasil se vê em um momento de atenção que, parece, não está sendo suficientemente avaliado. Os próximos anos podem ser menos róseos do que parecem. A menos que tomemos providências.
A questão cambial se agrava. O preço da moeda americana não reage e a pauta de nossas exportações ameaça passar de cerca de setenta por cento de commodities para percentuais ainda piores justamente em um momento em que a principal tábua de salvação a que se apegou o Brasil na crise anterior pode agora se converter em um barco furado.
Matéria do jornal O Estado de São Paulo publicada nesta segunda-feira e abaixo reproduzida serve perfeitamente para ilustrar a situação.
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”China desacelerará para inimagináveis 3%”
Autor(es): Cláudia Trevisan
O Estado de S. Paulo – 22/08/2011
Tradicionalmente pessimista em relação à China, o americano Michael Pettis, professor da Universidade de Pequim, acredita que o país vai desacelerar de maneira “dramática” depois de 2013, para inimagináveis 3% de crescimento ao ano.
Mas, mesmo que isso não ocorra, ele afirma que haverá queda na demanda por commodities não alimentícias, em razão do inevitável processo de correção dos profundos desequilíbrios da economia chinesa, que se manifestam no excessivo investimento e anêmico consumo.
Para o Brasil, essa eventual mudança é crucial, já que pode afetar diretamente as vendas de minério de ferro, o principal produto de exportação nacional.
A seguir, os principais trechos da entrevista, feita num café em Pequim:
Estado – Qual seu cenário para a China?
Pettis – Eu acredito que a China vai desacelerar de maneira dramática, para 3% depois de 2013. Mesmo que o crescimento fique em 9%, no que eu não acredito, o ritmo do investimento vai ter de diminuir de maneira significativa e ser substituído pela expansão no consumo, no processo de reequilíbrio da economia. Se houver a substituição do investimento pelo consumo, isso terá grande impacto sobre o Brasil. Quando os chineses consumirem, eles vão comprar roupas, ir a restaurantes, consumir serviços de saúde e construir menos metrôs e prédios. Eu acredito que a demanda total vai cair muito, mas, mesmo que ela permaneça a mesma, ela vai mudar de bens de investimentos para bens de consumo. Portanto, a demanda por commodities não alimentícias, como minério de ferro e cobre, vai cair de qualquer maneira.
Estado – O agravamento da crise nos Estados Unidos e na Europa aumentou a pressão sobre a China para reequilibrar sua economia? Sim. Nos anos 70, os Estados Unidos e a Europa tiveram uma crise e o Brasil, não. Graças à reciclagem de petrodólares, houve um enorme aumento dos investimentos e um boom no preço de ativos, o que atrasou o ajuste no Brasil. Mas isso se tornou insustentável quando os níveis de endividamento ficaram muito altos. Nós vamos ver a mesma coisa. Mas por que a China vai desacelerar? Porque o que está promovendo o crescimento também está agravando os desequilíbrios. O consumo está aumentando muito lentamente, porque o rápido crescimento é gerado por transferências das famílias, por meio de baixos salários, baixa taxa de juros e moeda depreciada. Isso reduz o consumo e subsidia o crescimento, gerando dois grandes desequilíbrios. O primeiro é o fato de o consumo ser muito baixo em relação ao PIB (34%). O crescimento chinês está sendo sustentado pelo superávit comercial – e com o mundo em uma situação difícil, ele não pode continuar a crescer – e investimento, mas o investimento tem sido mal alocado. Isso significa que a dívida está crescendo, o que gera um problema de sustentabilidade.
Estado – O que isso significa para países como o Brasil, que dependem da China em razão da exportação de commodities?
Pettis – Mesmo que o crescimento chinês continue elevado, a taxa de investimento vai cair de maneira dramática e isso vai provocar queda no preço de commodities não alimentícias. Se o consumo se expandir, o consumo de alimentos vai aumentar, já que as pessoas terão mais dinheiro para comprar comida. Se a China conseguir manter elevadas taxas de consumo, os alimentos não serão afetados de maneira dramática. Mas, se a taxa de consumo também desacelerar, isso também afetará o preço dos alimentos. O Brasil exporta os dois tipos de commodities. As não alimentícias serão afetadas dramaticamente e as alimentícias podem ou não ser afetadas.
Estado – O ajuste chinês é necessariamente ruim para o Brasil?
Pettis – Depende do horizonte de tempo. No curto prazo, será muito ruim. Mas o que aconteceu nos últimos 10 a 20 anos no Brasil é que o País gastou grande parte dos anos 70 e 80 tentando reverter a crescente dependência de commodities. Acreditava-se que o excesso de dependência das commodities era uma das fontes de fragilidade dos países em desenvolvimento e houve um esforço para diversificar e criar uma fonte de crescimento mais equilibrada. Se eles estavam certos – e eu acredito que estavam -, a queda no preço das commodities vai forçar o Brasil a reduzir seu peso, o que será muito doloroso, mas necessário. A menos que você acredite que, desta vez, as pessoas que dizem que o preço das commodities nunca vai cair estão certas. E elas disseram isso muitas vezes nos últimos 200 anos e sempre estiveram erradas.
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Não se está dizendo, aqui, que estamos perdidos. Àqueles que gostam de pegar uma frase ou uma idéia e tirá-las do contexto, peço que se contenham. O que se diz é que também não é o caso de acharmos que não sentiremos efeito nenhum desse processo.
Por menor que seja, parece-me difícil que o país não sinta efeito algum da crise que se avizinha. Isso partindo do princípio de que as distorções em nossa economia não se agravarão com uma crise muito forte de commodities das quais, devido ao problema cambial, este país está dependente como nunca para manter superávits comerciais.
Um dos fatores que podem agravar a situação do Brasil, portanto, é a política. Tudo de que não precisamos, neste momento, é de que a mídia comece a insuflar alarmismo como em 2008. Naquele ano, funcionou muito bem, durante algum tempo, porque o Brasil jamais havia saído com poucos danos de pequenas crises econômicas nos rincões do mundo. E desta vez?
Se formos confiar na memória prodigiosa do brasileiro, podemos confiar também em que, desta vez, não haverá empresários demitindo “preventivamente”. Por outro lado, a comunicação política, em caso de alarmismo, pode se unir à proverbial falta de memória do povo.
Concorde-se que não há motivo, ainda, para um pronunciamento de Dilma Rousseff à nação como aquele que fez Lula ao final de 2008, na tentativa de apagar o incêndio que a mídia havia provocado e que estava colocando as pessoas no olho da rua e paralisando a economia. Mas o temor é o de que os problemas de comunicação deste governo o impeçam de atuar, caso situação se agrave.
A “nova” crise econômica internacional – que, na verdade, é um desdobramento da anterior –, portanto, pode nos pegar por aí, pela questão política e pela redução da exportação de commodities agravada pela piora da competitividade do Brasil na pauta de exportação de produtos industrializados, sem falar no processo de desindustrialização interno gerado pelo câmbio desfavorável.
A condução da política e da economia por Dilma Rousseff, portanto, pode nos livrar ou nos atirar na crise. Há medidas que terão que ser tomadas no tempo certo e na intensidade adequada. Cada um tem uma visão sobre a capacidade deste governo de decidir sob tais condições. Este blogueiro está entre os que confiam nessa capacidade, mas desconfiando…