O Dia do Perdão
Questionar a principal data comemorativa do cristianismo se tornou quase obrigação ao longo dos séculos que sucederam o nascimento de Jesus Cristo. Questionam-se consumismo, gula, narcisismo, ostentação, futilidade, falta de reflexão sobre o sentido da data e até aquele que a considera período propício a sentimentos edificantes.
Contos e crônicas de Natal remetem a histórias de abrandamento de corações e de milagres que contemplariam os despossuídos, muitas vezes decorrendo, tais milagres, da generosidade que a data gerou. Mas a própria existência de toda essa cultura em torno de uma data religiosa é vista como a mais soberba manifestação de hipocrisia.
A principal crítica que se faz ao Espírito de Natal, assim, é a de que se trata de uma farsa porque deveríamos ser generosos o ano todo. Mas como não somos suficientemente generosos, simulamos generosidade apenas um dia ao ano, quando fingimos que abrimos a porta dos nossos corações para o perdão, para a compaixão e a generosidade.
Perdoar no Natal parece apenas mais uma das faces da hipocrisia que seqüestrou a noite de 24 de dezembro e o dia que a sucede, quando o Bom Velhinho capitalista, em suas roupas escarlates, empurra-nos às compras como se dinheiro, embrulhos coloridos e banquetes faustosos operassem a remissão dos pecados.
Por outro lado, não estimular tolerância e generosidade no Natal só porque tais sentimentos escasseiam no resto do ano seria desperdiçar a oportunidade de aproveitar um momento em que as pessoas estão mais receptivas para exortá-las a adotarem atitudes positivas que não teriam comumente.
Dirão que o perdão concedido graças a comportamento adotado só por conta dos costumes, sem uma origem interior legítima, é falso, inexistente. Todavia, será que o que falta para que as pessoas se perdoem umas às outras não é a chance que se dá ao indivíduo de perdoar sem parecer fraco diante de si ou dos outros?
O maior inimigo do perdão, pois, é o orgulho. Quem sabe o homem não precise dessa desculpa para perdoar não só aos outros, mas a si mesmo. Uma data comemorativa em que perdoar é visto como ato de grandeza e de força usa o orgulho contra si mesmo, pois faz o indivíduo descer do pedestal como prova de suas qualidades.
Se o Perdão Natalino não é legítimo, ao menos predispõe quem o pratica a talvez lograr posteriormente vencer o ressentimento, um sentimento que jamais faz bem a qualquer ser humano porque nos impele a ter sempre que ficarmos tentando provar que quem errou foi o outro.
Não é preferível, então, que exista um dia em que nos disponhamos a pôr o orgulho de lado a fim de começar a sobrepujar rancores que, se pudéssemos voltar no tempo, teríamos optado por não começar a edificá-los? Enfim, caro leitor, esta reflexão não o fez lembrar daquela pessoa a quem você não ainda não conseguiu perdoar?