O mal incrível que os protestos contra a Copa fizeram ao Brasil
Não há o que comemorar na prisão de dois jovens ativistas contrários à Copa no último dia 23, durante manifestação na avenida Paulista que, para variar, terminou em quebra-quebra. E muito menos na prorrogação dessas prisões, anunciada pela imprensa na sexta-feira.
O professor de inglês Rafael Marques Lusvarghi, de 29 anos, e o estudante e servidor da USP Fábio Hideki Harano, de 26 anos, ficarão presos até o julgamento das acusações que sofreram por parte da polícia, de que portavam artefatos explosivos e adotavam comportamento agressivo.
Há mais uma tragédia. A polícia está intimidando pessoas que promovem protestos contra a Copa. Prende em casa e leva para a delegacia antes de promoverem atos, preferencialmente, nos dias de jogo do Brasil.
Em larga escala, o apoio a protestos de rua vem caindo vertiginosamente. As últimas pesquisas dão conta de que já caiu para menos de 50% o contingente dos brasileiros que apoia o exercício do direito de protestar na via pública.
Dá tristeza ver tudo isso acontecendo. Falo, agora, como cidadão que nunca hesitou ou temeu exercer o direito à livre manifestação.
Os jovens presos, o constrangimento ao direito de manifestação, tudo isso pode, sim, se voltar inclusive contra quem exerce de forma democrática e cidadã o direito constitucional de protestar na rua.
Mas o que causou essa situação? Por que chegamos a esse ponto? É culpa de quem avisou que protestar com violência só iria gerar mais violência, e que protestar de forma que prejudicasse a população só iria colocá-la contra quem protesta?
Não. É culpa de quem abusa inclusive do cidadão comum ao organizar um protesto.
Volto a falar como cidadão. Promovi atos públicos que reuniram centenas de pessoas. Números iguais ou até maiores do que o da manifestação reprimida na última quinta-feira (26) na avenida paulista – cerca de 300 pessoas.
A polícia até acompanhou os protestos da ONG que fundei, o Movimento dos Sem Mídia, entre 2007 e 2011. Todas as vezes em que propus atos públicos, eu e os que para eles acorreram cumprimos a lei e avisamos a Polícia Militar sobre o local da manifestação, e ao Departamento de Trânsito de que a manifestação interromperia a via de tráfego de veículos.
Avisamos com antecedência, para que medidas pudessem ser tomadas.
Graças a essas medidas, as manifestações que promovi diante da Folha de São Paulo, no Masp e em outros locais nunca afetaram quem não queria se manifestar. Além disso, fomos à rua com megafone, carro de som, cartazes, faixas, discursos e demos nosso recado.
Em uma das vezes, em 7 de março de 2009, manifestação convocada pelo Movimento dos Sem Mídia através deste Blog ocorreu diante da Folha de São Paulo. O protesto, que reuniu vítimas da ditadura militar, decorreu de editorial daquele jornal que qualificou a ditadura militar (1964-1985) como “ditabranda”.
No dia seguinte, em 8 de março de 2009, o “Publisher” da Folha, Otávio Frias Filho, escreveu “editorial” reconhecendo o erro do seu empreendimento ao qualificar como “brando” um regime que torturou, estuprou e matou inclusive pessoas que não se envolveram com a resistência ao regime.
Não quebramos um só graveto. Não impedimos ninguém de ir e vir. Em contrapartida, duas dezenas de pessoas, de entidades como “Tortura Nunca Mais”, CUT, UNE, MST, etc., fizeram discursos tonitruantes ao microfone do carro de som.
Elevamos o ato de protestar. Ninguém pôde nos acusar de prejudicar alguém ao exercermos os inalienáveis direitos constitucionais à reunião, à manifestação e à liberdade de expressão.
Hoje, do jeito que a coisa vai, é possível que os que fizemos o protesto contra a ditabranda da Folha tivéssemos problemas para nos reunir mesmo sem ter a menor intenção de adotar qualquer tática de protesto que prejudicasse alguém fisicamente, sobretudo quem não tem nada que ver com o alvo do protesto ou com os que protestam.
