Na falta de Maluf
A sucessão municipal de São Paulo está atraindo a atenção do país devido ao fato de que Lula e José Serra são os políticos que realmente terçarão armas nessa campanha eleitoral. O pré-candidato do PT, Fernando Haddad, pode ajudar ou atrapalhar a missão de seu padrinho político de tentar vitaminá-lo eleitoralmente, mas não será o protagonista pela esquerda.
Se tivesse que resumir o que espera o ex-ministro da Educação e o seu padrinho, diria que têm pela frente uma missão “impossível”… Ou, sendo otimista, “quase impossível”.
A pesquisa Datafolha divulgada na internet ao fim da tarde de sábado último deve ter parecido impressionante a quem é de fora, mas não chega a surpreender os paulistanos. A mera manifestação de José Serra de que é candidato a candidato a prefeito o fez crescer quase dez pontos (de 21% ao fim de janeiro para 30% agora).
E o que é mais impressionante: sua decisão de disputar a indicação de seu partido nem teve uma cobertura jornalística tão grande, ainda que tenha sido maior do que caberia se a imprensa local praticasse jornalismo.
Quem não é de São Paulo e não conhece os meandros de sua realidade político-ideológica deve ter ficado surpreso. Como político nacional, Serra vinha perdendo importância. O livro da Privataria Tucana e a sua decadência no PSDB vinham lhe gerando desmoralização intensa pelo país. Entre o eleitorado da capital paulista, porém, mostra-se mais forte do que nunca.
Conhecendo Serra, é de se imaginar que esteja “se achando”. Aliás, nem é preciso imaginar, pois seus próprios correligionários no PSDB vinham dizendo isso, como mostrou vídeo amplamente difundido na internet em que a esposa do jornalista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi, uma dirigente do PSDB, alude à egolatria do tucano.
A vaidade de Serra diante de sua disparada eleitoral é um auto-engano. São Paulo vota no reacionário de plantão. É a cidade que continuou votando no PSDB após o crime organizado colocá-la de joelhos em 2006, obrigando a polícia a fazer um acordo. São Paulo é uma cidade em que a criminalidade explodiu e a população acredita na imprensa quando diz que diminuiu.
São Paulo é a cidade que votou em peso em Serra para governador, em 2006, após ter violado promessa por escrito de cumprir até o fim seu mandato como prefeito; é a cidade que, em maioria, acha que a responsabilidade por todos os seus problemas – transporte, segurança, educação etc. – é do governo federal e que não sabe para que servem prefeito e governador.
O mais bizarro na mentalidade da maioria dos paulistas é que não se trata de um povo majoritariamente inculto. Um fato que poucos sabem: o paulistano é talvez o povo que mais lê jornal no país, e é aí que reside a razão de sua incapacidade para enxergar a realidade.
São Paulo é uma cidade em que a maioria dos trabalhadores lê jornal, mesmo que só leia manchetes de primeira página, noticias policiais e de esporte. Basta olhar para as bancas de jornal da cidade nas primeiras horas do alvorecer dos dias úteis para ver o paulistano parado olhando as manchetes.
Esse povo trabalhador prefere jornais populares que trazem tons vermelhos berrantes e fotos de “gostosonas” na primeira página. Esses jornais, hoje, são editados pela Folha de São Paulo e pelo Estadão. Já a revista Veja, faz a cabeça da classe média.
Jornais como Agora (Grupo Folha) e Jornal da Tarde (Grupo Estado) e as rádios CBN e Eldorado são os pilares da direita paulistana. Falam mal do PT e bajulam a direita em alta no momento durante 365 dias por ano. Durante a última década, Serra e Geraldo Alckmin foram os beneficiários do apoio desses veículos.
Além de Haddad ser petista e desconhecido, além de provavelmente vir a ter menos tempo que Serra na propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, terá toda a grande imprensa paulista contra si. É pouco ou querem mais?
Esse poder de manipulação que a imprensa paulista tem no Estado vem de décadas incontáveis. A maioria dos paulistanos vivos, seja de que idade for, cresceu sendo doutrinada a acreditar em tudo que sai no jornal, no rádio e na tevê, sendo incapaz de questionar, de pensar por si.
O paulistano, em maioria, pensa com a cabeça da mídia.
Não é por outra razão que, em um paradoxo, é em São Paulo que surgiram as maiores lideranças de esquerda na história recente do país, das quais Lula é a expressão máxima, pois é neste Estado, também, que surgiu a resistência mais ferrenha à direita.
A pujança da indústria paulista fez florescer o sindicalismo mais impetuoso e organizado da América do Sul, ao menos, e que produziu esse terço do eleitorado paulista ou paulistano que há décadas tenta, em vão, libertar o Estado do jugo conservador.
A direita paulistana costuma rebater a teoria sobre esse amplo e inarredável viés conservador da maioria dos paulistanos mencionando as eleições de Luiza Erundina, de Celso Pitta e de Marta Suplicy. Das mulheres por serem mulheres e de esquerda, e do homem, por ser negro.
Essas eleições foram meros acidentes. Erundina se elegeu porque a eleição era em um turno só. Teria perdido de qualquer adversário que tivesse ido com ela para o segundo turno, se segundo turno houvesse à época.
Marta foi produto da aliança inevitável entre PSDB, PT e mídia para derrotar Maluf, que a mesma mídia, anos antes, apoiara contra Eduardo Suplicy e que, sempre com a ajuda midiática, elegera Celso Pitta. O tresloucado apoio da mídia a alguém como Maluf só para impedir o PT de vencer uma eleição pôs São Paulo em estado de calamidade pública.
Já o Pitta, o pobre Pitta, que foi usado e jogado fora, que não teria como governar porque herdou de Maluf uma massa falida e um esquema de corrupção institucionalizado na prefeitura, só se elegeu porque um homem branco e rico lhe deu seu aval, pintando-o como “mal necessário” para barrar “os comunistas”.
Se Maluf tivesse sido eleito em 2000, é difícil prever que nível de tragédia poderia se estabelecer em São Paulo. Naquele ano, os serviços públicos estavam paralisados. A cidade parecia uma terra de ninguém. A prefeitura paulistana estava literalmente falida. Havia que impedir Maluf e só restou Marta devido aos 30% que o PT costuma ter em São Paulo.
Assim mesmo, com mídia, PSDB e todo o aparato sindical e político do PT aglutinados em torno de Marta, foi duro derrotar Maluf em 2000. Ela teve 58.51% dos votos e ele, 41.49%. Chega a ser inacreditável que quase metade dos paulistanos tenha votado em Maluf. A cidade arrasada pelo candidato que ele indicara e a população lhe deu tal nível de apoio…
Qualquer candidato com o figurino reacionário que Serra vestiu, portanto, seria eleito com facilidade em São Paulo. O perfil político que agrada mesmo à maioria dos paulistanos é o de Maluf. A maioria gostaria mesmo é de votar nele. Sua prisão há alguns anos, porém, envergonhou seu eleitorado. Mas, em sua falta, serve um José Serra qualquer.