Entenda por que o IDH do Brasil subiu pouco

Análise

Injunções políticas do governo e da oposição estão desvirtuando o fundamental debate sobre o último relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que apontou avanço para lá de modesto do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O índice brasileiro passou de 0,699 na edição de 2010 para 0,718 na deste ano.

Apesar da melhora percentual de quase 3% no índice, que não é nada má – bastando considerar que, a continuar melhorando nesse ritmo, em uma década o país chegará ao seleto grupo de países de desenvolvimento humano “muito alto” –, o novo índice coloca o Brasil como 84º país com melhor qualidade de vida, quando, em 2010, apareceu como o 73º país.

A oposição federal se assanhou e saiu alardeando dados distorcidos, informando exatamente que o país teria caído no ranking dos países com melhor qualidade de vida sem contextualizar a informação. Já do lado governista, quem saiu a campo foi o ex-presidente Lula, que a mídia afirma que teria ficado “irado” com a posição em que o Brasil apareceu no relatório da ONU.

Teremos que tratar essa questão de forma desapaixonada caso queiramos entender o que está acontecendo de verdade com o nosso país. Para muitos, a questão se mostra “chata” devido ao emaranhado de índices e variáveis que precisam de análise muito apurada para dizerem alguma coisa,  mas sugiro que o leitor empreste bastante atenção a este texto.

Comecemos pela queixa de Lula, da qual decorreu a da ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, que disse ontem que “O resultado do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 2011 não reflete os avanços mais recentes do País em saúde, educação e transferência de renda”. Já a queixa da oposição é a de que nosso IDH teria “caído” da 73ª posição para a 84ª.

Tanto um lado como o outro desconsideram mudanças não só como a que ocorreu no cálculo do índice em 2010, mas ao longo da década. Avaliemos as posições de um lado e do outro.

Em primeiro lugar, a 73ª posição do ano passado, pela nova metodologia do PNUD (usada no relatório deste ano), seria 85ª e não 73ª. Há uma horda de militantes oposicionistas divulgando essa distorção. Mas, desta vez, a imprensa informou corretamente os dados e não fez muito carnaval sobre a estagnação do Brasil no ranking do desenvolvimento humano.

Contudo, a reclamação do governo Brasileiro, em última instância, apesar de ter um certo fundamento – a de que o PNUD continua usando dados ultrapassados (de 2006 ou 2004, há controvérsias) sobre saúde, educação, expectativa de vida, distribuição de renda e nível de pobreza –, não procede inteiramente.

Não está provado que a ONU só usa dados ultrapassados do Brasil. A informação oficial é a de que tampouco houve atualização de dados dos outros países ranqueados no relatório 2011. O que o governo faz, com sinal trocado, é o mesmo que fez o colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi quando foi divulgada forte melhora do país no índice de Gini, que mede a desigualdade de renda.

O colunista em questão disse que a queda na desigualdade seria falsa porque não levaria em conta o dinheiro que os ricos ganham escondido, o que é uma bobagem porque não passaram a esconder dinheiro do fisco só agora e tampouco há um só argumento que mostre que só no ano passado começaram a esconder mais os seus lucros não declarados.

Não é bom desqualificar índices que, se não são perfeitos, ao menos permitem uma base de comparação, sendo absurda a tese de que a ONU estaria prejudicando o Brasil de alguma maneira que, da forma como é dita, parece conter má fé, o que não tem qualquer sentido pois a boa vontade com o Brasil hoje no mundo, é inegável.

Sendo assim, vamos entender por que o IDH do Brasil melhorou muito mais na década de 1990, pela qual passou mergulhado em crises econômicas, desemprego e recessão do que na década 2000, quando passou a experimentar o forte desenvolvimento que todos conhecem e que todas as estatísticas oficiais mostram.

O gráfico abaixo mostra como a melhora brasileira no ranking do desenvolvimento humano subiu mais na penúltima década do que na última.

Logo se apressarão os militantes oposicionistas para dizer que aí está a prova de que o governo FHC foi melhor do que o governo Lula, o que ninguém bom da cabeça dirá simplesmente porque todos os dados econômicos e sociais (desemprego, pobreza, educação, saúde, crescimento econômico etc.) disponíveis revelam que o Brasil melhorou exponencialmente na década passada, em relação à anterior.

Por que, então, só o IDH não reflete a forte melhora do Brasil na década passada? Como pode mostrar que na penúltima década o país melhorou mais rapidamente do que na última se até os oposicionistas e a imprensa concordam que não foi assim, apesar de atribuírem o desempenho do país, nos anos 2000, ao que teria “semeado” o governo FHC?