Vários pequenos protestos ocorreram desde que a Copa começou. Em boa parte deles – para não incidir no risco de dizer injustamente que foi em todos – apareceram “black blocs” para promover quebradeiras, tocar fogo em carros, atirar rojões contra turistas, depredar estabelecimentos comerciais…
Não acredito que prender dois garotos com menos de trinta anos – da faixa de idade dos meus filhos – vá fazer com que esses grupos que protestam contra a Copa se intimidem. Estão movidos por uma “ira santa”.
Disso eu não tenho a menor dúvida.
De certa forma, é até bonito. Esses jovens põem em risco sua integridade física lutando contra moinhos de vento, a Copa, uma entidade intangível, um dragão da maldade de cuja derrota dependeria o futuro de todos nós.
Não existe a possibilidade de algumas centenas de garotos ensandecidos – alguns (poucos), inclusive, embriagados ou drogados – impedirem – ou sequer atrapalharem de verdade – um evento da dimensão de uma Copa do Mundo.
Se o fizessem, seria inaceitável. Se cada grupo de interesse ignorar as leis e a representação política e decidir impedir ou impor pela força o que quiser ou o que não quiser que aconteça, o resultado não será muito difícil de imaginar.
Sempre lembrando que, quando a força é o critério e o meio, existe sempre um lado mais forte, inclusive entre outros grupos populares.
Sair pela rua promovendo quebradeiras, tocando fogo nas coisas com o país cheio de turistas gera o risco de um desastre de proporções impensáveis.
Como correr o risco de deixar um protesto produzir vítimas fatais como cinegrafista da TV Bandeirantes que perdeu a vida num desses protestos violentos, deixando como saldo a destruição das vidas de dois garotos imbecis cooptados por espertalhões que buscavam fins políticos ao incitarem outros tantos jovens a cometer imprudências desse calibre?
Isso sem falar nas vítimas entre as hordas de manifestantes contrários à Copa – e a outras coisas – espancados e até mutilados por uma polícia despreparada, mal paga, violenta e que, via de regra, acaba perdendo o controle tanto quanto os que reprime.
Não tivesse havido grupos promovendo atos violentos em parte tão expressiva desses protestos contra a Copa talvez pudéssemos conviver com eles de forma democrática, respeitando-lhes o direito de reclamar, mas tendo respeitado por eles os direitos de quem não quer participar.
Os protestos contra a Copa se perderam. Além de prejudicarem os que protestam e os que não querem protestar, prejudicaram a compreensão do direito de manifestação. Açularam uma onda de intolerância, com manifestantes sendo agredidos inclusive pela população.
Recentemente, em uma estação de metrô de São Paulo uma jovem trabalhadora, tentando voltar para casa após um dia de labuta, perdeu o controle e partiu para cima de um grupo que impedia o embarque dos passageiros.
Esse é só um entre vários casos iguais que vêm ocorrendo.
Além de tudo, temos que ver o povo massacrando o povo. Isso não é manifestação, é uma irracionalidade, um abuso.
Cada um escolhe o caminho que quer. Democraticamente, é preciso respeitar até o direito de ser irracional, de pôr caprichos acima de um mínimo de bom senso – como, por exemplo, aceitar que não está sendo possível impedir ou atrapalhar de verdade a Copa.
Quem escolhe o caminho do capricho e da irracionalidade certamente não vai aceitar o preço que ações desse jaez acarretam, tampouco terá o bom senso de não jogar a culpa pelos próprios atos em quem não tem como ajudar ou prejudicar o insensato.
Tragicamente, a insensatez e a arrogância desses grupos que protestam contra a Copa não vão ceder antes de finalmente ocasionarem um desastre de proporções suficientes para que, miseravelmente, tais grupos se permitam um mísero lampejo de reflexão.