Regulação da mídia argentina é mais branda do que a britânica

Reportagem

 

Nesta sexta-feira (7), vence o prazo para que os grupos de mídia argentinos que ainda não se enquadraram na “Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual” – popularmente conhecida como “ley de medios” – apresentem seus projetos de “desinvestimento”, ou seja, de venda do excesso de plataformas de mídia. Movimentos sociais prometem ir às ruas comemorar.

Em países como o nosso, impérios de mídia se põem a “denunciar” que estaria ocorrendo algum tipo de “censura”, de cerceamento de “liberdade de expressão” no país vizinho por ação de uma lei que vem sendo elogiada até pela relatoria das Nações Unidas sobre liberdade de expressão no mundo.

O mais revoltante é que os grupos de mídia e entidades internacionais que acusam o governo argentino de “censor” são os mesmos que ajudaram a implantar ditaduras pela América Latina ao longo do século passado, e que se submeteram, voluntariamente, à censura imposta por tais ditaduras.

Na Argentina, o grupo Clarín, propugnador e sustentáculo da sangrenta ditadura que se abateu sobre aquele país, é o principal alvo da “ley de medios” devido ao tamanho mastodôntico que enverga. Assim como a Globo, porém, esse grupo de meios de comunicação seria ilegal em qualquer país desenvolvido.

A mídia latina, assim, reclama de barriga cheia das leis de regulação do setor.

O relatório do juiz britânico Lord Brian Levenson, no âmbito de inquérito aberto por conta dos crimes cometidos pelo grupo midiático do magnata Rupert Murdoch, propõe endurecer ainda mais uma regulação que já é bem mais dura do que aquelas que se propõem em países latinos.

A Inglaterra já possuía um órgão de regulação da imprensa escrita, o que na América Latina seria impensável. Por funcionar no formato de autorregulação, o  Press Complaints Commission – que, em tradução livre, significa comissão de reclamações da imprensa – é gerido e financiado por órgãos de imprensa.

Vale repetir: nem se cogitam, na América Latina, comitês de regulação da imprensa escrita. As propostas de regulação giram em torno das concessões públicas de rádio e tevê.

Agora, porém, o rumoroso “Relatório Levenson” propõe que seja criado um novo órgão em substituição ao Press Complaints Commission. Seria um órgão independente dos grupos de mídia e do governo, pois a sociedade britânica já percebeu que delegar aos grupos de mídia a missão de se autorregularem corresponde a pôr a raposa para tomar conta do galinheiro.

Uma curiosidade: no Brasil, os oligopólios de meios de comunicação nem estão “ameaçados” por uma lei como a argentina, que determina que os grandes grupos se desfaçam de parte de seus ativos. A proposta deixada pelo ex-ministro da Secom Franklin Martins não pede planos de “desinvestimento” como na Argentina, apenas pede que novas concessões obedeçam a critérios anti-oligopolistas.

A diferença entre a mentalidade da mídia em países subdesenvolvidos e em países desenvolvidos fica clara quando se vê um jornal conservador britânico como o Financial Times condenar, publicamente, a “falta de humildade” da indústria de jornais diante das críticas que decorreram dos crimes das empresas de Rupert Murdoch naquele país.

Se existe alguma falta de liberdade de expressão em um país como o nosso, portanto, ela é produzida justamente pela imprensa, que se recusa a debater o assunto, bloqueando qualquer defesa da regulação do setor em seus jornais, revistas, rádios, televisões e portais de internet.

Em todos esses anos, desde que se começou a falar em regular as comunicações eletrônicas no Brasil, por incrível que pareça os grandes meios de comunicação não permitiram uma só defesa da medida. Nesses veículos, o assunto só é abordado sob a ótica dos que são contra.

Desafio qualquer um a exibir um só espaço que a grande mídia brasileira tenha dado a quem defende um tipo de arcabouço legal que existe em qualquer país desenvolvido, mas que, em nosso país, é criminosamente distorcido por empresas de comunicação que se arvoram em defensoras da liberdade de expressão.

A sorte de impérios midiáticos como o Clarín argentino ou como a Globo, a Folha de São Paulo, o Estadão ou a Veja é que estão instalados em países em que a quantidade de dinheiro torna as pessoas que têm muito, imunes às leis.

Todavia, o processo de regulação das comunicações se espalha pelo mundo. Nos países desenvolvidos já é realidade há décadas. O Brasil foi o último país – ou o penúltimo, pois há controvérsias – a acabar com a escravidão. Provavelmente, será o último a democratizar a comunicação. Todavia, cedo ou tarde terá que fazê-lo. Quem viver, verá.