Muitos já sabem de parte da explicação, que é a mudança de metodologia do IDH a partir de 2010, com a criação do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM). A imprensa está dando essa informação. Veja, abaixo, trecho de matéria do portal Terra:

A principal crítica do governo é ao Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), um dos indicadores complementares do IDH, divulgado no mesmo dia pelo Pnud. O IPM vai além da renda e avalia privações nas áreas de saúde, educação e padrão de vida para avaliar se uma pessoa é pobre. O índice considera privações em dez indicadores, como nutrição, acesso à água potável, saneamento, acesso à energia e anos mínimos de escolaridade. É considerado multidimensionalmente pobre o indivíduo privado de, pelo menos, um terço dos indicadores. Segundo o Pnud, 2,7% da população brasileira, cerca de 5 milhões de pessoas, estão incluídos nesse tipo de pobreza.

Contudo, a forte redução do ritmo de melhora do Brasil no IDH que se constata comparando os anos 1990 com os anos 2000 não se deve só à mudança de metodologia no ano passado, mas às profundas mudanças que o cálculo do índice sofreu ao longo da década passada inteira, mudanças que, acima das de qualquer outro indicador, deram peso muito maior à educação.

É de educação, pois, que se deve falar para entender por que há dez anos o Brasil melhora pouco no ranking de desenvolvimento humano da ONU.

Sim, o brasileiro ficou mais rico, a renda passou a ser melhor dividida, a saúde apresentou melhoras consistentes, o nível de empregou apresentou melhora inacreditável, colocando o Brasil com um dos mercados de trabalho mais atraentes em termos de oportunidades, mas em uma área este país permaneceu estagnado.

A educação, no Brasil, não melhora. E hoje, não só no ranking da ONU mas no mundo real, educação é o que conta.

Em qualquer parte do globo terrestre, atualmente, a nova geração vem dando importância nunca dada à educação, lutando para estudar como nunca. Em Angola, por exemplo, país de baixo desenvolvimento humano em que estive não faz muito tempo, a sociedade mergulhou de cabeça nos estudos para superar a pobreza. O mundo mergulhou nos estudos.

As posições do Brasil em todos os certames internacionais de aferição do estágio de cada país na educação continuam se mostrando tão medíocres quanto antes da era Lula, com melhoras laterais que em nada lembram a revolução do país na economia ou na redução da pobreza. Isso porque os esforços do governo federal são insuficientes, apesar de terem sido intensos.

O governo federal, na década passada, ampliou e democratizou como nunca o acesso ao ensino superior, implantou uma rede importantíssima de escolas técnicas, mas o que fez pouco influiu no conjunto do indicador educação porque a parte mais pesada desse indicador se refere à educação fundamental e média, que, invariavelmente, fica a cargo dos Estados e municípios.

Mas como, se há vários estados e municípios investindo alto em educação? Recentemente, um secretário de uma administração municipal da grande São Paulo revelou-me que a prefeitura de sua cidade comprou tablets para todos os alunos da rede pública. Imagine só, leitor. Disse-me, aliás, que há tanta verba para educação disponível que o município nem conseguiu gastá-la toda, por isso investiu nos tablets.

O grande problema da educação no Brasil, então, não é falta de investimentos em escolas e materiais. O problema deste país é que só onde não se gasta dinheiro em educação é na formação e na remuneração de professores. Aliás, quem quer ser professor, hoje, neste país? Para que? Para apanhar da polícia, como em São Paulo ou em Minas?

E mesmo em governos do PT há fortes reclamações dos professores da rede pública. Bahia e Rio Grande do Sul que o digam, ainda que em São Paulo e Minas vigore uma situação surreal em termos de remuneração dos professores, com salários menores do que são pagos em Estados pobres do Norte e Nordeste.

Aliás, até a educação privada – mesmo a educação privada de elite – brasileira é ruim. E tudo se deve não apenas aos baixos salários dos professores mesmo na rede privada, mas ao desprestígio da profissão de educador. Repito: quem quer ser professor, hoje, no Brasil? A profissão não atrai.

Professores mal formados que, muitas vezes, não conseguem escrever um mero bilhete usando a norma culta são produtos de cargas de trabalho extenuantes, de salários pouco atraentes que afastam os mais preparados, enfim, o desprestígio generalizado da profissão torna o magistério uma área que terminará por ter falta de profissionais.

Nesse aspecto, o governo central pouco pode fazer. A não ser que, em consonância com o poder Legislativo e até com a oposição, promova uma revolução na educação, o que não ocorrerá a curto ou a médio prazo porque fazê-lo passará por formar uma nova geração de mestres motivados e suficientemente preparados para transmitir conhecimento de verdade.

O Brasil está superando tudo – pobreza, baixo crescimento, desemprego, concentração de renda –, menos o péssimo nível de educação e a baixa cultura comum a todas as classe sociais, inclusive às mais abastadas, do que é prova termos um mercado editorial de livros incompatível com a dimensão sócio-econômica e até demográfica do país.

Para que não reste dúvida, portanto, reitero: enquanto os professores forem tratados pelo Estado e até pelos empresários da educação como um mal necessário e não como o centro dos esforços para melhorar a educação no país, continuaremos amargando por muito tempo, ainda, um desempenho pífio no ranking de desenvolvimento humano.