Ironias da vida: Marta usou contra PT jornalista e jornal que a massacraram

Crônica

Marta

Naquela tarde de 2003, cheguei ao Teatro que a Folha de São Paulo mantém incrustado no chiquérrimo shopping de “bacanas” em Higienópolis para participar, a convite do jornal, de um seminário qualquer. À porta do Teatro, encontro Eliane Cantanhêde conversando com o psicanalista-colunista da Folha de São Paulo Contardo Caligaris.

Aproximei-me timidamente da colunista com quem trocava mensagens pela internet havia anos para comentar suas colunas então despidas do antipetismo que ela adotaria nos anos seguintes. Como já nos conhecíamos pessoalmente de outros eventos da Folha, entabulamos um dedo de prosa. Eliane escolheu o assunto: Marta Suplicy.

Marta, que a imprensa paulista apoiara efusivamente contra Paulo Maluf na eleição municipal de 2000 – diante da literal destruição da capital paulista durante seu governo e o de Celso Pitta –, caíra em desgraça junto à elite paulistana. Atualmente, era “Martaxa”, inimiga número um dos ricaços de São Paulo por ter lhes cobrado uns caraminguás a mais no carnê do IPTU.

Não me surpreendeu, portanto, que Eliane tenha começado o papo perguntando se eu ficara sabendo da última entre as muitas declarações folclóricas que Marta verteu ao longo de sua carreira política. A partir dali, tive uma certeza: a colunista odiava a então prefeita de São Paulo. Ao menos naquele momento – na política, amor e ódio são fluídos e mutantes.

Termos como “dondoca”, “fútil”, “destemperada”, “arrogante” etc. foram usados, decepcionando-me – eu, à época, acreditava que a Folha e seus colunistas eram diferentes do resto da mídia tucana porque o jornal permitia algum contraditório, enquanto que o Estadão, jornal que eu lia desde os 13 anos, simplesmente não permitia opiniões divergentes.

Vendo a raiva que Eliane demonstrava em relação à prefeita de São Paulo, fiquei incomodado. “Como ela poderá escrever corretamente sobre alguém de quem sente tanta raiva?”, perguntei-me.

Nos anos seguintes, a então colunista da Folha, hoje colunista do Estadão, iria se tornando uma das antipetistas mais virulentas do mercado de opinião paulista, conforme seu marido, um marqueteiro, fosse conseguindo contratos com o PSDB.

Eis que, no último sábado, vejo-me surpreendido com entrevista que Marta concedeu justamente a Eliane, quem, hoje, emprega seu antipetismo militante no jornal da família Mesquita, a qual, pelo menos, não é dissimulada como a família Frias, da Folha, ao não escamotear seu ódio ao PT.

Marta é uma mulher inteligente, apesar do temperamento. Sabia muito bem a quem estava dando munição contra o partido que a acolheu e lhe deu todo o espaço possível e imaginável. A entrevista que deu ao Estadão caberia na boca de qualquer tucano radical.

Endossou a tese mentirosa de que Lula poderia ter sido candidato a presidente neste ano, o que já ouvi dele, em conversa privada, que é a última coisa que faria, pois seria admissão de que errou na escolha de Dilma. E, não satisfeita, Marta ainda tratou de intrigar Lula com Dilma. Publicamente.

Talvez pelo tom de fofoca de sua entrevista Marta tenha escolhido uma jornalista que se notabilizou como fofoqueira política. Eliane Cantanhêde nunca passou de uma fofoqueira política que já foi até independente, mas que acabou se tornando fofoqueira política a serviço do PSDB.

Marta fez um bom governo em São Paulo? Fez, sim. Priorizou o social, assim como Luiza Erundina. Ambas só não fizeram mais porque sucederam prefeitos que destroçaram os cofres paulistas. Foram duas boas prefeitas. Ponto.

Contudo, politicamente Marta começa a trilhar o caminho de Erundina. A ambição apressada de ambas tornou-as coadjuvantes na política. Erundina e Marta foram destroçadas pela mídia paulista e depois foram bater às suas portas para atacar o PT, já que elas culpam o partido pelas inabilidades políticas delas mesmas.

Meu sinal de alerta com Marta acendeu na eleição de 2008, quando ela disputou a prefeitura de São Paulo com Gilberto Kassab. Em plena campanha eleitoral, saltei fora da candidatura dela quando cometeu um pecado imperdoável ao questionar a sexualidade do adversário em seu programa eleitoral. Um golpe tão baixo que até Maluf pensaria duas vezes antes de usar.

Comparo a entrevista de Marta ao Estadão como uma nova versão do “É casado? Tem filhos?”, que, desrespeitando a própria história e o eleitorado, essa senhora foi capaz de usar.

Em 2008, percebi do que a ex-prefeita seria capaz de fazer em prol de seu ego descomunal e de suas ambições políticas. Pelo visto, eu tinha razão. Procurar uma víbora como Cantanhêde e o jornal que tanto a massacrou durante seu governo para atacar seus companheiros de forma tão malévola, é indesculpável. Para mim, Marta se acabou.