Record, o bispo, a blogosfera e o efeito espinafre
Comecemos pelo dono da Rede Record, o bispo Edir Macedo, porque, como sempre acontece quando a emissora do fundador da Igreja Universal divulga alguma coisa que não interessa aos grupos políticos que contraria, a estratégia dos contrariados é a de desqualificar o portador da mensagem em lugar de contestar seu conteúdo.
Macedo tem, sim, uma trajetória controversa. Contudo, não difere tanto das de outros barões da mídia. É fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que, segundo o Censo 2000 (IBGE), tem mais de 8 milhões de fiéis em cerca de 170 países da Europa, da Ásia, da Oceania, da África e das Américas. Ainda segundo o IBGE, a IURD é a quarta maior corrente religiosa do país.
Dono de fato e de direito da Record, Edir Macedo Bezerra (Rio das Flores, Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1945) é oriundo de família católica praticante, mas chegou a frequentar terreiros de Umbanda na juventude, posteriormente abandonando essa fé para se tornar evangélico. Autor de vários livros religiosos, tornou-se doutor em Teologia e Filosofia Cristã pela Faculdade de Educação Teológica do Estado de São Paulo.
Casou-se, teve duas filhas e, 14 anos depois, adotou uma criança recém-nascida. Tornou-se pastor evangélico em 1974. Pregava ao ar livre do coreto de uma praça do Méier, no Rio de Janeiro. Em 1977, fundou a Igreja Universal no prédio de uma antiga funerária na Zona Norte do Rio de Janeiro. Bacharelou-se em teologia em 1981.
Em 1989, com outros empresários assumiu a direção da então deficitária TV Record, que tinha apenas três emissoras – uma na capital e duas no interior de São Paulo. Todavia, a compra da emissora por Macedo só se deu em 1991, quando adquiriu seu controle acionário.
Em 1989, sofreu o primeiro ataque na mídia através da então Rede Manchete (hoje RedeTV!), que criticou os métodos da IURD de colher dízimos dos seus fiéis. Na década de 90, após a compra da Rede Record, emissoras concorrentes desencadearam uma série de matérias em formato de denúncia.
Em 1992, Macedo foi preso sob acusação de charlatanismo, curandeirismo e envolvimento com tráfico de drogas. Foi sumariamente inocentado. Uma semana após ser preso, foi libertado.
Em 1995, a Globo exibiu, no Jornal Nacional, reportagem contra o concorrente que o mostrava ensinando seus pastores a convencerem os fiéis da IURD a darem ofertas e dízimos. A matéria exibiu filmagem clandestina de um dos pastores que se desligou da IURD e que mostrava Macedo em meio a brincadeiras, sugerindo que seus “alunos” utilizassem a filosofia do “dá ou desce”, referindo-se a fiéis que não davam dízimo.
Em resposta, o bispo da IURD concedeu entrevista ao telejornal de sua emissora a fim de se explicar: “A pessoa dá [o dizimo] e é abençoada ou desce, fica para trás, deixa de ser abençoada por Deus”.
Edir Macedo também foi denunciado pelo Ministério Público por importação fraudulenta de equipamentos e uso de documento público falso. O processo foi aceito pela Justiça Federal, que terminou com apreensão de uma carga de 1,7 toneladas de aparelhos para radiodifusão. Com base na apreensão, o Ministério Público denunciou Macedo, mas não houve condenação.
Em 2009, o líder da IURD e proprietário da Record foi novamente alvo de denúncias do Ministério Público de São Paulo, que o acusou de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Em 2010, porém, todas as denúncias foram sumariamente anuladas.
Detalhe: o Ministério Público de São Paulo ainda tenta salvar as suas denúncias contra Macedo, mas a versão paulista da instituição MP vem recorrentemente sendo acusada de atuar politicamente em favor do PSDB. Recentemente, o governador Geraldo Alckmin ignorou a lista tríplice do MPE – SP e fez do segundo colocado o novo procurador-geral do Estado.
Nunca surgiram denúncias de corrupção envolvendo dinheiro público, relações suspeitas com políticos e governos etc. De concreto contra Macedo, há, apenas, a apreensão de equipamentos de televisão pela Receita Federal.
Ainda que os métodos da IURD de receber financiamento de seus fiéis sejam questionáveis, todas as igrejas brasileiras – incluindo a católica – também recebem doações de seus “rebanhos”, além de isenções mil de impostos. Além disso, outros donos de redes de televisão também sofreram processos e, como Macedo, também foram inocentados.
Sobre trajetórias controversas, Roberto Marinho, fundador da Globo, viu seu império crescer à sombra da ditadura militar. E, como Macedo, sofreu vários processos. João Saad, fundador da Rede Bandeirantes, era caixeiro-viajante até que se casou com a filha do ex-governador paulista Ademar de Barros em 1947. Em 1948, assumiu a Rede Bandeirantes. Além de também ter sido agraciado pela ditadura, seu sogro, Ademar de Barros, entrou para a história como notório ladrão de dinheiro público.
Nenhum desses barões da mídia está sendo absolvido. Todos eles têm trajetórias controvertidas, são alvos de acusações de seus respectivos desafetos. Nenhum deles pode ser santificado ou considerado melhor do que os outros.
O que se pode dizer de inquestionável sobre os barões da mídia eletrônica é que os mecanismos para concessões públicas de rádio e tevê é que estão errados, pois baseiam-se em critérios que nada têm que ver com o interesse público e com os ditames constitucionais.
Hoje, a Record, como a Globo, tem uma opção política. Se está correto? No mundo inteiro conglomerados de mídia fazem tais escolhas. Quem tenta desqualificar a recente tomada de posição política da Record contra a Veja e seus aliados midiáticos com base na trajetória de Edir Macedo, portanto, pratica vigarice intelectual.
As denúncias de emissoras concorrentes da Record contra os dois últimos governos federais do PT são sempre levadas a sério, investigadas e geram demissões – ou não. Mas são ao menos examinadas. No caso de Veja, os concorrentes da Record querem descartar as denúncias sem examinar nada.
O que é interessante, nesse processo, é que, pela primeira vez, o que está fundamentando série de denúncias de uma TV é nada mais, nada menos do que a Blogosfera Progressista.
A matéria contra a revista que a emissora levou ao ar no último domingo, aliás, teve novo capítulo no Jornal da Record da última sexta-feira. Quem não assistiu a mais esse round da campanha da Record pela investigação da Veja, pode assisti-lo ao fim deste post.
A Record, ao replicar blogs políticos, vai se tornando, para eles, uma espécie de “espinafre” como o que o personagem dos quadrinhos Popeye ingeria para ganhar força. Claro que, à diferença do personagem infantil, o “espinafre” televisivo não está sempre à mão da Blogosfera – só aparece quando a emissora julga interessante.
Seja como for, é um fenômeno novo a segunda maior rede de televisão do país levar a dezenas de milhões de brasileiros o conteúdo de blogs políticos – e qualquer leitor da blogosfera que assistiu ou vier a assistir denúncias ou abordagens da Record contra a Veja perceberá que se originaram de vários blogs, inclusive deste.
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Assista, abaixo, à edição de ontem (sexta-feira, 11 de maio) do Jornal da Record