Autocrítica é para quem pode
Esta é uma reflexão para quem é capaz de entendê-la e o autor desta página acredita que muitos de seus leitores serão capazes de fazê-lo. Havia, portanto, que oferecê-la à visitação pública, explicando que se trata de reflexão que o blogueiro faz sempre. Por que decidiu fazê-la de público é o que será explicado ao longo deste post.
Há como uma década e meia, fiz uma descoberta: autocrítica é para quem pode, não para quem quer – para aquele que tem coragem de olhar dentro de si e se dizer, conscientemente, o que viu. Adotada como prática, oferece meios aos seus adeptos de irem eliminando ou mitigando os próprios defeitos.
É desnecessário fazer autocrítica publicamente. Ela só interessa a quem pratica. Serve para que consigamos ver defeitos clamorosos que temos e que, via de regra, todos enxergam, menos nós mesmos.
A autocrítica é necessária porque passamos muito tempo julgando defeitos alheios e, como juízes ocupados, não temos tempo de julgar o nosso maior protegido, que é cada um de nós. Sem avaliação das próprias falhas, então, o indivíduo persiste nelas. E quem persiste no erro termina pagando por isso.
As pessoas não gostam de autocrítica porque, na maioria das vezes, dá razão a quem não gosta de nós, que pode até ser mal-intencionado mas se aproveita de nossos defeitos reais de forma a evidenciá-los ao nos atacar e, assim, confere verossimilhança à própria mentira ou distorção.
Este blogueiro, por exemplo, refletiu sobre o que tem decorrido de seu trabalho voluntário e gratuito tanto escrevendo nesta página quanto discursando fora dela em fóruns, entrevistas etc. É um trabalho que tem um objetivo e que vale a pena refletir se está sendo alcançado.
Que objetivo? Como já foi dito aqui por reiteradas vezes, o de estimular o cidadão a não se omitir, a comentar, a entender que cada um de nós tem força para mudar o mundo, se quiser. Bastando, para tanto, acreditar que se engajar, escolher um lado e lutar por ele faz parte da natureza humana, pois ninguém pode ter a pretensão de se tornar juiz de nada além de si mesmo – e, talvez, nem disso.
Mas o que tem decorrido desse trabalho que não rende dinheiro, apesar de consumir tempo e energia, mas rende prazer intelectual e favorecimento da auto-imagem? O objetivo, aqui, é somar ou dividir?
É difícil, praticamente impossível, talvez totalmente impossível escrever sobre política sem gerar divisão. Esse é um dos defeitos freqüentes que o blogueiro vê em seus críticos que lhe dizem que estaria dividindo a sociedade, pregando “luta de classes” etc. No entanto, algumas críticas mostram que é possível discutir política dividindo menos, só quando não tem jeito.
Por décadas a fio – desde quando comecei a me interessar por política, aos 13 anos, portanto há quase quarenta anos –, fui obrigado a me indignar calado com a falta de representação de minha opinião político-ideológica – muito parecida com a de uma pequena legião de cidadãos – nos meios de comunicação de massa, sobretudo por ter nascido pouco antes de uma ditadura cruel se abater sobre este país. Isso represou uma indignação que foi libertada a partir do momento em que se tornou possível me manifestar publicamente, décadas após o fim do regime autoritário, ao descobrir as seções de cartas de leitores dos jornais. Depois vieram as listas de e-mails e, depois, este blog.
O represamento dessa indignação por tanto tempo deixou seqüelas neste blogueiro, dotando-o de um estilo panfletário, veemente e indignado que pode até atrair quem se sente da mesma forma, mas que, em um momento político como o que vive a nação, percebo que precisa ser moderado.
Vejo o ódio decorrente da divisão política e ideológica se espalhando por este país e assumindo um perfil assustador. Como se não bastasse a virulência das palavras nos debates políticos, questões ligadas a valores intrínsecos da pessoa e que têm muito que ver com política vão gerando essa violência nas ruas contra homossexuais, negros, nordestinos…
Alguns atribuirão o fenômeno à direita, aos reacionários, enfim, àqueles que teorizam e espalham o preconceito por atos e palavras, apesar de que preconceito tem o caráter “democrático” de poder ser construído contra qualquer um. Mas será que quem escolhe a represália ao preconceituoso, em vez do diálogo, não está colaborando com a intolerância?
Não é possível diálogo com a maioria dos pacientes preconceituosos? Pode ser – e, provavelmente, é –, mas não será a baixaria, a briga de rua, os insultos que irão mudar alguma coisa. Muito pelo contrário: xingar o preconceituoso ou o reacionário só o empurra mais fundo em seus dogmas.
A serenidade e a educação muitas vezes são tomadas como “fraquezas” diante de um adversário virulento, mas essas qualidades nos permitem ser racionais enquanto o adversário intelectual se entrega à irracionalidade da disputa sem termos.
Como autocrítica, devo reconhecer que não tenho tido muito sucesso em controlar a indignação que represei durante a maior parte da vida. Todavia, após mais de uma década como comunicador das idéias que sufoquei por tanto tempo, talvez tenha chegado a hora de começar a controlar a impetuosidade.
Isso não significa deixar de dizer o que precisa ser dito, mas controlar a forma como é dito. Talvez alguns tenham notado que minha relação com os divergentes aos quais dou espaço nesta página se tornou menos exacerbada. É porque busco a serenidade para uma missão duríssima, de combater o preconceito sem mergulhar ainda mais o preconceituoso em sua doença moral.
Mesmo os oportunistas, aqueles que querem fazer você de escada para venderem suas idéias ou a eles mesmos ao entorno, atingem seu objetivo quando você “rasga a camisa” e, indignado, acusa-os, cita-os, entra no jogo deles.
É extremamente difícil manter a serenidade quando se tem que lidar com centenas e centenas de pessoas todos os dias, sendo que parte delas faz o inverso da parte que te elogia, mesmo essa parte adversária sendo minoritária, pois alguns adversários lhe dedicam um ódio e um nível de maldade assustador.
O valor moral e intelectual de uma pessoa, porém, é medido pelo nível de dificuldade que ela é capaz de superar. Ser capaz de manter a serenidade após ler ou ouvir um ataque baixo à sua família, por exemplo, ou uma desqualificação total e cruel de sua pessoa, é para poucos. Perder o controle e sair xingando, é fácil. Difícil é ser senhor de si mesmo.
Fiz minha autocrítica, pois. Espero tê-lo convencido a fazer a sua. Sobretudo se não tiver o hábito. Bom proveito.