Com essa mídia país não avança
Ao longo da terça-feira, a internet se divertiu com o post que este blog publicou sobre a missão difamadora da mídia brasileira que foi à França reclamar com a sua universidade Science-Po por ter outorgado ao ex-presidente Lula o título de Doutor Honoris Causa. O absurdo que se revelou deixou as pessoas atônitas e, assim, só restou rir.
Do post em questão, surgiu a hashtag #PorqueNaoFHC, que, em questão de minutos após ser criada, chegou ao Trending Topics do Brasil no Twitter. Foi uma brincadeira com a pergunta da jornalista de O Globo ao diretor da universidade francesa sobre por que a instituição premiou Lula em vez do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O que direi agora disse ontem nas redes sociais (Twitter e Facebook): apesar de parecer que me divirto, o caso é sério. Com uma imprensa… Ou melhor, com uma mídia como a nossa, o país não avançará até se tornar o que almejamos.
Vamos discutir isso, pois: o que almejamos que o Brasil se torne? Não estamos achando, os brasileiros, que poderemos nos tornar uma das maiores potências mundiais? Não temos os requisitos para tanto? O Brasil não tem tudo para figurar ao lado das grandes potências?
Claro que tem. Temos uma vastidão de terras férteis, um clima generoso, uma diversidade étnica e cultural das mais ricas, um subsolo que é um verdadeiro tesouro, as maiores reservas de água potável, uma indústria dinâmica como poucas, uma economia estabilizada e saneada, centenas de bilhões de dólares em caixa…
Este é o momento do Brasil. O mundo inteiro reconhece. A jornalista de O Globo que perguntou ao diretor da universidade francesa por que escolheu Lula e não o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para ser premiado e que insinuou que o prêmio se deveu a interesse francês em ajuda financeira do Brasil, sem querer admitiu o quanto este país avançou na década passada.
Ainda assim, este ainda é um país em que há quase tudo por fazer. Um país rico, com potencial, mas que tem uma cultura de ser roubado pelo setor privado por vias legais ou ilegais. Além de leis que doam à elite étnica e regional as riquezas que pertencem a todos, há também a corrupção endêmica, a cultura de levar vantagem.
A mídia (acima do conceito de imprensa) poderia contribuir para mudança desse aspecto da mentalidade nacional. Mas não com essa pregação hipócrita que criminaliza alguns por razões políticas e alivia com outros pelas mesmas razões, e que, além disso, acoberta os corruptores.
A esperteza da mídia partidarizada e elitizada é o pior exemplo para a sociedade. Ao se dizer isenta e agir como cabo eleitoral e despachante de interesses de classe, regionais e étnicos pretendendo abafar as queixas dá ao país o exemplo errado, da mentalidade de que quem pode mais chora menos.
A conduta midiática é a conduta do “sabe com quem está falando?”. Ao adotá-la, a mídia dá o exemplo de que se deve buscar sempre o lado mais forte, mesmo que a força que tenha talvez não seja o que parece – ou o que pretende – ser. O que é nefasto, porém, é incentivar o autoritarismo social, político e econômico.
É nesse ponto que me pus a refletir: nenhuma grande nação – desenvolvida, democrática, civilizada e próspera – avançou de verdade sem uma imprensa séria, responsável, imparcial ao máximo possível (porque totalmente é impossível) ou honesta ao ponto de reconhecer-se eventualmente parcial.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há mau jornalismo, sim. Mas também há bom jornalismo. Na Europa, idem. E note-se que me refiro à grande imprensa, à grande mídia, aliás. No Brasil, é tudo uma droga. A comunicação corporativa tornou-se uma máquina de contemplar interesses políticos, econômicos e de classe de grupos restritos.
Nenhuma nação avança de verdade se não refletir uma sociedade justa, mas a mídia brasileira prega injustiça, prega sobreposição de todos por alguns, ainda que implicitamente.
A propaganda, por exemplo, retrata um país nórdico, povoado por gente branca, de olhos claros em um país de maioria afro-descendente. É um abuso, um insulto a todo um povo que este aceita porque acredita na cultura de que quem pode mais chora menos. Isso para não me repetir nos exemplos políticos, que já cansaram de tanto serem repetidos.
A democratização e a profissionalização da comunicação no Brasil, portanto, é a sua principal agenda nos próximos anos. De nada adiantará reduzir a miséria ao ponto em que pareça ter sido extirpada se os fatores que a geraram permanecerem incólumes, e acima de todos os fatores que a geraram está o uso da comunicação como meio de exclusão social e política.
Entre as grandes missões que se descortinam à administração Dilma Rousseff, portanto, está o encaminhamento dessa questão. No ponto a que este país chegou não é possível mais recuar. Ou se tem coragem de atacar esse foco de corrupção e de disseminação da cultura do quem pode mais, chora menos ou não iremos a lugar algum.