Malvinas, o arquipélago roubado
No início deste mês, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, liderou um ato com ex-combatentes da Guerra das Malvinas, conflito militar travado há quase trinta anos entre o seu país e o Reino Unido pela soberania sobre as ilhas.
Cristina convocou governadores, prefeitos, parlamentares, empresários, funcionários públicos e representantes de organizações sociais para discutirem a disputa pelo arquipélago às vésperas do 30º aniversário da guerra travada entre o Reino Unido e a Argentina em 1982.
Em resposta, a coroa britânica enviou às Ilhas Malvinas (que os ingleses chamam de Falklands) um de seus navios de guerra mais modernos, o destróier HMS Dauntless, e o próprio príncipe William, revelando pouca disposição para o diálogo.
Apesar de alguns órgãos de imprensa nacionais estarem afirmando que Cristina poderia agir como a ditadura militar argentina em 1982 – que, para distrair a população dos problemas econômicos e da falta de liberdades individuais, invadiu o arquipélago –, a hipótese é absurda.
Em 2 de abril de 1982, a Argentina se meteu em uma guerra com a Grã Bretanha da qual saiu fragorosamente derrotada devido à disparidade de forças, guerra essa que marcou o fim do regime autoritário. Nenhum governante democrático meteria o país em tal aventura.
Isso não significa que a pressão internacional não esteja aumentando para fazer cumprir resolução da ONU de 1965 que qualificou a disputa como “problema colonial” e convocou as partes a negociarem.
Os países do Mercosul decidiram recentemente bloquear a entrada em seus portos de navios com bandeira das ilhas Falkland (Malvinas). Além disso, a Argentina tenta impedir, em negociações com o Chile, a saída do único voo da LAN Chile que liga as Malvinas ao continente americano.
Mas, afinal, com quem está a razão? Por que a Argentina exige a posse das Ilhas e por que a Inglaterra se nega até a responder aos questionamentos não só do país adversário, mas dos seus aliados e da própria ONU?
Recentemente, colunista de uma revista semanal que compra e vende interesses das grandes potências no Brasil bateu na tecla de uma possível nova invasão das Malvinas pela Argentina, colocou-se ao lado da Inglaterra e justificou tudo com o fato inquestionável de que os cerca de 3 mil habitantes do Arquipélago não querem deixar de ser britânicos.
A questão sobre a soberania das Ilhas, assim, fica reduzida à vontade de um reduzido contingente de descendentes de escoceses, galeses e irlandeses que a Inglaterra enviara ao arquipélago na primeira metade do século XIX. Não é por outra razão que as Malvinas têm hoje a talvez menor densidade demográfica do mundo, 0,24 habitante por quilômetro quadrado.
A vontade desse pequeno grupo de ocupação é suficiente para tirar da Argentina um território que considera seu? E por que o país considera o Arquipélago como seu se está a 550 quilômetros de sua costa?
Mesmo estando a 12.800 quilômetros da Grã Bretanha, ainda assim as Malvinas não estão dentro das águas territoriais argentinas, pois o conceito internacional de mar territorial é de 12 milhas (22 quilômetros) e o de Zona Econômica Exclusiva (que regula direitos das nações sobre a exploração e uso de recursos marinhos) é de 200 milhas (370 quilômetros).
A explicação do pleito argentino reside na colonização das Malvinas. É certo que o primeiro desembarque ali foi feito pelo navegador inglês John Strong em 1690, que batizou as ilhas como “Falklands” em homenagem ao Visconde de Falkland, primeiro lorde da marinha inglesa. Mas desembarcar não é colonizar…
As Malvinas ficaram abandonadas até 1764, quando o francês Louis Antoine de Bougainville instalou uma base naval no Arquipélago, chamando-o de Îles Malouines, de onde deriva o nome “Malvinas”.
Em 1765, o navegador britânico John Byron estabelece uma base em uma das ilhas desocupadas, ignorando a ocupação francesa.
Em 1766, a França vende a sua base para a Espanha, que declara guerra à presença britânica nas ilhas, mas a disputa se acalma no ano seguinte, decidindo-se que a parte oriental seria controlada pela Espanha e a parte ocidental pelos britânicos.
Em 1811, os espanhóis abandonam as ilhas. Durante quase uma década, as Malvinas ficam desocupadas por falta de interesse inglês, francês ou espanhol.
Em 1820, a Argentina ocupa as ilhas que ninguém queria, envia os primeiros colonos e estabelece um governo Local.
Em 1833, no entanto, a mais poderosa marinha do mundo, a britânica, invade o Arquipélago e informa aos argentinos que o Império iria retomar a posse das ilhas. O governo argentino, considerando que não havia condições de resistir, se rende aos invasores.
Se alguém considera que as razões argentinas são insuficientes não se pode dizer que as inglesas sejam muito melhores. A Argentina, aliás, tem a seu favor o fato de que colonizou território que estava vazio, que não desalojou ninguém e que foi agredida e teve aquele território usurpado.
Não foi por outra razão que a ONU reconheceu a razão argentina ao menos de querer negociar. O que seria justo, obviamente, seria uma divisão do Arquipélago, mas a Inglaterra imperial não negocia, sequer responde aos questionamentos, mostrando de onde vem o comportamento dos EUA em conflitos internacionais.
Imagine você, leitor, se algum país estrangeiro ocupa parte do nosso território, coloca ali minúsculo contingente populacional e depois se diz seu dono porque aquele contingente quer ser governado por tal país. É isso o que acontece no conflito anglo-argentino.